BESSIE
O corpo humano é uma máquina perfeita. Ele possui cerca de cinco litros de sangue, mas quando fazemos alguma doação, é preciso de um tempo de repouso para reaver as vitaminas e os nutrientes perdidos. Não podemos simplesmente levantar e sair andando logo após doar o nosso sangue, porque quatrocentos e cinquenta mililitros de nós nos foi tirado e, se a gente tentasse dar um passo depois disso, provavelmente acabaríamos caindo com a cara no chão.
A mesma coisa acontece quando ficamos isolados do mundo. Ninguém é feliz sozinho. Se alguém diz que é, então essa pessoa está mentindo. Viver em sociedade é crucial para a vida humana, assim como a água e o alimento. Não dá pra sobreviver por muito tempo sem esses três pilares fundamentais. E é por isso que dá pra entender a fraqueza física que sentimos quando alguém que amamos não está ao nosso lado. Diferente da doação de sangue, nada nos foi tirado, nem uma gotinha sequer, mas a sensação que sentimos é como se alguém tivesse nos arrancado metade do nosso ser.
É bizarro o efeito que uma pessoa pode ter em nossa vida ao ponto da gente morrer de felicidade por simplesmente ter ela ao nosso lado, mas também quase morrer de tristeza quando a perdemos. A questão é: por que a dor emocional chega a ser pior do que a dor física?
Quando eu conheci Serena Redfield, eu soube ali, naquele mesmo instante, que a sua presença me iluminaria para o resto dos meus dias. Ela me trouxe uma paz que eu nunca havia presenciado antes, me trouxe o sentimento mais puro que a gente pode sentir por alguém, que é a amizade. Me mostrou que eu nunca estaria sozinha, porque ela estaria sempre comigo, e que os meus medos e os meus traumas não são maiores do que eu, do que quem eu sou. O brilho radiante de Serena me deixou carente de luz, da sua luz, porque até disso o ser humano precisa para sobreviver: luz.
Serena é a minha luz, a minha fonte de vitamina, por isso, quando ela para de falar comigo, como agora, eu sinto como se todos os meus ossos enfraquecessem aos poucos, ao ponto de achar que vou partir ao meio em cada passo que dou. Eu tento me manter firme, tento fingir que sua ausência não me abala, mas a quem eu quero enganar? Sem ela por aqui, a dor me consome por inteira, me corroendo de dentro pra fora, e tudo o que resta é um vazio enorme que se apodera da minha alma e me faz refém. Nós, seres humanos, conseguimos superar perdas, lidar com mortes de entes queridos, mas não ficamos de pé por muito tempo se não tivermos saúde. E o meu maior erro foi permitir que Serena virasse a minha saúde. Sem a minha melhor amiga por aqui eu adoeço. Não é como se eu fosse morrer por isso, porque sei que não vou, mas também não é como se eu fosse capaz de me manter sozinha.
Que saudade dos tempos em que eu morava nas ruas...
Quando eu era apenas uma moradora de rua, uma mendiga, ficar sozinha era a coisa que eu mais prezava, uma espécie de bênção pra mim, porque eu sabia que naqueles momentos de solidão seriam apenas eu e os meus pensamentos obscuros no nosso mundo particular, sem saber se sobreviveria até o dia seguinte. Ou até a hora seguinte, o que chegasse primeiro. Por muito tempo eu acreditei que aprender a ser sozinha era a maior lição que eu havia tirado dos tempos em que morei na rua, mas agora, aos vinte e um anos e morando em uma casa confortável em um bairro nobre, tudo o que consigo pensar é que ficar sozinha é uma droga e ser sempre sozinha beira o desespero.
— Eu vou enlouquecer... — é o que repito para mim mesma pela terceira vez ao dia numa espécie de mantra particular.
Não consigo mais me olhar no espelho, não consigo mais admirar o meu próprio reflexo e sorrir ao notar as curvas do meu corpo. Não consigo mais ver graça no verde dos meus olhos, que agora são apenas duas esmeraldas quebradas, opacas e sem vida, cercadas por olheiras profundas e escuras, lembranças das minhas muitas noites sem dormir. O meu semblante está abatido, o meu cabelo sem brilho e a minha vida sem um norte, sem uma boia na qual me agarrar para não sucumbir.
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Love Affair
RomansaEla quase a atropelou. Se aquilo fosse o destino lhe dizendo que, para conhecer o amor da sua vida, Reagan Gray precisava ver a morte passar diante dos seus olhos, talvez ela já tivesse tentado fazer isso antes. Ela não era uma suicida e nem nada do...