Choque de realidade.

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SERENA

O vento frio bate contra a minha pele me causando um arrepio instantâneo. Meus cabelos se movem de maneira graciosa a cada passo que dou em direção ao meu destino e as luvas em minhas mãos me dão um charme romântico. Qualquer pessoa que me veja agora pode imaginar que acabei de sair de um filme europeu ou da capa de uma revista muito famosa, o que provavelmente pode acontecer, já que os tabloides adoram me fotografar distraída. Esse é o preço que pago por ser herdeira única da maior marca de cosméticos do mundo, mas não é algo do qual eu me desagrade. Sou o centro das atenções por onde passo desde o dia em que nasci e adoro isso.

Sigo pelas ruas quase desertas de Eugene em direção ao endereço que me foi passado por mensagem de texto. Não conheço o lugar que estou indo, tampouco sei o que me aguarda lá, mas o frio presente em minha barriga denuncia que estou ansiosa para chegar. Duas ruas depois, avisto a fachada do Coffee&Break, uma cafeteria simples, porém aconchegante, localizada em um local mais distante do centro da cidade.

Adentro o recinto com toda a minha pose de mulher sofisticada da alta elite de Manhattan. Claramente não combino com o lugar, mas fico feliz por ele ser quente e acolhedor o suficiente para me proteger do frio latente dos primeiros dias do mês de dezembro.

— Boa tarde — uma funcionária simpática me cumprimenta quando vê que ainda estou de pé junto à porta. Seus cabelos loiros são oxigenados e ela provavelmente usa alguma coloração muito barata, porque a raiz está desbotada e necessitando de retoque, nada comparado com o meu loiro dourado de nascença. — Mesa para um?

Varro meus olhos pelo local, em busca da minha companhia. O Coffee&Break é um clássico café de cidades não populosas. Suas paredes de tijolos simétricos e o chão de madeira pura lhe conferem um ar rústico, mas as mesas e cadeiras também são feitas de madeira e não possuem nenhuma tintura além de um verniz um pouco gasto, o que acaba transformando o ambiente agradável em um local antiquado.

— Ela está comigo — sua voz soa por trás de mim e eu não preciso me virar para ter certeza de quem é. Uma de suas mãos circula minha cintura em sinal de posse, demonstrando para quem quer que seja que estamos juntas — Vamos querer uma mesa para dois, por favor.

Caminhamos até o local indicado pela funcionária e minha acompanhante puxa a cadeira para eu me sentar. Agradeço o seu gesto de cavalheirismo com um sorriso contido enquanto folheio o pequeno cardápio sem olhar para ela.

— Por que me procurou? — fala, tentando iniciar nossa conversa. — Acho que eu fui bem clara com você e sua amiga ontem quando vocês invadiram o meu momento familiar para remexer no meu passado.

Arqueio uma sobrancelha em surpresa para sua prepotência, olhando-a pela primeira vez desde que chegamos.

Jessica Platte costumava ser uma mulher bonita e atraente. Sei disso porque vi algumas fotografias antigas dela nos jornais, mas tudo o que vejo agora na minha frente é apenas uma mulher que amargou longos anos dentro de uma penitenciária, pagando por um crime que cometeu em legítima defesa e que lhe custou metade da sua vida. Agora os seus olhos azuis já não possuem nenhum brilho e as olheiras em seu rosto são como um troféu pelas noites mal dormidas.

Antes que eu tenha a chance de responder, a mesma garçonete gentil que nos recebeu vem até nós com um bloquinho em mãos.

— O casal já decidiu o que vai querer? — sua voz é amistosa. Seus olhos me encaram com atenção, provavelmente por me reconhecer de algum veículo de informação.

— Não somos um casal — Jessica e eu dizemos juntas.

A funcionária estreita o olhar, mas acaba concordando com um aceno de cabeça.

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