SENSIBILIDADE

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Era ainda madrugada quando Benício percebeu que Julinho estava acordado, o menino havia passado pisando pelo seu colchão para seguir em direção ao banheiro. Algo que se tornou um hábito desde as insistentes tentativas do babá em fazer o menino parar de fazer xixi na cama.

Julinho voltou em seguida caminhando como um zumbi e pulou em sua própria cama, viu que Benício estava acordado o olhando e aproveitou para lhe dar um sorriso de canto de boca.

- Que carinha é essa um horário desses? Está se sentindo mal? - Perguntou Benício preocupado.
- Não, estou bem, só triste pelo papai, ele sofre muito por causa da bruxa.
- Julinho, eles são adultos e sabem o que é melhor, não se preocupa com isso.
- Tio Ben?
- Oi- Respondeu o babá após quase ter submergido num cochilo.
- É verdade que você está namorando com o Tio Allan?
- Esse é um outro assunto de adultos rapaz, vamos dormir?
- Tudo bem, é que os adultos são tão complicados.
- Ah somos, e porque você acha isso?
- Coisa de criança- Ben não pode deixar de rir. Tentou imaginar de onde ele tirava aquilo.
- Você está muito engraçadinho. Agora é sério, vamos voltar a dormir! - Ben falou com firmeza se virando de lado, não convencendo o menino a encerrar o assunto.
- Eu gostei.
- Do que você gostou Julinho? - Ben questionou o menino sendo obrigado a voltar a atenção para o que ele dizia.
- De você estar namorando o Tio Allan, mas apenas gostei.
- Eu fico contente por saber que gostou, que apenas gostou Julinho.
- Eu gostei sim tio Ben, mas iria amar se você estivesse namorando com o papai- Ben sentou no colchão observando o brilho dos olhos do menino na cama de cima.
- Meu lindo, nem tudo o que desejamos nas nossas vidas pode se tornar realidade, uma delas é isso que você acabou de falar, por infinitos motivos isso nunca vai acontecer. Por favor não repita isso nunca mais.
- Tudo bem, vocês adultos são muito, muito complicados mesmos.
- Por que você está dizendo isso agora? - Ben já estava muito incomodado com o rumo de toda aquela conversa, precisava de uma forma incisiva encerrar os questionamentos da criança.
- Você ama o papai e está namorando o tio Allan, o papai te ama e está casado com a bruxa, já a bruxa não ama ninguém, talvez ela goste daquele monstro, mas está casada com o papai. Vocês complicam tudo.

Benício ficou chocado com cada palavra do menino, aquele monstrinho estava prestes a fazer seis anos, ou quarenta?

Percebeu que muitas vezes os tais adultos complicam tanto as coisas que esquecem o como as crianças podem ser sensíveis ao que acontece a sua volta. Benício engoliu cada uma daquelas palavras como um punhado de areia. Tentou encontrar as palavras adequadas para por o fim de uma vez por todas na conversa, mas o próprio menino deu as costas e fechando os pequenos olhos voltou a pegar no sono.

Ben foi ao banheiro e ficou refletindo em cada palavra usada por aquele terrorista mirim no intenso bombardeio iniciado minutos atrás.

Respirou aliviado ao avaliar que não amava Alex, era inegável que o chefe era um homem atraente aos seus olhos, mas isso era algo que ele conseguia abafar com tranquilidade, seja pela forma estúpida com que o policial o tratava, ou mesmo por se lembrar que o homem é casado e irmão do cara que agora é seu namorado, mas acima de tudo pela convicção que possuía que o todo poderoso Tubarão é o cara mais hétero que ele conheceu em toda a sua vida.

Essa convicção destruía aquilo que o menino disse em seguida, que Alex o amava. Não, se existia algo que o policial era incapaz de sentir era atração por outro cara, e ele já havia deixado isso claro algumas vezes.

Riu olhando para o espelho, não deveria ter dado tanta atenção ao que o menino lhe falou, após o efeito daquele choque repentino percebeu que nada daquilo era real, apenas coisas da imaginação de um menino criativo como Julinho, inclusive utilizar imagens do universo do horror para descrever quem ele não gostava, não era a primeira vez que ele chamava a mãe de bruxa, e agora alguém de monstro.

- Calma aí, mas quem seria esse tal monstro? - o babá acabou por ficar confuso ao perceber que no universo de Julinho, a mãe pode gostar de alguém, e esse alguém é como um monstro.

Ben decidiu parar de tentar entender tudo aquilo, não era o momento de decifrar enigmas, sentiu sede e decidiu ir até a cozinha antes de voltar ao quarto que dividia com Julinho.

Chegando a sala viu o policial estirado sobre o sofá, não conseguia se acostumar com a ideia que alguém pudesse ocupar tanto espaço, Alex quebrava qualquer tipo de padrão, era grande, forte, musculoso, tudo isso em excesso, mas de forma nenhuma poderia ser visto por ângulo algum de maneira depreciativa. Era assustadoramente tentador vê-lo daquele jeito, jogado, com as pernas abertas e sem camisa.

O rapaz percebeu no rosto adormecido de Alex, gotículas de suor sendo formadas, a sala era o cômodo mais quente da casa.

Pensou em ligar o ventilador de teto para aliviar a transpiração de Alex, o que também acabaria por diminuir os constantes ataques dos mosquitos a montanha de músculos e sangue que era o policial, mas acabou se detendo, queria observar por mais tempo o sono, na verdade o corpo de Alex.

O examinou de cima a baixo, depois de baixo a cima, poderia fazer aquele exercício uma centena de vezes ainda aquela noite. Percebeu que um pernilongo se deliciava do policial, tinha o seu minúsculo corpo já inchado, repleto do sangue de Tubarão. Havia pousado ali, possivelmente antes mesmo da chegada de Benício, sobre o mamilo esquerdo do chefe.

Essa região talvez fosse a parte do corpo de Alex que Benício mais admirasse, era um imenso peitoral, tão volumoso quanto o seu mesmo, mas incrivelmente definido e forte. A circunferência do mamilo era grande e levemente amarronzada. Era um peitão e tanto.

De repente Ben viu o braço direito de Alex estapear o próprio peito, o inútil mosquito teve o seu momento de glória finalizado por um golpe certeiro do homem, que permaneceu dormindo sem ver o risco de sangue que ficou parte no seu peito, parte no seu dedo indicador.

Benício por fim decidiu ligar o ventilador, em seguida se dirigiu até a cozinha e bebeu dois copos bem cheios de água. Passou apressadamente pela sala, não queria se prender novamente aquela visão.
Se jogou na cama e dormiu, dormiu com a voz do menino falando do amor recíproco que sentiam o pai e o babá.

Acabou por sorte não sonhando com nada disso.

QUERIDO BABÁ (ROMANCE GAY)Onde histórias criam vida. Descubra agora