Medo e culpa.

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BESSIE

Inconformada com a minha própria vida, chuto uma pedrinha na areia fofa. Ela rola por alguns centímetros e para quando se encontra com as águas salgadas do mar. Não sou do tipo que reclama, não sou como aquelas pessoas que questionam tudo ao invés de aceitarem o presente. Eu tive um passado horrível, uma história catastrófica e meus dias atuais também não são um mar de rosas, mas me contento em saber que tenho uma vida estável atualmente. Tenho uma boa casa, com uma cama confortável e comida em abundância na geladeira, tenho carros do ano, uma quantia expressiva no banco e até mesmo alguns poucos amigos. Nada mal para uma antiga moradora de rua que nunca sabia quando teria comida, água ou simplesmente um canto seguro no qual pudesse passar a noite, mas se tenho tudo isso, se estou tão bem de vida agora, por que é que eu ainda pareço tão insatisfeita assim?

A resposta é simples: Jessica Platte.

Por anos eu sonhei com o dia em que conheceria a mulher que livrou o mundo da presença de John Wilson. Mesmo que o que ela fez não tenha nenhuma ligação direta comigo, ainda assim eu me sentia feliz por ela ter assassinado aquele cretino. John era uma pessoa ruim, alguém que só pensava no próprio umbigo e em como conseguir mais e mais poder, mesmo que para isso tivesse que pisar em alguém. Ele não hesitou duas vezes antes de pisar em mim para saciar o desejo de sua carne, como também não pestanejou antes de bolar um plano maquiavélico para acabar com a vida de Jessica, mesmo sabendo que provavelmente morreria junto com ela. Conforta o meu coração saber que ela ainda o torturou antes de dar um fim na existência insignificante daquele crápula.

Uma morte cruel e dolorosa, meu subconsciente me diz, relembrando os desejos proferidos por mim nas últimas palavras que troquei com o policial Wilson.

— Ela é uma idiota! — resmungo para mim mesma, me obrigando a aceitar o meu destino e caminhar pela areia da praia, bem próxima ao mar, mas não tanto ao ponto de molhar os meus pés. — Eu sou Bessie Lotrov, fui eu quem moveu céus e terras para tirar ela daquele lugar horrível quando nenhum advogado do mundo queria pegar o caso dela e é assim que ela me agradece, tentando me bater?

Solto um suspiro, frustrada.

Não consigo entender como alguém tão inteligente como Jessica Platte possa ser tão burra e tão mesquinha ao ponto de me culpar pelas coisas ruins que aconteceram em sua vida.

Volto a chutar pedrinhas na direção da água do mar como forma de extravasar e aliviar a minha tensão. O barulho das ondas também ajuda, porque alguns minutos depois me sinto extremamente calma e controlada. Algumas pessoas caminham na direção contrária, me cumprimentando de maneira gentil quando passam por mim. Respondo algumas, mas quando famílias com crianças chegam perto, meu rosto fecha e minha expressão se torna carrancuda.

Não gosto de crianças, não suporto os seus gritos histéricos e sua fé demasiada na humanidade. Crianças acham que nada de ruim pode acontecer com elas e é aí que elas se enganam. A maldade está por todo o lugar, só esperando o momento exato ou a distração de alguém para pegar a gente de jeito e nos levar para o fundo do poço. Foi assim que aconteceu comigo. Foi assim que aconteceu também com Lynn, a filha de Jessica, quando sua mãe foi presa e ela precisou viver vários anos de sua vida sendo criada por outras pessoas, mais precisamente por Skyla e Dabria. Confesso que a Srta. Ferrer não é a minha pessoa preferida nesse mundo, mas ela me parece gostar de crianças e saber cuidar desses pequenos monstrinhos.

Já a Sra. Wilson...

Trinco meus dentes, relembrando do dia em que a vi pela primeira vez na porta de seu apartamento.

Flashback On

Saio do apartamento de dona Cecília com cautela, verificando no corredor se a porta do apartamento do policial Wilson está devidamente fechada dessa vez. Mesmo sabendo que agora John se encontra preso, ainda tenho medo. Não gosto de nada que me faça lembrar sua existência, porque é como reviver aquele dia horrível em que ele destruiu a minha vida.

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