O destino de Miray

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Depois de escutar aquela parte do relato, Aisha estava impressionada com a coragem de Miray. Reagir a aquela situação contra um homem extremamente cruel é um ato de heroísmo muito grande, haja vista que na maioria dos casos, o medo, quando a vida está em jogo, normalmente, se torna algo paralisante.

A ação daquela jovem ao se rebelar, diante daquele contexto desfavorável, foi algo muito inesperado e na visão dela, que estava a ouvir o relato, talvez, tenha sido essa reação fora dos padrões que fez com que aquele homem fosse ludibriado e baixasse a guarda daquela forma. Por tudo que já viveu, Aisha pensa que dificilmente teria tido essa coragem.

- Sua amiga foi muito corajosa de ter matado aquele homem!

- Foi sim. Mas, senti nas verbalizações dela depois daquele ato, que ela não tinha mais muito o que perder Aisha. Na situação em que ela estava, de sofrimento constante, tem momentos que acho que a pessoa deve pensar em encerrar tudo aquilo de uma vez, ou de uma forma ou de outra. Por isso, penso, hoje, que ela tomou aquela atitude. A vida dela não tinha mais muitas perspectivas, seria sofrimento em cima de sofrimento. Eu não sei o que faria no lugar dela, mas, acho que ela tomou a decisão correta, mesmo sentindo muito pelo que aconteceu depois.

- E o que aconteceu depois?

- Não me recordo de muita coisa, porque, parece que meu corpo ficou paralisado após aqueles tiros. Estava sem ação. A minha cabeça passava um turbilhão de coisas. Eu nunca senti tanto medo em minha vida. O pouco que me lembro é que eu nem me movimentei depois daqueles tiros.

- Eu posso imaginar o quão desesperada estava.

- Fiquei quase em choque. Eu nunca tinha escutado disparos em minha vida. Aquilo foi aterrorizante demais.

- E o que aconteceu com Miray?

- Me recordo que ela disse que não queria mais essa vida para ela. Que havia prometido a si mesma que não seria mais usada por nenhum outro homem daquele lugar.

Após algum tempo, a minha atenção retornou e notei que os homens bateram naquela porta e questionaram se estava tudo bem, tentando falar com o homem que estava naquele quarto com ela. Como não podia responder nada, Miray ficou em silêncio. Ali o meu desespero aumentou. Aqueles homens insistiam em bater na porta. Foi quando ouvi que eles estavam tentando arrombá-la e outros disparos foram feitos por minha amiga em direção a porta.

Senti que aqueles homens se dispersaram um pouco e pararam os movimentos. Então Miray começou a dizer: - Sei que não tenho muitas saídas. Eles vão me matar de qualquer forma. Mas, eu acho que fiz o que tinha que fazer e estou feliz por isso. Pelo menos esse homem não vai fazer mal a ninguém assim como fez comigo. E se puder levarei mais uns dois ou três como esse antes de partir. Eu não quero essa vida para mim. Eu preciso me livrar desse pesadelo e isso será agora.

Desesperada ela começou a pedir perdão aos seus pais por ter fugido daquela forma. Em seguida tomou a atitude de sair daquele quarto. Assim que ela abriu a porta, os homens, que já estavam mais distantes, com medo de serem atingidos por ela, mandaram que ela se rendesse e largasse a arma.

Por um momento tudo parou novamente. Depois de alguns segundos ela disse: - Não quero mais fazer parte desse mundo! Logo em seguida, tiros foram disparados e eu escutei várias rajadas de metralhadoras a atingir algum ponto próximo do meu quarto, deitei no chão e coloquei as minhas mãos na cabeça para tentar me proteger de alguma forma. Aqueles tiros demoraram muito tempo para cessar. Aqueles homens pareciam estar com um ódio terrível dela por ter agido daquela forma contra eles. Minha melhor amiga estava morta!

- Eu sinto muito Lina. Que horror tudo isso! Afirma Aisha, quando novamente abraça Lina e as duas ficam a chorar abraçadas por algum tempo.

- Eu nunca havia contado isso para ninguém Aisha. Aos poucos, depois de compartilhar tudo isso com você eu pareço que vou me sentir daqui pra frente um pouco mais leve.

- Compartilhar essas coisas nos ajuda um pouco Lina. É basicamente isso que fazemos em uma terapia. Contamos os nossos segredos, os nossos traumas e isso já é parte do processo de recuperação, pois nos sentimos mais leves diante desses fatos traumáticos depois que os colocamos pra fora. Por isso a terapia foi tão importante pra mim.

- Quando voltar para a Europa, se conseguir isso um dia, será a primeira coisa que irei fazer depois que me reestabelecer.

- Você vai conseguir. Nós vamos conseguir. Eu tenho fé! Afirma Aisha.

- Não sei se posso pensar dessa forma. Eu prometi nunca abandonar Caivan depois de tudo que ele fez por mim. E acho que não está nos planos dele ir para a Europa, onde ele fatalmente poderia ser preso e condenado.

- A vida muda muito rápido Lina. Como dizem algumas pessoas, a vida é uma caixinha de surpresas. Caivan já esteve de vários lados nessas guerras intermináveis da nossa região. Quem sabe ele não retorna para o lado dos Ocidentais algum dia e seja aceito por eles?

- Quem sabe não é Aisha? Não podemos perder é as esperanças. Afirma Lina já com as emoções um pouco mais controladas.

Me recordo depois que tudo isso aconteceu, que um dos homens entrou naquele quarto e viu aquele soldado morto e disse em voz alta: - Essa puta matou um dos nossos principais soldados. Ainda bem que mandamos ela para o inferno. Naquele instante eu tive a confirmação que tanto temia.

- Pra mim tudo ficou mais claro. A minha melhor amiga estava mesmo morta. Pela sua ação, parece que era isso mesmo que ela estava a desejar naquele momento. De alguma forma, sair desse mundo de sofrimento a qual estava condenada, para ver se descansava um pouco, talvez, para ela, tenha sido o melhor caminho.

- Talvez tenha sido Lina. O que me entristece é que ela era tão jovem. Tinha uma vida inteira pela frente.

- Eu acabei com a vida dela Aisha. Eu sei disso.

- Não foi isso que quis dizer Lina. Não me entenda mal. Não se sinta culpada.

- Claro que me sinto. Se não tivesse apresentado aqueles homens para ela, isso jamais teria acontecido.

- Se eles não tivessem te aliciado antes, isso também não teria acontecido. Não se culpe por algo que não é sua culpa Lina. Nós já conversamos sobre isso.

- Eu não consigo Aisha. Eu não consigo não me culpar pelo que aconteceu. Acho que não vou me perdoar nunca. Mesmo sofrendo o quanto sofri depois. Sinto que merecia passar por tudo isso. Por isso nunca mais reclamei do meu destino.

- Que sofrimento é esse Lina? Você não se casou com Caivan? Não disse que ele não tinha te feito nenhum mal? Questiona Aisha confusa.

- Só o sofrimento de perder a minha melhor amiga em um dia e ter que me casar dois dias depois já é algo terrível. Mas, o pior mesmo é quando cheguei nessas terras que tive que ficar longe do meu esposo. Aí sim, as coisas ficaram terríveis e por algumas vezes, tive vontade de tomar a mesma ação que minha amiga tomou naquela noite, mas nunca tive coragem.

- Quem agiu de forma tão abjeta com você a ponto de você pensar em matá-lo dessa forma? Questionou Aisha assustada.

Lina engole seco e se prepara para falar, quando alguém bate na porta e interrompe o diálogo entre as duas.

Casamento forçado e abusivo IIIOnde histórias criam vida. Descubra agora