O passar dos dias

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Dois dias depois daquela ocorrência, Omar se controlou mais e decidiu que não agiria por impulso invadindo aquela casa. Mais ciente da sua decisão, ele voltou a fazer plantão na frente da casa daquelas mulheres agora por mais horas por dia, sem esconder de ninguém que estava ali.

As pessoas que sempre pediam ajuda para aquela família, por saber que elas eram muito generosas, eram questionadas por Aisha e Lina se havia um carro parado próximo a casa e diziam que sim e que o chefe de polícia estava naquele local o tempo inteiro o que deixava as duas ainda mais desesperadas.

- O que vamos fazer Lina? Omar não sai mais daqui da frente.

- Acho que tudo que podemos fazer é rezar e para que Caivan volte logo Aisha, eu não sei que milagre que ele ainda não veio nos levar presas. Será que ele está com medo de você reagir e o ferir?

- Penso que não. Com a força policial que ele tem a disposição, se quisesse ele nos prenderia sem termos nenhuma chance de defesa.

- Tomara que ele tenha decidido nos poupar, pelo menos por um tempo Aisha. Com o ódio que ele saiu daqui aquele dia, se nos pega, acho que ele nos mata.

- Omar é um senhor esperto e experiente Lina. Ele sabe que o que eu disse tem fundamento. Caivan mesmo distante ainda nos protege pela força e fama que ele tem. É um dos comandantes militares mais importantes desse regime. Não é qualquer pessoa. Omar não vai o afrontar nos prendendo assim. Temos que ter cuidado para não cometermos erros. Se ficarmos aqui quietinhas em casa, imagino que ele não vai fazer nada contra nós.

- Espero que você esteja certa Aisha.

A medida que as pessoas iam pedindo ajuda para aquela família e que generosamente elas iam fornecendo alimentos aos famintos, Omar se alegrava. Isso mesmo Aisha e Lina, doem bastante alimento para as suas vizinhas famintas. Quando acabar tudo vocês vão ter que sair e eu pego vocês de jeito! Pensava ele.

Com os dias passando aquela preocupação com a falta de alimentos foi se tornando mais intensa para as esposas de Caivan, mas muito generosas e com um estoque ainda razoável, elas continuavam a ajudar aquelas famílias vizinhas que só tinham elas como caminho para saírem daquela situação de extrema dificuldade.

Para aquele chefe de polícia a vingança deveria ser saboreada de forma duradoura. Ele sabia exatamente como aquelas mulheres estavam a se sentir vulneráveis perante aquela situação, pois a relação de poder existente naquele contexto estava imensamente favorável a ele.

Ao imaginar a situação de medo que aquelas mulheres estava a sentir, Omar abria um sorriso. Ele sabia que não há nada mais torturante do que imaginar que algo possa acontecer que lhe causará dor. Nem a própria dor é tão terrível quanto a expectativa de recebê-la, pois na expectativa os seus pensamentos sempre multiplicam a sua potencialidade. Por isso as torturas psicológicas são as vezes mais eficientes do que as físicas.

E ele estava certo. Depois daquela ocorrência pelos dias seguintes, tanto Aisha quanto Lina não conseguiam mais pensar em nada e tinham muita dificuldade de fazer as tarefas domésticas, a não ser cuidarem de Mohamed, que era um ato instintivo. Qualquer batida naquela porta era um terror e Lina já a atendia com Aisha atrás dela com a arma em punho, para tentarem se protegerem de alguma forma, mesmo entregando os alimentos sem abri-la como medida de segurança.

Duas semanas após aquela ocorrência a preocupação delas com a diminuição de seus estoques de alimentos aumentou muito. O fato de Omar ficar quase o dia inteiro e parte da noite nas redondezas, as impedia completamente de comprarem novos mantimentos e se Caivan não retornasse logo a situação em pouco tempo se tornaria caótica.

- Ele não vai nos deixar sair Lina. Eu não estou conseguindo dormir a muito tempo, com medo do que pode acontecer. Se o nosso alimento acabar e Caivan não voltar, vamos morrer de forme. Se isso acontecer eu vou ter que me entregar. Ele pode fazer o que quiser comigo, mas não posso deixar você passar necessidade amamentando e grávida.

- Isso não vai acontecer Aisha. Temos que ter fé. Alguma saída vamos arrumar para essa situação. Omar não vai poder ficar aqui o tempo inteiro, em algum momento ele vai ter que sair.

- Todas as vezes que perguntamos as pessoas se ele está aqui, elas afirmam que está Lina. Esse homem está obcecado em se vingar de nós. Ele não vai sossegar enquanto não conseguir isso. E ele me quer. Eu vou me entregar!

- Você não pode fazer isso Aisha. Se ele te pega, depois da afronta que você fez, ele te mata! Esse homem é cruel. Você não tem noção da crueldade dele. Eu não vou deixar isso acontecer. Daremos um jeito.

- Ninguém vive sem alimento Lina. Penso que ele optou por nos deixar presas aqui sem poder sair, sequer na porta de casa, acuadas. Não temos como conseguir alimentos assim por muito tempo e o nosso estoque já está acabando. Teremos que parar infelizmente com as doações imediatamente. Temos comida apenas para mais alguns dias. Se Caivan não retornar estamos perdidas.

- É uma pena para essas mulheres que só contam com nós para ajudá-las, mas acho que não temos outra alternativa. O que me traz medo é que talvez, elas poderiam ser a única saída que teríamos para tentar sair desse bloqueio policial na nossa porta. Se elas param de vir, estaremos mesmo perdidas, pois sem poder sair, fatalmente não teremos o que comer daqui algum tempo se ninguém puder vir trazer para nós.

- Você propõe que entreguemos o dinheiro para elas para que possam comprar alimentos para nós?

- Acho que essa é uma boa saída Aisha. Podemos dar dinheiro para essas pessoas que estão acostumadas a vir pedir ajuda. Caivan deixou um bom dinheiro guardado em casa. Assim, pedimos que elas comprem algo pra elas, mas que compartilhem isso conosco.

- Mas, se Omar souber será que não vai ficar furioso? Será que ele não vai querer prender essas mulheres? Não podemos colocá-las em risco.

- Falaremos para elas trazerem os mantimentos apenas quando perceberem que ele não está presente. Assim podemos driblar o bloqueio dele.

- Que ótima ideia Lina! Diz Aisha a sorrir, mais esperançosa.

Ao chegar em uma situação crítica dos estoques, elas começaram a dialogar com as vizinhas que iam pedir ajuda e no meio das sacolas que entregavam, passavam também dinheiro para que fossem comprados mantimentos e que parte deles fossem entregues naquela casa quando Omar não estivesse nas redondezas.

Aquele chefe de polícia acompanhava aquela movimentação em frente a casa, especialmente durante o dia, esperando o momento em que elas precisariam sair para comprar algo para efetuar a prisão, alegando qualquer coisa, de forma que a situação delas ficasse ainda mais vulnerável e a sua ação, com testemunhas, se tornasse inquestionável.

Mas, isso não estava a acontecer. As semanas iam passando e aquelas mulheres não saíam, deixando Omar impressionado de como elas estavam conseguindo se manter, mesmo sem sair para adquirir mantimentos.

Agora era a vez de Aisha e Lina sorrirem felizes por estarem conseguindo enganar aquele chefe de polícia:

- Imagino que ele deve estar a pensar que estamos a passar fome aqui Lina. Ele não sabe o quanto somos espertas para arrumar alternativas em caso de necessidade.

- Estamos a comer melhor do que nunca e ainda estamos a ajudar os nossos amigos de forma que talvez nunca ajudamos. Quando as pessoas se unem, dificilmente, são derrotadas Aisha. Na união e na bondade, estamos conseguindo vencer esse homem terrível chamado Omar.

- Espero que ele não descubra a nossa estratégia antes do retorno de Caivan. Depois do que aconteceu eu não vou hesitar Lina, vou contar tudo para o nosso esposo. Ele precisa saber que estamos a ser perseguidas e ameaçadas por Omar.

- Acho que chegou a hora de contar a verdade ao nosso esposo. Independente do que aconteça entre os dois, não temos outra alternativa diante de tudo o que aconteceu. Concorda Lina, esperançosa de que aquela estratégia iria as manter em situação confortável até a chegada do seu amado marido. Caivan já estava fora há meses e elas não viam a hora de ter o esposo de volta.

Casamento forçado e abusivo IIIOnde histórias criam vida. Descubra agora