O seu problema é devolver.

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Meredith

Se amar é se permitir ficar sem defesas, expostos a qualquer coisa que possa nos atingir, por qual motivo aceitamos ser destruídos por aqueles que dizem nos amar? Até que ponto vale a pena insistir em algo que nos machuca? Ontem conseguimos a vitória no jogo tão aguardado pelos alunos da Lewis H. High School, eu deveria ter comemorado e bebido com os meus amigos, mas passei a noite e boa parte da madrugada cuidando de Reagan. Carter não deu as caras, porque o seu pai foi busca-la na colégio para levá-la para jantar com a futura madrasta. Precisei fazer com que Reagan tomasse um banho e até comesse e consegui depois de muita luta e adulação, mas não dormi, fiquei acordada a noite inteira preocupada com as vezes em que ela acordava tremendo ou assustada com os pesadelos que tinha. Me sinto culpada, porque vi a hora em que Bessie saiu das arquibancadas e seguiu Reagan até o banheiro e não fiz nada, achei que seria melhor se as duas conversassem e resolvessem os problemas, mas me enganei. Eu deveria estar lá por ela, deveria ter ficado do lado de fora do banheiro atenta a qualquer barulho ou alteração de voz pra poder intervir e tirar Reagan de lá.

Mas eu não fiz isso.

E me odeio por isso.

Ninguém conhece Bessie tão bem quanto eu.

Ela é boa em machucar os outros quando está machucada, porque se dói nela, por algum motivo que nunca irei entender, ela acha que tem que doer nos outros também. Reagan me contou sobre todas as coisas que elas duas conversaram, coisas que ela não contou pra Carter, porque a minha namorada não faz a menor ideia da metade dos problemas que a melhor amiga tem. Bessie foi violentada por John Wilson, pai de Reagan, aquele que a abandonou quando criança e que ela nunca teve a oportunidade de conhecer, a pessoa responsável pelo que considero ser o maior trauma de Bessie e que ela acha que é Reagan quem deve pagar por isso. John foi morto, teve o final que merecia, ele estar queimando no inferno me faz ter pena do diabo. Mas por que? Por que culpar alguém pelas atitudes de outra pessoa?

Quando eu era pequena, sofri bullying na escola por causa de uma fofoca que a minha melhor amiga na época — maldita Amanda Hoffmann — espalhou para todos. Tivemos um momento no meu aniversário onde ela entrou no meu quarto para me entregar o meu presente e quando se inclinou para me abraçar, eu tentei beija-la. Amanda disse que eu era uma aberração, que meninas não beijavam meninas. No dia seguinte, na escola, Amanda tinha espalhado aos quatro ventos que eu tinha ficado a sós no quarto com um menino da nossa turma e que eu tinha deixado ele me tocar em certos lugares. Eu era só uma criança quando fiquei conhecida por ser uma vadia. Quis sair do colégio, mas na época mamãe não quis fazer isso, disse que se eu não tinha feito nada de errado, então precisava levantar a cabeça e seguir em frente.

"Não importa o quão mal alguém te trate, as pessoas vão fazer você se sentir culpada pelos erros delas para não se sentirem mal pelo que te fizeram. Você vai encontrar muitas dessas pessoas em sua vida, mas entenda querida, elas são incapazes de enxergar que o problema vem de dentro delas e não de você."

A minha amizade com Bessie é antiga, marcada pelo início de quando eu a chantageei para que ela dormisse comigo em troca de eu continuar de bico fechado sobre ela ser garota de programa. Me envergonho disso, o meu passado é o meu maior inimigo, tento focar no presente e esquecer o futuro, afinal, para que as pessoas gostem de mim, eu preciso mostrar quem sou, não posso obriga-las a isso. Se fosse tão simples como passei boa parte da minha vida acreditando, o meu relacionamento com Carter teria dado certo há muito tempo atrás.

Toco a campainha da casa. Fecho a cara para as pessoas que passam pela calçada me olhando com o meu uniforme de líder de torcida.

Não é fantasia, só não tive tempo para ir pra casa tomar um banho e trocar de roupa, mordo a lingua quando uma senhora me olha de cima a baixo como se dissesse "exibida", mas me limito a mostrar a língua para ela quando a mesma atravessa a rua com o seu cachorrinho saltitante, um chihuahua caramelo com branco do tamanho da palma da minha mão. Olho para a minha mão e para o cachorro atravessando a rua, o rabinho balançando de um lado para o outro e volto a encarar a minha mão, virando-a para cima e para baixo. É, exatamente do mesmo tamanho.

Love AffairOnde histórias criam vida. Descubra agora