[ 14 de janeiro, sábado ]
Eu e os caras resolvemos sair para tomar uma cerveja depois do trabalho, então aproveito para trazer a questão dos ingressos para a mesa. Ainda não me decidi quanto ao que farei e Ariane está obviamente chateada comigo, apesar de dizer que não está. Ela jura que pode me enganar, que sou um tapado. Não estou tentando chateá-la, é claro, mas caralho!
— Então, o que acham? — pergunto quando termino de contar a história.
— Acho que é bobeira dar fim nos ingressos — Jake diz e dá um gole na cerveja. — E daí que o presente veio desse fulano? É algo que sua garota realmente quer, então deixe ela aproveitar. Você pode até se dar bem nessa.
— Como?
— Deixe sua esposa feliz e ela deixará você feliz em troca, é simples.
— Não é nada simples — Keith intervém. — Se o meu Leigh aceitasse algo de uma pessoa que tentou nos fazer mal, eu ficaria puto. O certo é isolar esse Nathaniel, fingir que ele não existe.
— O cara aprontou uma das boas, ele estava devendo uma — Mark aponta. — Não faz sentido recusar o presente, principalmente algo importante assim para ela. Além do mais, Castiel, você está se esquecendo de que a Ariane está grávida. Sabe o quão difícil será conseguir ir a eventos assim depois que a criança nascer? Deixe ela curtir enquanto ainda não há nenhum obstáculo.
— Sem contar que pode ser uma ótima chance de ela conseguir encontrar uma porta de entrada para a profissão que quer exercer — Jake prossegue. — Ariane pode conseguir um estágio, um emprego ou sei lá. Não quer atrapalhar o futuro dela por birra, quer?
— Essa feira rola na Europa todo ano, não é como se essa fosse a única oportunidade. A Crowstorm está decolando, um dia faremos shows por lá e a levaremos junto.
— Sabe quanto tempo isso pode levar? A garota tem chance de ir à feira esse ano, e só gastará com passagem e hospedagem. E são dois ingressos, cara, não seja burro! Vocês podem ir juntos.
— Aceitar o presente não significa que precisam perdoar o Nathaniel também. Use a cabeça, Castiel.
— Ainda acho que não deviam aceitar — Keith persiste. — A Ari é incrível, ela vai chegar longe de uma forma ou de outra.
— Está sendo egoísta, Keith — Jake acusa. — Egoísta e rancoroso, parece até que tem um véu sobre seus olhos. Pense na Ariane, a qual você alega ser sua super amiga querida. Talvez ir à feira não dê em nada, mas talvez seja o início de uma carreira de sucesso.
Eles continuam a discutir, mas já ouvi o suficiente.
Quando chego em casa, mais ou menos uma hora depois, Ariane está no sofá. Ela parece perdida em pensamentos, com os pés sobre o assento e beliscando o lábio inferior; os olhos fixos no outro sofá de dois lugares em sua frente. Franzo as sobrancelhas e me aproximo devagar.
— Greene? — chamo e não obtenho resposta. — Greene, está me ouvindo...? — ainda nada. Me sento ao seu lado. — Está me ignorando de propósito? Porque é uma atitude infantil.
Ariane vira a cabeça em minha direção. De repente, ela me abraça com força e desata a chorar no meu ombro. Sou pego totalmente de surpresa e de preocupação, e a abraço de volta.
— Amor, o que aconteceu? Por que está chorando? O que houve?
Ela balança a cabeça e continua a chorar; seu corpo treme com os soluços ocasionais. Acaricio suas costas e permito que ela chore até se acalmar, sem me importar com o fato de que minha camiseta está ficando molhada. Ariane quebra o abraço depois de vários minutos, enxugando o rosto com as mãos. Seus olhos e nariz estão vermelhos e, apesar de odiar vê-la nesse estado, é adorável. Eu não uso muito esse adjetivo para me referir a ninguém, exceto a ela.
— O que aconteceu? — pergunto o mais gentilmente possível.
— Eu fui ao médico hoje, fazer meu segundo ultrassom.
— Por que não me avisou? Sei que estamos meio brigados, mas o bebê não tem nada a ver com isso.
Ariane balança a cabeça.
— Não vamos ter um bebê, Castiel.
Meu sangue gela, meu coração quase para e tenho certeza que fico pálido como papel.
— Como assim, não vamos ter um bebê? O que aconteceu? Foi alarme falo ou, ou... teve um aborto espontâneo?
Ela balança a cabeça outra vez, voltando a chorar.
— Não, você não entendeu — diz, fungando. — Não vamos ter um bebê, vamos ter três.
Minha cabeça roda por um instante.
— Três?!
Ariane confirma com a cabeça. Passo a mão no cabelo, atônito demais para falar qualquer coisa, e me escoro no encosto do sofá. Minha mente entra em curto circuito, e sinto como se meus sentidos tivessem ficado dormentes. Minha vontade é pirar, gritar, rir histericamente, mas não posso. Preciso parecer forte pela minha mulher. Endireito a postura e seco o rosto dela com os polegares.
— Está tudo bem, Greene, vai ficar tudo bem — afirmo. — Uma pergunta: esse choro é de tristeza?
— Não — funga. — Não, eu só estou um pouco abalada. É difícil não ficar super surpresa e preocupada depois de descobrir que vou dar a luz à três bebês, e não a apenas um.
— Nem me fale — esfrego seu braço afetuosamente e beijo sua têmpora. — Vai ser bem mais complicado, mas daremos conta. Temos um ao outro, aos nossos pais e amigos. Vai ficar tudo bem.
— Está de boa com isso?
— Estarei de boa com qualquer coisa, desde que tenha você.
Ariane sorri levemente e se inclina em minha direção. A envolvo com um braço.
— Acho que ficaria completamente louca, se você não estivesse comigo — confessa baixinho. — Me sinto protegida.
— Ora, eu sou seu cavaleiro de armadura reluzente.
— Você é meu Shrek — ela ri.
— Faz sentido. Vamos ter trigêmeos, como ele e a Fiona.
— Então, que bom que não somos o burro e a dragão.
É minha vez de rir. É, vai ficar tudo bem.
— Estive pensando sobre os ingressos, Greene, e você pode ficar com eles.
Ariane endireita a postura para me olhar.
— Mesmo? Não se incomoda?
— Não. Percebi que estava sendo idiota. Você merece curtir as coisas que gosta, antes de as crianças nascerem. Merece curtir depois também, mas será mais fácil antes.
— Obrigada — ela beija minha bochecha. — E você vai comigo, não é?
— Claro que sim, e será tudo por minha conta. Vou guardar uma grana para a viagem desde já.
Ariane sorri outra vez e volta a se aconchegar contra mim, agradecendo. Beijo sua cabeça. Quem eu quero enganar? Eu daria comida na boca do Nathaniel se isso fosse deixá-la feliz.