As horas seguintes

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Lágrimas e mais lágrimas começaram a descer dos olhos de Aisha. Ela não sabia o que pensar naquele momento. Tudo que vinha em sua mente eram as seguintes questões: Porque ele não me disse isso antes? Além de ter feito algo extremamente errada, agora ainda sou adultera? O que vai acontecer conosco agora?

Então, ela, ainda um pouco distante de Caivan, questiona:

- Você é mesmo casado Caivan?

- Eu sinto muito Aisha. Respondeu ele com um semblante muito triste.

- Não precisa nem dizer mais nada. Como você teve coragem de fazer isso comigo?

- Perdão Aisha.

- O que nós fizemos Caivan? Eles querem nos matar?

- Infelizmente a pena para o crime que eles julgam que cometemos, você já sabe qual é na nossa cultura Aisha. Você sabe os riscos que corremos.

Ela engole seco após aquela fala. Não era possível que Caivan havia a colocado em um risco tão grande daquela forma. Quando então ela questiona:

- Eu preciso falar com o meu pai. Ele pode fazer alguma coisa para nos tirar daqui.

- Isso não será possível Aisha. Estamos em um local que não há muita comunicação com o restante do país. Só poderíamos conversar com alguém se eles nos autorizassem, pois estamos presos. E eles não vão deixar.

- Tem que haver alguma saída Caivan. Eles não podem nos condenar a morte assim.

- Amanhã teremos um julgamento com os líderes religiosos do grupo Aisha. Eles vão dizer qual será a nossa sentença. Como sou muito respeitado pelo grupo, talvez ainda tenhamos uma chance de tentar um acordo. Mas, por favor, o que eu fizer concorde. A nossa vida pode estar por um fio amanhã.

- Como você pôde fazer isso comigo Caivan?

- Eu te peço perdão Aisha. Eu perdi o controle. O meu amor por você foi tão grande que não consegui me controlar tendo a chance de estar perto de você novamente. Depois disso, tudo foi acontecendo e piorou ainda mais o nosso contexto.

- Se tivesse me dito eu não teria vindo.

- Eu sei disso. Por isso não tive coragem de te dizer. Eu sei que posso ter sido egoísta, mas tudo que eu mais queria nessa vida era te encontrar. Eu sinto muito. Eu te coloquei em risco. Agora farei o possível para dar um jeito nisso.

- Nós não podemos morrer aqui Caivan. Alguma coisa precisa ser feita. Diz Aisha a começar a chorar de forma ainda mais desesperada.

- Eu farei o possível para que consigamos sair dessa Aisha. Por favor, pense muito bem no que vai dizer no julgamento de amanhã.

Então um homem entra por aquela porta e chama Caivan. Ele troca um último olhar com Aisha e sai daquele quarto sem dizer mais nada. Qualquer coisa que ele dissesse poderia ser usado contra eles no julgamento do dia seguinte e eles sabiam disso. A vida dos dois, daquele momento em diante, estava por um fio.

Após a saída dele, o desespero de Aisha ficou ainda mais extremo. Ela sabia que em algumas regiões daquele país a pena para adultério era a morte por apedrejamento mesmo depois que os Talibãs saíram do poder.

A organização política do Afeganistão, mesmo durante os anos de domínio americano, em determinadas regiões rurais, ainda era definido de acordo com as regras religiosas e culturais existentes naqueles locais, muitos deles organizados através de comunidades tribais. Essas comunidades tinham como lei basilar as regras religiosas e, essas quando interpretadas de forma mais extrema, definiam a pena por apedrejamento para os casos de adultério.

Novamente aquele medo de ser morta de forma tão cruel dominava a mente de Aisha. Ela se lembrava que já havia passado por essa sensação péssima quando esteve casada com Osnin e Marian pegou aquela carta ficando a ameaçá-la por ter cometido adultério. Foi o momento de maior sofrimento de sua vida e agora novamente ela estava a ter uma sensação muito similar.

Ao pensar na sua família na Inglaterra e o possível desespero deles por ela ter desaparecido, o seu coração apertava ainda mais. Vinha em sua mente as conversar com sua mãe tentando convencê-la de não viajar para lá. O seu pai quase a implorou para ela não ir e Loren e Saleh até brigaram com ela para que desistisse dessa ideia. Aisha chega a conclusão de que eles estavam certos. Foi muito temerária a sua decisão de ter retornado ao Afeganistão.

O maior problema de todos, entretanto, era o fato de Caivan não ter contado que era casado. Se ele tivesse dito isso, ela não teria ido ao Afeganistão em hipótese nenhuma. Caso ele tivesse a contado nas primeiras vezes que conversaram pessoalmente ela não teria se arriscado tanto. Jamais ela teria o beijado. Aisha não conseguia acreditar que Caivan havia os colocado em tamanho risco.

Durante aquela noite ela ficou a chorar por quase todo o tempo. Aquela senhora entrou por algumas vezes naquele quarto para deixar o alimento. No final da noite, vendo o desespero absurdo que Aisha se encontrava, ela disse:

- Se você fizer tudo que tem que fazer, tudo dará certo. Faça o que deve ser feito.

- E o que deve ser feito senhora? Me diga alguma coisa, por favor.

- Eu não posso dizer mais nada. Se disser e eles descobrirem, o meu castigo pode ser terrível. Mas, faça o que a sua intuição mandar. Salve a sua vida. Então aquela senhora saiu do quarto rapidamente.

Aisha ficou durante toda a noite tentando decifrar o que aquela mulher havia dito. O que ela teria que fazer no dia seguinte durante aquele julgamento. Será que a saída era ela dizer que não sabia de nada e jogar toda a culpa pelo que aconteceu em Caivan? Talvez essa fosse uma saída, pensava Aisha.

Entretanto, logo ela se recorda de como foi tratada durante a infância e como aquela sociedade mais extremista, no seu campo religioso, era machista e conservadora. Tudo que uma mulher fazia para tentar colocar a culpa no homem, as consequências retornavam para ela com muito mais força. Foi então que ela se lembrou do que Caivan disse. Para ela confiar nele e fazer o que ele definisse. Após essa reflexão, ela decidiu que seria esse o caminho que tentaria seguir no dia seguinte em meio a aquele julgamento.

Casamento forçado e abusivo IIIOnde histórias criam vida. Descubra agora