Nada mais para se agarrar.

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Bessie

Li uma vez, em algum dos livros que Serena tem na estante dela, que perder alguém que amamos dói, porque quando essa pessoa parte, a gente se parte também. Sou especialista em perder pessoas, para a morte eu já perdi o meu pai — o homem que me criou, Padre Anthony — e o filho que carreguei de John quando ele abusou de mim. Foram duas perdas enormes, a perda do meu pai foi a responsável para que eu pudesse encarar o mundo sozinha e a perda do meu filho foi... Isso não é... Aquele bebê... eu queria ter aquele bebê. Serena dizia que eu queria a criança porque eu morava nas ruas e de alguma maneira queria companhia e acho que ela tem razão, eu era uma adolescente sozinha e desamparada, por mais que o pai daquela criança fosse o pior homem que já cruzou o meu caminho, eu quis a gravidez e sonhei com o dia em que seguraria aquela criança em meus braços. Kenna é diferente nisso, não a desejo, não a quero, porque sendo sincera com o meu eu adolescente de anos atrás, ela me lembra o que na minha primeira gravidez passou pouco batido; o abuso.

Reagan sofreu um terrível acidente, dois carros bateram no seu em um curto espaço de tempo. Ouvi Meredith, a única testemunha do ocorrido, falar para os policiais na recepção do hospital, que o modelo do primeiro carro que atingiu a sua melhor amiga era um Sedan prata. A batida ocasionou o acidente que fez Reagan capotar algumas vezes pela estrada até o seu carro parar bruscamente com teto para baixo. O segundo carro foi um Mustang preto do ano de 1969, nem precisei ouvir o resto da conversa da patricinha para saber quem estava no volante, nada mais nada menos que Aaron Parker. Na recepção do hospital, discuti com a recepcionista que se recusou a me dar detalhes sobre o estado de Reagan, fiquei tão nervosa que ela chamou um dos enfermeiros para me acalmar quando viu a minha barriga.

— Não encosta em mim! — avisei para o enfermeiro que se aproximou, um simples gesto de mão foi o suficiente para ele se afastar pedindo desculpas. — E o Aaron Parker? Cadê aquele merda? Conseguiu sair ileso? Porque se saiu, eu vou acabar com a raça dele.

— Aaron está em cirurgia — alguém fala para mim, um garoto que nunca vi antes, mas ele está vestindo roupas características do tema da festa do colégio. — A gente só estava bebendo...

Há quarenta minutos atrás eu estava no melhor momento da minha vida, tudo estava perfeito. O amor da minha vida estava em meus braços de novo e o meu coração estava em paz, seria um novo recomeço para a gente, a cola para juntar os nossos pedacinhos e deixar que a vida se encarregasse de nos presentear com o futuro que nós duas desejávamos ter. Mas agora... maldita hora que Carter e Ross me chamaram. Maldita hora que deixei Reagan sozinha naquela sala. Se eu tivesse ficado com ela ou só tivesse insistido para ela me acompanhar, nada disso teria acontecido.

Durante o trajeto até o hospital, evitei olhar para Reagan. Seu corpo estava cheio de hematomas e machucados, tinha tanto sangue em suas roupas que eu nem sabia de onde estava saindo e nem queria saber o local exato dos seus ferimentos. Ela estava inconsciente quando colocaram uma máscara de oxigênio sobre o seu rosto para que ela pudesse respirar, pois os seus pulmões já não estavam sendo capazes de desempenhar essa função tão simples. Os paramédicos reviravam várias coisas dentro da ambulância, discutiam tentando encontrar meios, aparentemente impossíveis, de salvar a vida de Reagan. Ela vai ficar bem, um deles me disse, numa tentativa inútil de me fazer ter fé e esperança quando eu já tinha perdido os dois depois da parada cardíaca que Reagan teve. Eu me sentia mal, me deram um calmante natural para tomar, mas não sentia o remédio fazer efeito em meu corpo, o embrulho no estômago, a sensação de tontura naquele pequeno ambiente com luzes vermelhas e fortes preenchendo o vazio das ruas mais quietas no caminho para o hospital, a sirene alertando que os carros deveriam abrir passagem pelo caminho. Reagan morreu por cincos segundos até ser reanimada. Eu morri e voltei junto com ela.

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