A revolta de Caivan

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Perplexa, surpresa e também revoltada por aquele relato descrito por Caivan, Aisha o abraçou novamente e disse:

- Eu sinto muito que tenha passado por tudo isso Caivan. Deve ter sido horrível ver essa cena depois de tudo que já havia passado na vida.

- Novamente o sentimento de vingança tomou conta de mim Aisha. Tudo que eu queria era combater qualquer coisa que tivesse ligação ocidental. Todo aquele ensinamento pregado nas escolas talibãs, que nos levava a um ódio ao ocidente, transpareceu em minha mente de forma intensa. Eu faria qualquer coisa para me vingar da morte daquela família.

- Eu posso imaginar Caivan. Diz Aisha com um semblante demonstrando compreensão pela circunstância que ele estava a verbalizar.

- Procurei grupos de pessoas que lutavam pela resistência nessas terras e me disseram que estava a surgir um forte grupo de combate no Iraque. Foi quando resolvi partir para lá. Encontrei as pessoas que formavam o embrião do que viria a ser o Estado Islâmico. Logo comecei a lutar ao lado desse exército com ferocidade e muito ódio.

Os meus principais alvos eram os ocidentais. Quando matava algum militar desses países, considerados invasores, sempre dizia que havia feito isso em vingança por Nour, aquela jovem morta injustamente por aquele povo invasor.

- Eu matei muitos ocidentais Aisha. Fazia questão, quando estava no campo de batalha e os avistava, de persegui-los e não sossegava enquanto não os matava. Certamente eu teria matado o seu pai ocidental se tivesse o encontrado pelo caminho. Eu sinto muito por pensar assim naquele momento, mas o meu ódio era mais forte do que eu. Eu fiz muitas coisas horríveis, matei ocidentais rendidos. Não tinha piedade, assim como eles não tiveram quando mataram aquela família inteira.

Aisha fica sem palavras ao ouvir aquelas frases tão fortes. Ela não sabia muito bem como reagir e o que pensar. Não havia como confrontar Caivan por aquelas ideias antiocidentais, pois o que ele passou obviamente era algo muito traumático e revoltante. Era seu povo que estava morrendo também, refletia ela. Mesmo tendo um enorme carinho por ter sido recebida de braços abertos por uma família inglesa e por todo o povo daquele país, que havia a tratado sempre muito bem, ela sabia de suas origens e o quanto a dominação ocidental sempre foi prejudicial ao seu povo, causando muitas mortes, conflitos, sofrimento às famílias em meio a guerras intermináveis. Não havia como ocultar tudo isso. Então ela preferiu não dizer nada e esperar que Caivan continuasse o relato.

- Nos primeiros meses naquele grupo eu atuava de forma feroz nas invasões e matei muita gente Aisha, inclusive do nosso povo. Conforme a doutrina que aprendi na escola do Paquistão, se estava ao lado dos ocidentais, nosso inimigo era e, portanto, deveria ser morto. Logo, os militares do EI notaram a minha experiência e efetividade nos ataques e começaram a me promover. Eles me davam uma missão e eu com meu ódio aos que pensavam diferente, a cumpria. Rapidamente eu cheguei a um dos principais cargos de comando no campo de batalha e tinha contato com os principais membros do EI e um respeito enorme das tropas.

Aisha observava o relato de Caivan um pouco impressionada com o que ele estava a dizer. O seu esposo sempre pareceu tão pacífico que ela não imaginava que ele pudesse ter atuado de forma tão feroz em algum momento em sua vida e que havia matado tanta gente como diz. Mas, naquele instante ela preferiu não intervir e deixou ele continuar a relatar.

- Mas, quando fizermos um ataque em janeiro do ano passado no norte do Iraque, que havia um comandante acima de mim na hierarquia, que vi o que ele fez com os cristãos que moravam naquela região, a minha consciência voltou a pesar. Eles fizeram exatamente o que os talibãs haviam feito com a minha família, em uma escala gigantesca Aisha. Passaram de casa em casa e mataram muitos civis inocentes. Naquela noite e nas seguintes eu tive uma crise de consciência enorme. Indiretamente, por ter lutado ao lado do regime pela invasão daquela cidade, eu havia ajudado a matar muitos irmãos, com uma história muito parecida com a minha. Então eu repensei bastante as minhas ações e mudei a minha forma de agir.

Casamento forçado e abusivo IIIOnde histórias criam vida. Descubra agora