[ 29 de março, domingo ]
Abaixo o vidro e deixo o ar puro entrar, jogando meu cabelo para trás e batendo em meus olhos fechados. Respiro fundo. Ainda não estamos no interior, mas a barulheira da cidade já ficou para trás — exceto por um veículo ou outro que passa por nós em alta velocidade. Leigh aumenta o rádio, deixando a voz de Thom Yorke mais clara. Creep; meio triste, meio romântica, e estranhamente apropriada para uma viagem tranquila.
— Eu gosto disso — Leigh diz, de repente, chamando minha atenção. Ele sorri. — Digo, de te ver curtindo a viagem.
— Curtindo? — arqueio as sobrancelhas.
— Apreciando — revira os olhos de modo brincalhão. — Entende, tão relaxado e com os cabelos ao vento. Me enche de leveza. Gostaria de registrar em uma tela, com tinta a óleo.
— Por que faria isso, se pode curtir a vista ao vivo e em cores? — abro um sorriso convencido. — Mas é fofo. Não acho que alguém já tenha sentido vontade de me pintar.
— Ainda. Espere até os fãs começarem a fazer arte. Vão te desenhar sem camisa, cada sarda em seus ombros — suspira. — Não posso proteger as sardas do seu rosto, mas gostaria de manter as dos ombros só para mim. São como estrelas de um universo particular. Talvez você não saiba, mas tem até uma em formato de coração. Não queria que mais ninguém a descobrisse.
Levanto as sobrancelhas, um tanto quanto impressionado.
— Eu sei que visitar a fazenda te deixa emotivo, mas isso está chegando a outro nível. Não sabia que tinha tanto apego emocional pelas minhas sardas, eu nem sou fã delas.
— Sempre fui explícito com minha afeição.
Leigh diminui a velocidade quando nos aproximamos de um posto de pedágio.
— Sim, mas...
O homem na cabine cobra cinco pratas. É a merda de uma viagem de duas horas, não devia ter pedágio. Não no meu mundo perfeito, pelo menos.
— Desculpe — ele retoma a conversa conforme nos afastamos. — Tem razão. Por mais que façamos essa viagem todo domingo, sempre fico meio emotivo. O falecimento do meu pai ainda me afeta. Acho que não expressei o suficiente o quanto eu apreciava tudo sobre ele, e não quero cometer esse erro com você.
Deslizo a mão por sua coxa coberta por uma calça caqui.
— Essa calça é estranhamente hétero demais para um homem bissexual — comento, fazendo-o rir. — Não vou deixar que ninguém veja.
— O que? — ele me lança um olhar breve. — Minha calça hétero demais?
— Não, a sarda de coração — lhe dou um peteleco. — Será uma coisa nossa. Bom, sua, já que eu nem sabia da existência dela. Onde fica, aliás?
— Entre as escápulas.
— Isso não é o nome de uma nação romana?
— Não, lindinho. Fica bem... — ele solta uma mão do volante e cutuca um ponto em minhas costas. — Aqui. Não é muito visível.
— E como conseguiu encontrá-la?
— Eu presto atenção em cada detalhe seu.
— Tudo bem. Vai ser fácil esconder uma sarda pequena entre minhas espátulas.
— Escápulas.
— É, isso — subo um pouco a janela e abaixo o rádio. — Vou proteger sua constelação particular tanto quanto conseguir, ok? Acho que entendo o sentimento. Sinto que me perco num universo totalmente novo sempre que olho em seus olhos. Também não quero compartilhar isso, tanto que ameacei o Castiel quando ele disse que te beijaria.