Outro mundo.

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BESSIE

Cinza, tudo está absolutamente cinza. É como se eu estivesse em outra dimensão. Na minha cabeça, imagens sem sentido passam rapidamente, como se fossem apenas flashes de tudo o que eu vivi até o dia de hoje, mas uma cena em especial me chama a atenção. Eu e o Padre Anthony, o meu pai, estamos almoçando juntos e ele recita alguns trechos da Bíblia para mim, explicando cada passagem com tanto vigor que dá até gosto de ver.

Sempre foi assim, a cidade inteira sempre falou sobre a minha vida e desde muito nova tive que me acostumar com os outros me chamando de "filha do padre", mas eu nunca cheguei a contar para alguém o que de fato aconteceu comigo. Só para Serena, mas isso levou muito tempo e também não tem muito o que contar. Anthony não me disse muito na época, porque eu era só uma menina de quatro anos de idade, mas eu acabei descobrindo algumas coisas depois e ligando os pontos. Pelo o que sei, meus pais biológicos nunca foram casados. Não sei se meu pai abandonou a minha mãe quando descobriu que ela estava grávida de mim ou se ele nem sequer soube da minha existência, mas o que eu sei é que a mulher que me deu a vida me abandonou dentro de uma cesta na porta da Igreja de Nossa Senhora de Guadalupe, dizendo que era melhor assim e que um dia voltaria para me buscar, mas isso nunca chegou a acontecer de fato.

Mesmo sem ter nenhuma obrigação e sendo criticado por muitos fiéis, Anthony me criou até os meus cinco anos de idade. Confesso que me criar não foi uma tarefa muito fácil, porque eu sempre tive esse gênio ruim, atacado, sempre tive esse jeito durona de ser. Eu o respondia muito, reclamava de tudo, mas mesmo assim o padre sempre me abria um sorriso largo e continuava me explicando o porquê das coisas serem de um jeito e não do outro.

Nunca vou me esquecer de tudo o que aprendi com o Padre Anthony.

Engraçado como as coisas são. Apesar de levar essa vida errada que eu tenho, ainda consigo ter muita fé em Deus e em tudo o que o meu pai de criação me ensinou. E quer saber de uma coisa? Eu não me importo nenhum pouco de ser chamada de "filha do padre", porque é isso o que eu sou. Anthony foi a figura paterna que eu nunca tive e eu sou eternamente grata a ele. Mesmo com tudo, mesmo com todos os meus erros, sinto orgulho de poder chamá-lo de pai, mas será que Anthony sentiria orgulho de ver o que a filha que ele tanto amava se tornou?

Acho que não...

Em seguida, outras imagens passam pela minha mente, flashes de duas mulheres. Uma ruiva muito bonita sorri para mim, sei que é Nadia pelo tom de seu cabelo, mas não consigo identificar quem é a outra. Sua pele é branca e seus olhos negros são muito expressivos. Lembro de já ter sonhado com essa mesma mulher outras vezes, mas nunca descobri sua identidade.

Tudo vai e vem pela minha mente, coisas totalmente soltas e sem nexo algum. Às vezes eu me vejo deitada em uma cama de hospital, com Nadia em pé ao meu lado, segurando a minha mão e sussurrando repetidas vezes "tudo vai ficar bem, meu amor". Não entendo o motivo desse sonho justo agora e nem o porquê dele se repetir tantas vezes assim.

Com muito custo, forço os meus olhos o quanto posso e consigo abrir os mesmos. A cena é a mesma dos meus sonhos: uma cama de hospital, eu deitada sobre ela e um acesso venoso no meu braço direito, mas diferente do sonho, ao invés de Nadia, quem está parada em pé ao lado da minha cama é uma enfermeira loira e siliconada, que sorri de forma sedutora para mim. Se eu ainda não estou louca, tenho certeza que ela está tentando flertar comigo.

— Parece que nossa morena misteriosa finalmente acordou! — exclama assim que seus olhos encontram os meus.

Varro meus olhos pelo quarto, em busca de maiores informações, mas não encontro ninguém além dela.

— Onde eu estou? — digo com dificuldade. — E quem é você?

— Acalme-se, querida — pede gentilmente. — Meu nome é Claire e eu sou sua enfermeira particular — pisca.

Love AffairOnde histórias criam vida. Descubra agora