O terceiro dia na prisão

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Assim que amanhece Aisha retoma a consciência e não consegue nem se levantar do chão. Todo o seu corpo dói, os seus olhos estão inchados a ponto dela ter uma baixa visão do local em que estava. Tudo aquilo estava insuportável demais, mas ela sabia que teria que ser forte, se quisesse lutar pela vida e por justiça.

Em meio as suas demonstrações de fé, muitas imagens de superação durante a sua vida vieram em sua mente. Aquilo a trazia forças. Você venceu Osnin e sua fúria. Você conseguiu suportar as punições quando foi condenada a centenas de chibatadas no Afeganistão. Você vai vencer de novo, independente do que aconteça. Só não vence quem não luta e você está do lado da justiça. Seja lá o que for, não assine aquele documento. Se quiserem um depoimento, você dará a sua versão dos fatos e não a que eles querem insinuar que você deu.

A fome e a sede eram outros agravantes. Desde que foi presa, Omar ordenou que ninguém levasse água nem comida para ela, pois queria a torturar até que não suportasse mais, para que não tivesse saídas e assinasse aquele documento.

As dez horas daquela manhã, Omar novamente pediu para que homens fossem buscar Aisha. A situação física dela estava tão deplorável, que os homens tiveram que carregá-la até a sala de interrogatório.

- Como passou a noite senhora Aisha?

- Em paz senhor Omar. Respondeu ela demonstrando dificuldade em sua fala.

- Eu não estou para brincadeiras. Essa é a última chance que vou te dar senhora Aisha. Assine esse documento agora!

- O senhor permite que eu leia.

- Não tem o que ler aqui. É só assinar.

- Se eu ler e concordar, eu assino. Caso contrário, não vou assinar nada.

Omar fez um sinal e Armed colocou um saco plástico na cabeça de Aisha, para sufocá-la. Aisha demonstrava um desespero que nunca havia tido em sua vida diante daquela situação, mas tudo que vinha em sua mente é que ela deveria resistir e ser forte. A ação foi repetida inúmeras vezes, a deixando completamente sem ar, quase a desfalecer. Aquela foi a tortura mais terrível que Aisha já havia sofrido na vida, nem as surras que havia recebido nos dias anteriores eram tão aterrorizantes como ser privada de ar por tanto tempo e seguidamente.

Aqueles homens, para pressioná-la, colocavam a caneta em suas mãos e ela a colocava em cima da mesa, quando eles faziam aquele ato de a deixar sem ar por mais uma vez. Essa é uma das torturas mais terríveis que um ser humano pode sofrer, mas Aisha estava decidida a seguir os seus ideais e as suas convicções.

Se tiver que morrer eu vou morrer. Mas, não darei a esses homens o que eles querem. Lina deve ser a minha inspiração nesse momento. Mesmo diante de todo o martírio desse homem ela não cedeu as suas pressões. É uma mulher forte! E eu também serei.

Aquele terceiro dia a tortura não durou por muito tempo. Extremamente debilitada, com fome, sede e muito machucada, Aisha perdeu a consciência em alguns minutos e foi levada para a cela, aumentando a preocupação daqueles homens:

- Ela está irredutível senhor. Parece que ela não vai assinar. Disse Armed.

- Ela é muito mais insolente do que eu imaginava. Agora temos um problema sério. Pelo que fizemos com ela, não podemos libertá-la mais. Mas, também não podemos matá-la, pois não teríamos como justificar isso perante os militares. As cobranças estão chegando Armed. Hoje atarde tenho uma reunião com um dos chefes militares. Ele quer saber detalhes da prisão de Aisha. Pela primeira vez acho que estamos correndo risco.

- Eu não sei o que podemos fazer senhor. Já tentamos de tudo quanto é jeito e ela não assina. Habib assinou em uma hora de interrogatório. A mulher dele assinou em meia. Aisha já tem três dias e nada. A impressão que eu tenho é que ela não vai mesmo assinar.

- Se ela não assinar nós estamos perdidos. Eu não vou mais agredi-la. Podemos no máximo a deixar sem ar para tentar convencê-la, mas sem deixar marcas. Da forma que ela está, se esses militares a visitarem na cela, estamos fritos. Eu vou fazer de tudo para que isso não aconteça, mas, a situação está ficando difícil.

- O senhor acha que é bom que alimentemos ela e que lhe demos água senhor?

- Na atual situação sim. Aisha tem que se recuperar minimamente. Estamos vivendo uma situação de risco. Caivan tem a sua importância no exército. É a primeira vez que enfrento uma situação assim. Temo muito pela nossa reputação e carreira.

- Venceremos mais essa senhor! Afirma Armed confiante.

Quando acordou, já no final da tarde, havia água e comida naquele local. Faminta Aisha comeu tudo rapidamente e bebeu uma grande quantidade de água, se sentindo um pouco melhor durante aquela noite.

Algo aconteceu de diferente. Eles não iriam trazer água e comida para mim por pura caridade. Eu preciso ser forte. Penso que se eles mudaram a conduta é porque alguma coisa os pressionou para isso. Se for forte eu vou conseguir vencer esses homens, mesmo com todo o poder estando do lado deles. Serei forte!

Omar, assim que saiu da reunião com os militares, foi a casa de Armed e preocupado o disse:

- A pressão está muito grande da ala militar. Muitos oficiais e soldados estão insatisfeitos com a prisão da esposa de um deles. Consegui convencê-los a manter Aisha presa, graças ao apoio do meu tio que estava presente, mas não sei se conseguirei manter isso por muito tempo. O pior de tudo é que um dos comandantes insinuou que quer visitar Aisha para ouvir a sua versão dos fatos. Não sei quando será essa visita, mas, se isso acontecer, teremos sérios problemas.

- Só temos duas opções senhor, ou matamos Aisha, assim ninguém vai ouvi-la ou aceitamos as suas condições. Não temos outra alternativa.

- Acho que a opção da morte dela vai nos gerar problemas muito graves. O comando do exército está uma colcha de retalhos devido a guerra, com vários grupos querendo mais poder. Uma morte de uma pessoa importante como Aisha, pode afetar as condições do meu tio e as nossas condições. Podemos perder o nosso cargo e sermos denunciados. Acho que essa não é uma alternativa inteligente. É difícil dizer isso, mas, talvez devêssemos ceder as vontades de Aisha, de alguma forma. Torturá-la não podemos mais. Temos que a tratar da melhor forma possível e torcer para que ela se recupere totalmente antes de ser vista.

- Faremos isso então senhor. Acha que seria bom chamarmos um médico.

- Não. Estaríamos nas mãos dele. Se uma informação da situação dela sair, estaremos perdidos. Aisha hoje talvez seja a pessoa mais desestabilizante desse regime. Descobri que Caivan tem vencido importantes batalhas no Iraque. Retomando cidades conquistadas. É um dos homens mais bem-vistos pelo exército nesse momento. Ele ainda não sabe da questão da esposa, mas não demorará muito até que ele descubra.

- A situação está a ficar critica senhor. Vou levar alguns remédios para Aisha assim que amanhecer. Temos que torcer para que ela se recupere logo. Tomara que não tenhamos quebrado nada nela.

- Tomara. Diz Omar com um semblante demonstrando preocupação.

Naquela noite Aisha conseguiu dormir, mesmo sentindo dores extremas. Quem não conseguia dormir há três dias era Lina, que chorava dia e noite, rezando para que Aisha estivesse bem e para que Caivan retornasse logo, pois, para ela, essa era a única forma de salvar a vida de Aisha de todos os perigos que Omar representava.

Casamento forçado e abusivo IIIOnde histórias criam vida. Descubra agora