[ 25 de outubro, terça-feira ]
Às vezes, quando os horários das nossas aulas coincidem, eu dou uma carona para o Nate até o campus. Como agora, por exemplo. Fiz o turno da manhã no Hummingbird, nós almoçamos juntos e agora ele está brincando com meu rádio, passando por várias estações sem nunca escolher uma. É meio irritante, mas não tanto quanto seu pé apoiado no painel, principalmente porque ele está usando coturno. Acho que o outono é a estação da camisa xadrez para o Nate; hoje ele está usando uma verde por cima de uma camiseta preta de mangas compridas.
— Pode abaixar o pezinho, por favor? — peço gentilmente sem tirar os olhos da estrada.
— As botas são novas — ele responde, como se isso mudasse alguma coisa, e toma um gole do copo enorme de Coca-Cola em sua mão através do canudo.
— Mas já entraram em contato com o chão e posso levar uma multa se algum policial nos ver, então... Se não me obedecer, vou vetar as caronas.
— Sim, senhora — ele bufa e tira o pé do painel.
— Por que seus pais te deram um apartamento, mas não deram um veículo?
— Não sei, provavelmente para eu não ter como voltar para a casa deles.
O olho de relance, encontrando um sorriso irônico em seu rosto.
— Fico preocupada quando você diz coisas assim — declaro, parando atrás de um carro azul no semáforo. — Devo acreditar que seus pais são tão ruins?
Nathaniel dá de ombros, parecendo impaciente e incomodado, e demora um pouco para retribuir meu olhar.
— Se minha palavra não basta, talvez você queira dar uma espiadinha debaixo da minha camisa.
Reviro os olhos.
— Pensei que tivesse parado com as cantadas.
— Não estou te cantando, lindinha. Eu não falaria dos meus pais se estivesse tentando conseguir um boquete no carro. Vai por mim, isso não funciona. Não, pensando bem, funcionou uma vez. A guria ficou com pena de mim.
— Então, se finge de macho oprimido para conseguir sexo por pena? Que baixaria — balanço a cabeça, arrancando com o carro quando o sinal abre.
— Não me finjo de nada, minhas histórias são verdadeiras. Normalmente só fico feliz em poder conversar com alguém.
— E o que isso tem a ver com espiar sob sua camisa?
— Você vai ver.
Não digo nada. Não sei como ele espera que eu acredite que não está exagerando no que diz respeito aos seus pais quando acabou de me contar que conseguiu sexo oral por piedade. Francamente. Nathaniel roda mais um pouco pelas estações e finalmente escolhe uma. Não conversamos mais até chegar ao campus, mas ele cantarola junto com algumas músicas.
Assim que estaciono e saímos do carro, Nate agarra meu pulso e começa a me arrastar para algum lugar.
— Ei, o que está fazendo?! — tento me libertar.
— Vou te provar que estou falando sério.
— Você é doido, solta o meu braço!
Nathaniel para de andar e se volta para mim.
— Vai vir comigo se eu te soltar?
— Isso não é um truque, é? — pergunto desconfiadamente.
— Não — ele abre um sorriso convencido. — Eu não sou do tipo que faz joguinhos. Não preciso disso.
— Tá... Tudo bem.
Nós andamos lado a lado e em silêncio. Não tem muita gente estudando ou matando tempo nos gramados porque o céu está embaçado e o ar, gelado. Sigo o Nathaniel para dentro do prédio da biblioteca. O lugar é enorme, com três andares — um verdadeiro paraíso, porém seria bem melhor se a maior parte dos livros não fossem didáticos. Não tem muita gente, como sempre, e o terceiro andar está deserto.
— O que diabos está aprontando? — pergunto enquanto nos dirigimos ao canto mais afastado. — Se ousar tentar qualquer coisa, eu te atiro pela grade.
— Tsc. É por isso que foi presa.
— Eu não fui presa — protesto. — Não devia ter te contado essa história. Por que estamos aqui?
— Porque eu precisava de um lugar privado e não achei que seria de bom tom te levar pro banheiro masculino — ele explica, voltando-se para mim quando finalmente paramos de andar. — Aqui está bom.
— Para quê?
Nathaniel começa a tirar a camisa xadrez, mantendo contato visual. Dou um passo atrás, mais desconfiada do que nunca.
— Relaxa, tá legal? — ele pede. — Pode segurar isso pra mim?
Pego a camisa. Nate segura a barra da camiseta preta e a tira pela cabeça, então se vira. Perco o ar por um instante. Suas costas estão cobertas de marcas; cicatrizes compridas, algumas esbranquiçadas e outras, rosadas. Ele vira a cabeça.
— Acredita em mim agora?
— Eu... Isso... Foram seus pais?
— Meu pai, sim — ele responde amargamente, virando-se de frente novamente. — Minha mãe nunca encostou em mim, mas também nunca tentou impedir o marido. Francamente, ela não demonstrava a menor compaixão.
— Por que seu pai fez isso com você?
— Porque eu era o maldito bode expiatório daquela família. Tudo era culpa minha, mesmo que eu não estivesse envolvido.
— Isso é horrível! Por que não fez uma denúncia?
— Porque prometi que não faria nenhuma queixa se eles me ajudassem a me mudar. O apartamento vai passar para o meu nome quando eu fizer vinte e um e pronto, não vamos mais cruzar o caminho uns dos outros.
Não sei o que dizer. Tudo isso é tão horrível! Não consigo imaginar tudo o que o Nate passou, sendo agredido tão cruelmente pelas pessoas que deveriam protegê-lo. Não posso imaginar como deve ser querer ficar longe da família para sempre. Sou guiada pelas emoções quando avanço para abraçá-lo. Tenho que ficar na ponta dos pés para conseguir envolver seu pescoço.
— Eu sinto muito, Nate — digo baixinho. — Sinto muito mesmo.
Nathaniel me afasta delicadamente pela cintura.
— Sente pelo que? Você não tem culpa de nada — ele diz suavemente.
— Mesmo assim. Você não merecia passar por isso.
— Talvez não, mas já acabou. Estou bem. Vou ficar bem.
— Tem certeza?
— Tenho. Vamos, não me olhe assim. Não quero que tenha pena de mim, Ariane — ele tira as mãos de mim e começa a vestir a camiseta outra vez.
Tinha me esquecido de que ele estava me tocando e de que estava semi despido. Desvio os olhos e só volto a olhá-lo quando todas as roupas estão no lugar, mas não consigo tirar as cicatrizes da cabeça.
— Ainda está com pena — Nathaniel acusa.
— Não, eu só estou... chocada. Posso fazer algo por você?
— Agora não, mas te deixo me pagar um café mais tarde.
— Estou falando sério, Nathaniel.
— Eu também — ele sorri. — Eu juro que estou legal, ok? Sério.
— Mas vai me procurar se precisar de algo, certo? — insisto. — Mesmo que seja só para desabafar.
Nathaniel apóia uma mão na lateral do meu rosto e se curva um pouco, passando o polegar pela minha bochecha.
— Eu prometo, está bem? — garante e se afasta. — Anda, hora de estudar.