Capítulo 5 :

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Permaneci alguns minutos encostado na sala de espera aturando os médicos e o desespero de Carla. Fiquei com certa dó vendo-a ali daquele jeito, vulnerável e ao mesmo tempo tentando manter uma casca ao seu redor.

Sentei-me ao seu lado querendo consolá-la quando seus soluços estavam altos demais, porém a coragem de passar o braço ao seu redor me faltou. Ela ainda era durona, havia me dispensado.

Carla: Não acredito que deixei isso acontecer com a minha filha — suspirou mais para si mesma do que para mim — Sou a única responsável por ela e... Sempre disse que nada de ruim iria acontecer e agora isso... — uma lágrima desceu por seu rosto e me deixou um pouco sensibilizado.

Carla era mãe solteira. Enfrentava tudo sozinha. Não era fácil, eu sabia... Minha mãe foi mãe solteira de três filhos, incluindo eu e minhas duas irmãs.

Arthur: A culpa não foi sua — sussurrei do modo menos comprometedor que consegui — Foi um acidente, poderia ter acontecido com qualquer pessoa. É coisa de criança...

Carla: Mesmo assim — não usou um tom ríspido, foi até educada.

Limpou a lágrima quando o enfermeiro disse para irmos acompanhar enquanto engessavam a perna da pequena Maria Clara. Entrei na sala junto a Carla que não recusou minha companhia.

Enfermeiro: Pronto! Ai estão seus pais — disse para a Maria Clara , que estava sentadinha e quieta sobre uma maca colorida com a perna ainda lesionada.

Não chorava mais, devido ao efeito da injeção para dor. Quando nos viu, a garotinha abriu um sorriso enorme com os olhos brilhando. Cheguei a pensar que nem iria se lembrar de mim, mas me enganei.

Maria Clara: Mamãe... Arthú! — sorriu mais ao meu ver, esticou a mão em nossa direção e fiquei pensando onde a pequena havia aprendido o meu nome.

CARLA

Como ela sabia o nome dele? Porque ela o chamou para sentar ao lado dela quando o médico colocou sua perna no lugar? O que Maria Clara via nele?

Arthur: Já quebrei a perna antes. Sei como dói.

Parada no canto da sala eu observava os dois conversando. Ele sentado ao lado da cama numa cadeira e falando como se fosse um garoto também, ou um especialista em crianças.
Maria Clara estava linda apesar de pálida pela dor que sofreu o dia todo. Sua saia da escola ainda estava lá apesar de cortada na ponta para o gesso, que subia até sua coxa. Seu cabelo estava preso para trás, a franja também. Os olhos verdes pareciam cansados, xoxos, mas estava atenta em Arthur.

Maria Clara: E você ficou quanto tempo com o gesso? — encostou a cabeça na maca olhando-o com o rostinho lívido, interessada na pergunta. Cruzei os braços e apenas assisti o modo como ele sorriu.

Arthur: Não querendo te desanimar... Fiquei três meses com o meu gesso. A parte legal nisso tudo é que minha mãe fazia tudo o que eu queria. Levava as coisas na minha cama, comprava chocolate... — os dois riram juntos — Meus amigos assinavam no meu gesso. Tenho-o guardado até hoje com os nomes e os desenhos.

Maria Clara: Nossa, que maneiro! — ergueu os olhos para mim — Mamãe, os meus amigos vão poder assinar no meu gesso também?

Carla: claro Clarinha, todos eles poderão — assenti — Mas é melhor deixar isso para depois. Pelo que disseram você poderá ir para casa hoje.

Maria Clara: Ai que bom! Pensei que iria ter que ficar nesse lugar estranho! — pareceu aliviada — Vai com a gente Arthur?

Arthur: Não, não vou — Se ergueu e virou para que eu pudesse ver seu rosto também — O que tinha que fazer acabou por aqui. Fico feliz que esteja bem Maria Clara, espero que possa sair dessa rápido e sem traumas — esticou a mão e pegou a de Maria. Abaixou-se e beijou a mão pequena dela sorrindo.

Maria Clara: Ah Arthur, não vai embora... — pediu com carinha de pena, não soltando a mão dele — E se for... Vai lá em casa me ver! Ele pode, não pode mamãe?

Nós dois trocamos um olhar, Arthur e eu. Ficamos em silêncio um momento, apenas nos encarando profundamente. Pelo que percebi, dissemos em meio ao vácuo muita coisa. A prioridade ali era a Maria Clara... Para mim, e pelo que parecia, para ele também.

Carla: Pode ir, claro que pode — assenti e ele pareceu confuso, sem acreditar no que ouviu.

Maria Clara: Você vai Arthur? — insistiu. Olharam-me mais uma vez. Dois pares de olhos idênticos.

Arthur: Vou. Pode deixar que vou.

Maria Clara: Promete? — Ela usou seu melhor tom pidão.

Arthur: Prometo... — sorriu de um modo deslumbrante.

Tive até que virar a cara ignorando a guerra dentro de mim.
Sim, eu teria que fazer isso. Teria que passar por cima do meu orgulho e reconhecer tudo o que esse homem havia feito pela minha filha. A ambulância teria demorado; a essa hora ela provavelmente ainda estaria sofrendo, gritando... Arthur havia carregando-a por todo o caminho, havia sido o primeiro a tomar medidas para que não se machucasse mais, e estava a fazendo rir agora.

Droga!

Quando se despediu, saiu pela porta, olhei para Maria Clara e sussurrei um já volto. Atravessei o corredor correndo de salto e segurei seu braço.

Carla: Arthú! — ele se virou  no mesmo momento, me olhando atentamente.

Arthur: Sim?

Carla: Você começa amanhã — falei humildemente — Só leve seus documentos para a Thaís Braz e esteja no escritório as nove em ponto! Não gosto de atrasos...

Arthur: Não vou aceitar — sua resposta foi imediata — Quero ser contratado por minhas habilidades e não por algo que fiz para a poderosa — ironizou — Obrigado, mas a resposta é não — o encarei com certo olhar de desprezo e comecei a me virar.

Carla: A proposta estará de pé até amanhã, as nove. Se estiver lá, bom para você, se não estiver... Bom para mim — dei de ombros; pude ver um breve sorriso no canto de seus lábios, ele encarando o chão em seguida de modo desconcertado.

Arthur: Você se acha muito, não é querida? — piscou e saiu andando novamente, me dando as costas antes que eu o fizesse, me deixando parada no corredor.

Carla: E mais uma coisa... — falei alto enquanto ele andava — Obrigada. —  Por breves segundos ele parou em meio ao corredor ainda de costas; ficou no lugar, mas não se virou.

Depois saiu andando novamente e não olhou para trás... E eu? Prossegui parada no corredor, contemplando a primeira pessoa para quem dirigia a palavra obrigada.

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