O clima naquela casa

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Após essas ocorrências e o retorno de Caivan do mercado o clima naquela casa ficou ainda pior, Aisha não conversava com mais ninguém enquanto ele estava presente e isso o causava uma revolta ainda maior. Os dois estavam a testar quem tinha mais força naquela casa e ele, por ser homem e provedor de acordo com aquela cultura, não estava disposto a aceitar que a sua esposa o desafiasse daquela forma.

Novamente naquela noite, Caivan decidiu dormir na cama de sua primeira esposa, após Aisha, assim que finalizou a última refeição do dia, entrar para o seu quarto e trancar a porta. Durante boa parte daquela noite, ele ficou a refletir nas palavras duras que falou com a segunda esposa e sua consciência começou a pesar.

Caivan se arrependeu por ter falado aquelas palavras tão duras com Aisha, mas, ela o afrontou de forma tão intensa, na frente de sua primeira esposa, que ele perdeu a cabeça e acabou falando algo para a atingir com a maior força possível. Após muito refletir, ele entendeu que fez isso com uma intensidade muito grande e tocando em uma ferida muito profunda no coração de Aisha, que havia modificado completamente o destino dela para pior.

Ao pensar no contexto daquela conversa acalorada ele não conseguiu dormir no restante daquela noite. Aisha em seu quarto também não conseguiu pegar no sono. Ela ficou remoendo as falas de Caivan em sua mente e lembrando de tudo o que ocorreu quando era ainda uma criança. Ela se lembrava das surras que seu pai lhe deu enquanto tentava protegê-lo e o seu ódio ficava ainda maior dela mesma e de seu esposo.

Como ele pôde dizer algo que me agride de forma tão terrível. O que ele disse está doendo mais em mim do que tudo que aconteceu comigo depois do que fiz para salvar a vida dele. Nesses anos eu contei para ele tudo que passei. Ele viu como fiquei debilitada depois das surras de meu pai. Eu quase morri pelas surras que tomei de Osnin. Como ele pode ser tão cruel de dizer uma coisa dessas. Eu jamais vou perdoar Caivan. O que ele fez, não tem como mensurar. Isso dói muito em meu coração, especialmente porque eu acreditei tanto nele.

Enquanto isso Caivan pensava em seu quarto:

Porque fui dizer aquelas palavras tão duras. É claro que não poderia ter jogado todo o peso do que aconteceu depois em Aisha. O que eu fiz foi um absurdo com ela. Depois de tudo que a gente viveu nesses dias no Afeganistão, fazer isso com ela foi terrível demais. O que eu fiz? O que eu fiz? Porque fiz algo de tamanha maldade contra alguém que tanto amo. Ela não merece passar por isso. Eu devo a minha vida a ela. Ela não tem cupa pela forma que os meus pais morreram. Eu tenho culpa disso por ter insistido com eles de ir para um lugar em que eu pudesse estudar. Por não aguentar a minha culpa eu terceirizei para ela. Eu nunca vou me perdoar por isso e temo que ela também jamais me perdoe pelo que eu fiz.

Assim que o dia amanheceu Caivan foi até a cozinha e preparou um chá para as suas esposas. Lina acordou antes de Aisha e ficou surpresa com a ação dele, mas preferiu não dizer nada.

Quando Aisha chegou naquela cozinha Caivan se ajoelhou e disse a ela:

- Aisha, eu sinto muito pelo que fiz e pelo que te disse ontem. Eu estava com a cabeça quente. Me perdoe. Por favor, me perdoe.

Lina ficou completamente perplexa com aquela cena e Aisha ficou imóvel a observar Caivan. Quando a sua mente pensou:

Se ele acha que vou perdoá-lo por se ajoelhar ele está muito enganado. A sua fala me machucou muito Caivan, você vai ter que fazer muito mais do que isso para ter o meu perdão.

Aisha simplesmente passa ao lado dele e em seguida se senta à mesa, sem lhe dar nenhuma resposta. Caivan então, sem graça, perante as suas duas esposas, senta também à mesa e questiona:

- Dormiu bem essa noite Aisha?

Ela não respondeu.

- Eu já te pedi perdão Aisha. Por favor, diga alguma coisa. Eu prometo te dizer tudo o que quiser saber em retribuição caso me perdoe. Eu vou cumprir com todas as minhas promessas, mas por favor, me perdoe.

Então aquele espaço fica em um silêncio absoluto. Lina fica sem reação ao ver aquela postura tão inusitada de seu esposo.

Quando Aisha responde:

- Pois bem Caivan. Para que eu te dê o perdão, eu quero que você cumpra com tudo o que me prometeu. Eu só vou te perdoar, depois que você cumprir com tudo. Disse a mim enquanto estávamos vindo para cá que me contaria o porque faz parte desse grupo. Prometeu para mim que arrumaria um celular para que eu pudesse falar com os meus pais. Quando cumprir esses dois acordos, talvez eu comece a te perdoar pelo mal que você me fez no dia de ontem.

- Tudo bem Aisha. Eu faço aquilo que você quiser meu amor. Eu vou cumprir aquilo que te prometi. Assim que terminarmos esse chá eu vou até o seu quarto e vou te dizer tudo o que aconteceu para que eu viesse parar nessas terras. Assim que possível eu vou comprar também um celular clandestino para que possa entrar em contato com a sua família. E se tiver mais alguma coisa que possa fazer para atender os seus desejos eu farei para que me perdoe. Diz Caivan com um semblante triste.

- Acho que assim está melhor Caivan. Você me magoou muito com o que me disse ontem. Eu nunca senti uma dor no coração tão grande como senti ontem quando você me disse aquilo. Eu não tenho culpa se os seus pais morreram depois da forma que foi. Eu sinto muito por isso. Diferentemente de você, eu não joguei em sua cara que o que fez levou a morte deles. O que eu fiz, independente da sua interpretação, foi para salvar a sua vida e a deles. Eu fiz isso por amor, afrontando o meu pai em meio a surras terríveis. Depois fui obrigada a casar com um homem terrível e não te culpo por isso, porque foi uma decisão minha te proteger. Mas, você, diferentemente de mim, coloca a culpa por todo o mal que aconteceu com você e sua família em minhas costas, como se eu fosse a culpada. Eu não merecia ouvir o que você disse ontem. Desabafa Aisha.

- Eu sei disso Aisha. Eu sinto muito pelo que eu disse. Eu perdi a cabeça e acabei falando uma das maiores besteiras da minha vida. Tudo que você fez foi para o nosso bem. Você arriscou a sua vida por mim e por minha família. Eu jamais poderia ter dito o que disse. Eu sinto muito mesmo. Estou muito arrependido e envergonhado. Eu só espero que você possa me perdoar.

- A sua conduta daqui pra frente fará com que eu veja se vale a pena te dar mais uma chance Caivan. Espero muito que você não volte a repetir falas desse tipo.

- Jamais Aisha. Depois eu vou tentar te contextualizar o porque disse aquilo de forma tão abrupta. Acho que quis passar para você uma culpa que carreguei durante toda a minha vida, por algum momento, por descontrole. Eu sinto muito. Diz Caivan, quando lágrimas começam a sair de seus olhos.

Aisha dessa vez não se emocionou. Ficou com um semblante severo e começou a comer alguns quitutes em cima da mesa, enquanto Caivan demonstrava estar sobre aquelas fortes emoções. Lina estava perplexa com a ação de Aisha e com o resultado delas nas reações do esposo. Ela nunca imaginava que aquilo pudesse ser possível naquela cultura. Se tivessem a contado que um homem agiu daquela forma perante uma mulher, certamente ela não acreditaria.

Para não deixar seu esposo ainda mais envergonhado, Lina tentou fingir que nada estava acontecendo e tomou o seu chá normalmente, enquanto Caivan limpava as lágrimas do seu rosto, tentando se recompor para comer.

Assim como prometeu, quando aquele café da manhã foi finalizado, ele foi para o quarto de Aisha e eles fecharam a porta, quando Caivan disse:

- Eu estou disposto a contar tudo aquilo que você quer saber Aisha. Eu te amo muito e só quero que você me ame novamente como já me amou um dia.

Casamento forçado e abusivo IIIOnde histórias criam vida. Descubra agora