O primeiro dia no novo lar

91 19 5
                                    

Ao finalizar as compras, Caivan retornou para casa, deixou as coisas que adquiriu e partiu para o quartel do exército, deixando Aisha e Lina novamente sozinhas. Curiosa, Aisha logo a questionou:

- O que você tem a dizer sobre o nosso marido?

- Ele é um homem muito bom Aisha. Hoje, posso dizer que devo a minha vida a Caivan.

- Como assim? Porque diz isso com tanta intensidade.

- Eu sinto muito Aisha, mas não recebi autorização do meu marido para compartilhar com você informações sobre o meu passado. Não posso falar sobre ele até que o meu marido me autorize. Respondeu Lina de forma acanhada.

- Me desculpe Lina. Eu não sabia disso. Respondeu Aisha sentindo um certo incomodo, por ter aparentado ser invasiva demais.

Diante daquela resposta, Aisha ficou ainda mais sem saber o que poderia conversar com Lina e o clima naquele local ficou gélido, sem que nenhuma soubesse o que dizer para a outra. Aisha não sabia o que perguntar para ela que não soasse invasivo e Lina estava preocupada de ter sido muito direta em sua resposta.

Depois de algum tempo, Aisha disse a ela o que pretendia fazer de almoço e Lina concordou, a ajudando a cortar algumas folhas. O semblante de Lina era de uma certa melancolia e Aisha não entendia porque. Lina parecia passar um certo sofrimento em suas feições. Mas, Aisha não sabia como poderia descobrir o que estava a afligir aquela jovem, especialmente depois da resposta direta que recebeu.

Foi então que ela tentou entrar no assunto mais uma vez:

- Eu conheci a França e achei lá um país lindo. Paris é muito bonito!

- Sim, o meu país é mesmo muito belo. Eu tenho um orgulho muito grande de ter nascido lá. Uma pena que acho que não valorizei muito as oportunidades que tive.

- Mas, porque você diz isso?

- Os meus pais eram meio fechados e não gostavam muito que eu saísse com os meus amigos. Acho que isso me impediu um pouco de aproveitar melhor a minha infância e adolescência no país.

- Entendo. Eu sou Afegã.

- Caivan me contou durante essa noite que te conheceu em uma das cidades que ele viveu na infância. Ele era apaixonado por você Aisha e continua. Você é realmente muito bonita. Agora entendo porque ele fala tão bem de você.

Aisha fica surpresa com a fala tão positiva de Lina, quando responde de forma carinhosa:

- Você também é muito bonita Lina. Eu fiquei impressionada quando te vi hoje pela manhã.

- Obrigada Aisha. Podemos dizer que o nosso esposo é um homem de sorte.

- Não tenho dúvida nenhuma disso. Respondeu Aisha com um semblante mais descontraído.

Elas continuaram a conversar por mais algum tempo, sobre assuntos da cultura da Síria. Foi o caminho que Lina escolheu para não entrar em detalhes sobre o seu passado e presente, sem antes ter autorização do marido para isso. Aisha, com uma sensibilidade enorme, entendeu os objetivos daquela jovem e tentou não ser invasiva, queria conquistar primeiro a confiança dela, antes de poder entrar em assuntos que poderiam ser delicados. Mas, a partir daqueles primeiros diálogos, uma gostou muito da outra.

Ao encontrar com uma menina tão jovem e já casada, Aisha se lembrou quando se casou com Osnin e o quanto foi estranho para ela aquela união. Ela sentiu compaixão por Lina por estar em uma situação muito parecida e depois de ver o quanto ela era agradável, colocou em mente que faria de tudo para ajudar aquela jovem a se sentir melhor em sua cultura, que faria totalmente o contrário do que Marian e Parisa haviam feito com ela, quando jovem e sem experiência. Aisha se lembrava de que foi por muitas vezes sabotada por elas para que o seu marido pudesse se tornar um homem tão hostil durante o seu primeiro casamento.

Na Inglaterra, depois de uma longa conversa com a esposa, lhe contando detalhes da situação que passou no Afeganistão, Johnson foi dormir um pouco. No dia seguinte ele tinha pretensão de se encontrar com amigos militares pedindo ajuda para tentar obter informações sobre o paradeiro de Aisha na Síria.

Johnson tinha como estratégia buscar informações sobre Caivan. Como já sabia que ele era uma pessoa importante do exército do Estado Islâmico na Síria, imaginava que os serviços de inteligência ocidentais teriam alguma informação sobre onde ele atuou. Uma vez que tivesse informações sobre o paradeiro dele, acreditava que não seria difícil encontrar a sua filha.

Em Ar-Raqqua, Caivan pediu um tempo para os militares antes de fazer novas viagens. Ele disse que precisava de, pelo menos, umas duas semanas, para que pudesse partir, pois havia acabado de se casar e precisava deixar as coisas estáveis para as suas esposas, antes de ir para os frontes de guerra.

Os militares daquele grupo não colocaram objeções quanto a isso. Depois de longas reuniões para saber como estavam as questões militares do grupo, Caivan retornou para casa e encontrou as esposas a trabalhar de forma conjunta para finalizar o almoço. Ele ficou feliz ao encontrá-las daquela forma. Caivan sabia que a sua primeira esposa era alguém muito especial e Aisha na visão dele, dispensava comentários. Ele imaginava desde o começo que as duas iriam viver de forma harmônica.

Durante o almoço o clima naquela casa já estava melhor. Aisha não questionou nada para Caivan sobre o que ele havia feito naquele dia, pois imaginava que aquilo poderia ser invasivo. Tudo que ela fazia, tinha como parâmetros o primeiro casamento que teve com Osnin. Ela tentava rememorar como era o seu comportamento naquela época para não cometer equívocos no seu casamento atual.

O problema é que o seu primeiro casamento havia ocorrido há mais de 16 anos e se lembrar do que era permitido naquela cultura não era algo tão simples, depois de ter convivido tantos anos no Ocidente, onde as relações familiares eram totalmente diferentes e muito mais liberais.

Após o almoço Caivan foi descansar um pouco, antes de retornar para o trabalho. Nesse tempo Lina também foi descansar, enquanto Aisha foi para o seu quarto para ler um pouco, alguns livros que encontrou na casa do esposo. Fazia muito tempo que não lia e ela estava com uma saudade enorme da leitura. Certamente essa era uma das coisas que ela pediria para Caivan quando eles estivessem a sós, a compra de livros para que ela pudesse ler nos tempos livres. Aisha adorava ler e sem internet e com uma televisão muito controlada, teria que buscar outras alternativas de lazer, pois sair também não era uma opção bem-vinda para mulheres sem companhia naquela cultura.

Aos poucos ela teria que ir acostumando com essa nova vida, totalmente diferente da que vivia na Inglaterra. Não havia saída, era adaptar ou adaptar. Aisha tentava colocar isso na sua cabeça para que aquela transição cultural a gastasse menor energia e a causasse o menor sofrimento possível. Na sua concepção, pensar assim, a faria viver melhor naquele contexto.

Casamento forçado e abusivo IIIOnde histórias criam vida. Descubra agora