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[ 25 de julho, sábado ]



  — Pode me dizer por que tem feito amor comigo como se fosse a última vez? — pergunto, ainda recuperando o fôlego, enquanto me ajeito sobre o lençol.

  É verão, está quente, não vou fingir recato e me cobrir. Gosto de sentir a brisa fresca, que entra pela janela aberta, bater em cada centímetro do meu corpo. Leigh, por outro lado, como o retrato da pureza que é, se cobre da cintura para baixo.

  — O que quer dizer? — ele me estende um lenço umedecido para limpar o abdômen.

  — Quero dizer que todos os momentos que passamos juntos parecem despedidas, e não estou gostando nem um pouco disso.

  Não sou idiota. Sei que nada voltou ao normal depois do fatídico catorze de junho, por mais que ele tente fazer parecer que sim. Leigh tem sido ainda mais atencioso, e fica me olhando quando acha que estou distraído. Também me olha nos olhos com uma intensidade estranha. Não sei o que está rolando; é como se ele soubesse de algo que não sei. Como se eu estivesse com os dias contados e ele quisesse aproveitar cada minuto, antes de eu partir.

  — Eu... não sei o que dizer.

  — Seja honesto, Leigh — me deito de lado. — Eu queria muito que as coisas voltassem ao que eram antes, mas não assim. Tem algo errado. Acha que não noto seus olhos vermelhos, às vezes? O que está rolando?

  Leigh suspira, encarando o teto. Seus dedos estão inquietos.

  — Podemos não ter essa conversa?

  — Não. Deixei que isso acontecesse por duas semanas, agora chega. Quero que me fale o que está pensando, por que está agindo estranho.

  — Não quero falar sobre isso, Keith — seu tom é um tanto ríspido.

  Me sento no meio da cama, irritado.

  — Eu tenho a merda do direito de saber. Estou nesse relacionamento também, sabia?

  — Aceite que, uma vez na vida, as coisas não serão do seu jeito.

  Leigh empurra o lençol e se levanta.

  — Se é por causa do casamento, você está sendo insensível — acuso, vendo-o vestir a cueca. — Não estou pronto pra assumir esse compromisso, droga, não é culpa minha. Se me ama tanto quanto diz, deveria tentar entender.

  — Insensível? Está brincando com a porra da minha cara? — ele grita e fico assustado, porque Leigh nunca grita e nunca fala palavrões. — Você fala na minha cara que se imagina casado com um mulher e não sei o que mais, e eu sou insensível?! E depois de me rejeitar.

  — Não foi o que eu quis dizer!

  — Foi o que você disse — Leigh solta um riso histérico. — Meu Deus, Keith, eu nunca amei tanto alguém quanto te amo. Eu queria passar o resto da vida com você, aí descubro que você pretendia terminar comigo em algum momento. Sempre estivemos com os dias contados? Tem alguma ideia da dimensão do sofrimento que tenho sentido nas últimas semanas? Se quer saber, pensei em terminar esse relacionamento há dias, mas não pude. Não posso. Por mais que cada maldito segundo parta meu coração ainda mais, quero estar contigo o máximo que puder.

  Ele faz uma pausa. Nos encaramos em silêncio, ambos com lágrimas escorrendo pelo rosto.

  — Você é o amor da minha vida, Keith, e levará meu coração quando for embora. Tente não maltratá-lo demais.

  Não sou capaz de falar nada enquanto Leigh entra no banheiro e tranca a porta. Um soluço escapa por meus lábios. Me visto e saio do quarto. Quando bato à porta um pouco abaixo no corredor, é o Castiel que abre.

  — Eu ouvi — diz. — Não tudo, mas ouvi. Não acredito que ele disse um palavrão de verdade.

  Ele não me afasta quando o abraço.

                   

                                     •


  Já é madrugada quando volto para o quarto. Passei as últimas horas com o Castiel, a Ari e os trigêmeos. Eles sacaram que eu não queria conversar sobre o ocorrido sem que eu precisasse dizer, então só me fizeram companhia. É difícil não se sentir um pouco melhor com aqueles bebês fofuchos na sua frente.

  Pensei que Leigh estaria dormindo, mas não. Ele se levanta do tapete, onde estava sentado com as costas escoradas no baú aos pés da cama, assim que me vê. O observo parado ali, no meio do quarto, parecendo miserável, e sinto vontade de bater em mim mesmo por fazê-lo pensar que não o amo pra caralho. E por fazê-lo chorar. Eu não queria ser a causa da tristeza dele — não quando ele sempre faz tudo o que pode para me agradar, mesmo achando que vou largá-lo.

  Respiro fundo e avanço em sua direção, não o deixando dizer nada antes de tomar seus lábios nos meus. O beijo com vontade, enterrando os dedos em seu cabelo macio. Leigh leva alguns segundos para me tocar, mas me segura como se nunca mais quisesse me soltar.

  — Não termine comigo — peço baixinho. — Eu não quero terminar com você.

  — Keith...

  — Me escuta — cubro sua boca gentilmente. — Você também é o amor da minha vida. Quero me casar com você, Leigh, não com uma mulher que nem conheço. Só acho que devemos esperar um pouco mais.

  — Então... Não pretende me deixar?

  — Nunca pretendi. Não sou tão louco assim — garanto com uma risadinha. — Não seria capaz de encontrar alguém tão bom quanto você. Como é aquela citação? Eu te amo como o fogo de mil sóis.

  Leigh solta uma exclamação aliviada e me abraça, enterrando o rosto na curva do meu pescoço.

  — Não sabe como isso me deixa feliz — diz contra a minha pele. — Sinto que um pé invisível finalmente deixou de pisar em meu peito, e posso respirar outra vez.

  — Viu? Onde encontraria outra pessoa que fala assim?

  — Sabe que poderia encontrar uma mulher incrível aqui ou em qualquer outra parte do mundo, principalmente com sua recente popularidade que só aumenta.

  — A única coisa que eu sei é que é contigo que quero ficar, ok? Me desculpe se te fiz pensar o contrário — seguro suas mãos, que são maiores que as minhas. — Quando falei que me imaginava casado com uma mulher, quis dizer que imaginava isso antes de te conhecer.

  — É bom ouvir isso. Pensei que estivesse comigo só para passar o tempo, até encontrar alguém que realmente te satisfaça.

  — Leigh, Leigh — estalo a língua, balançando a cabeça. — Pra alguém tão inteligente, você é bem burrinho. Por que aceitaria viver contigo se encarasse nossa relação como passatempo?

  Ele encolhe os ombros.

  — Me desculpe por ter gritado mais cedo, e pelo palavreado de baixo calão.

  Rio. Palavreado de baixo calão — ele é tão fofo. Abraço ele, deitando a cabeça em seu peito e inalando o cheiro gostoso de amaciante do seu pijama.

  — Por favor, não vamos brigar nunca mais — imploro. — Não gostei dessa experiência. Apenas discussões normais de casal, de agora em diante.

  — Parece ótimo para mim.

  — Oh, graças a Deus, vocês se resolveram! — ouço a Ari exclamar, então sinto seus braços envolverem nós dois. — Estou tão feliz! Tive medo que terminassem.

  — O que faz acordada? — viro a cabeça para olhá-la. — Estava dormindo quando saí do quarto.

  — Tenho três filhos, Keith. Eu não durmo. Vim conferir a situação.

  Rio baixo; ela também é fofa. Leigh e eu a incluímos no abraço.

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