Os meses seguintes

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Sempre que possível Aisha conversava muito com Nádia sobre o seu passado e as dificuldades que vivenciou em sua vida. Aquela adolescente, mais confiante, também lhe dava mais detalhes de como estava passando pelas mudanças que a vida lhe trouxe ao ser obrigada a mudar de cultura, viver com um povo muito diferente do seu e em um regime de escravidão muito pesado, antes de ser libertada.

Nessas conversas Aisha se abria quanto a suas experiências ruins da infância, bem como sobre o seu primeiro casamento, para ela as fases mais difíceis de sua vida e Nádia se viu também na história de Aisha, aumentando o sentimento de empatia existente naquela relação.

Com aquele tempo vivendo juntas, as três mulheres daquela casa estavam construindo uma grande amizade. Nádia cuidava de Mohamed com um carinho impressionante e isso alegrava muito Lina, a deixando mais tranquila para fazer outras atividades e descansar um pouco mais.

Nazdan conseguia fazer as compras o que diminuía bastante a tensão naquela casa quanto a necessidade daquelas mulheres saírem, o que era um verdadeiro terror alguns meses antes, especialmente diante das perseguições de Omar.

Aisha constatou que a sua barriga estava crescendo e que seu corpo estava mudando chegando a conclusão junto a Lina que estava mesmo grávida. Ela estava se sentindo muito feliz e realizada diante daquela situação. Enquanto tudo isso acontecia e o tempo passava a barriga de Lina ficava cada vez maior e a proximidade do nascimento do seu segundo filho se tornava visível.

Tudo estava caminhando muito bem naquela casa e diante daquela nova realidade. Aisha e Lina nunca haviam se sentido tão bem desde que começaram a morar juntas naquele ambiente. A grande preocupação de ambas era não ter nenhuma notícia de Caivan no campo de batalha. Já haviam passado dois meses que ele estava fora e nenhuma notícia havia chegado. Essa situação as traziam uma angustia cada vez maior a medida que o tempo ia passando.

No decorrer desse período quem melhorou e retornou ao posto de trabalho foi Omar. Ele estava com sangue nos olhos querendo vingança contra aquela família que havia o afrontado de forma nunca vista antes. Já nos primeiros dias de trabalho ele buscou informações de como as mulheres daquela família estavam a viver sem a presença de Caivan e foi informado que havia um novo morador na casa a frente do lote, que eles ainda não sabiam de quem se tratava, mas que esse homem estava a cuidar daquelas mulheres e a realizar as compras para a família.

Ao saber desse fato Omar ficou furioso com a afronta de Caivan as regras do regime. Omar estava tão obcecado em se vingar da violência que sofreu, que decidiu não colocar implantes ou qualquer coisa que pudesse esconder os três dentes que havia perdido na agressão realizada por Caivan. Como eram dentes localizados na frente, essa falta era logo percebida por todos. Mesmo com conselhos da família para que ele adequasse aquela situação e colocasse os implantes, ele disse aos seus parentes mais próximos que se olhar no espelho daquela forma o lembraria que ele precisaria tomar medidas contra Caivan, fazendo com que ele jamais esquecesse que deveria o fazer pagar pelo que fez. Que o seu implante só seria colocado quando a sua vingança contra Caivan fosse realizada.

E a sua primeira ação foi realizada a poucos dias do seu retorno ao posto. Enquanto Nazdan saiu para comprar alguns mantimentos, Omar fez questão de o seguir e parar o seu carro para fazer uma averiguação.

O pobre Nazdan ficou muito apreensivo ao ser abordado, ficando ainda mais preocupado quando foi levado até a delegacia. Ao chegar na sala de Omar, aquele senhor começou a interrogá-lo, mas de forma cordial:

- Quem é o senhor?

- Eu sou Nazdan, um trabalhador do senhor Caivan.

- De onde o senhor veio?

- Vim do norte do Iraque senhor. Não fiz nada de errado e nunca atuei contra o regime. Eu respeito muito as regras que os senhores propõe. E as seguirei sempre.

- A que povo o senhor pertence?

Nazdan se preocupou ao receber esse questionamento. Se conto para ele que sou Yazidi ele vai saber que sou escravizado. Mas, se não conto e ele souber depois, pode ser ainda pior. O grande problema é que não sei se um Yazidi está autorizado a andar só nessa cidade, ainda mais de carro. Acho melhor ocultar de alguma forma essa informação.

- Sou da região de Mossul senhor.

- E o que veio fazer aqui senhor Nazdan?

- O senhor Caivan me fez uma ótima proposta de emprego e resolvi vir morar com ele.

- Tem família senhor?

- Tenho uma filha. A minha esposa infelizmente faleceu durante a guerra.

- Sua filha está aqui a morar com o senhor?

- Sim senhor.

- Acho que já está tudo esclarecido. O senhor pode pegar o seu carro e partir.

- Muito obrigado senhor. Diz Nazdan antes de sair daquela delegacia.

Ao chegar em casa, muito assustado, ele pediu para falar com Aisha e ela se preparou para recebê-lo. Depois de se arrumar para receber visitas masculinas, ela pediu que ele se sentasse e Nazdan começou a dizer o que havia ocorrido, quando depois de algum tempo Aisha interviu dizendo:

- Esse senhor tem perseguido a nossa família há algum tempo senhor Nazdan. O senhor chegou a dizer para ele que era um Yazidi?

- Não. Preferi não dizer isso a ele, pois não sabia se era permitido andar por essas ruas sendo de minha religião.

- Pois fez muito bem. O meu marido lhe deu documentos novos quando veio pra cá?

- Sim senhora, ele me deu documentos novos, o que não demonstra a minha origem. Fez o mesmo com a minha filha. Acho que ele pode descobrir, até mesmo por questão do nosso nome que não é muito comum, mas, preferi não dizer a ele sobre isso.

- Acho que foi melhor assim. Vou pedir para que você evite ao máximo sair enquanto o meu marido não retorna. Esse homem vai intensificar as perseguições enquanto Caivan estiver fora. Eles tiveram uma desavença muito forte da última vez que se encontraram e isso pode nos trazer consequências.

- Será da forma que a senhora diz.

Então eles continuam a conversar por mais alguns minutos quando em seguida Nazdan foi para a sua casa.

Imediatamente após finalizar aquela conversa, Aisha comenta para Lina as suas preocupações ao descobrir que Omar estava de volta ao seu posto:

- Estava tudo caminhando tão bem. Tudo em uma paz tão grande, agora vem novamente esse Omar para atormentar a nossa família.

- Acho que ele não vai parar Aisha. Ainda mais agora que Caivan o agrediu e o deixou naquela situação. Temos que nos proteger ao máximo desse homem. Ruim como ele é vai querer se vingar da nossa família. Não podemos ficar na reta dele.

- Você está certa, já recomendei a Nazdan para sair apenas no caso de necessidade extrema antes da chegada de Caivan. Espero que ele retorne rápido, pois estou morrendo de saudade e agora estou preocupada com a falta de notícias, além de saber que Omar está no nosso encalço.

- Tomara mesmo que ele retorne logo Aisha. Eu também estou com muitas saudades do nosso esposo e, além disso, temos que contar para ele a novidade né. Ele vai ser papai mais uma vez! Diz Lina com um sorriso no rosto, quando Aisha sorri também já com a sua barriga um pouco maior, após três meses de gravidez, balançando a sua cabeça em concordância com o que Lina havia dito.

Ela também estava ansiosa para ver a reação do marido ao saber que o seu grande sonho estava a ser realizado e que ele seria pai de um terceiro filho.

Casamento forçado e abusivo IIIOnde histórias criam vida. Descubra agora