TETO DE VIDRO

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A infiltração seguiu ali nos dias seguintes, naquela época Benício já tinha entrado de férias na faculdade com uma chuva de notas máximas, Julinho também já havia se formado na escolinha, era algo tão simples, mas muito gratificante para toda a família do menino. Os avós paulistanos vieram assistir de perto a felicidade do menino, a cerimônia num salão de festas ainda contou com a família paterna, Fatinha, Allan e Benício estavam lá acompanhando a alegria do menino.

Não foi surpreendente a chegada de Tubarão aos quarenta e cinco minutos do segundo tempo, o policial após mais uma noitada perdeu a hora e sim, perdeu o momento em que Julinho recebeu o seu primeiro canudo e discursou para todos os alunos e familiares.

O menino recebeu um abraço do pai com uma cara fechada, muito disso pelo fato de Alex estar com um bafo terrível de bebida. Pai e filho não chegaram a conversar sobre isso no almoço, mas Julinho compartilhou com Benício dias depois a sua tristeza.

Durante o almoço servido na casa de Fatinha toda a família acabou tomando um grande susto, Vanessa surgiu na festa repaginada, com um visual muito próximo ao de Débora. O espanto inicial ocorreu justamente porque boa parte das pessoas acreditou que era a médica chegando de surpresa. Ao longo do almoço Vanessa fez questão de sentar ao lado de Tubarão, e foi evidente para todos ali que ela estava se jogando para cima do policial.

De férias, a diversão dos meninos naquela época foi a montagem da árvore de natal, Ben e Julinho compraram a árvore com suas próprias economias. Compraram uma de dois metros e colocaram num ponto estratégico da sala. Montaram a árvore com sacrifício e durante a tarde colocaram os enfeites, pisca-pisca e por fim a ligaram, só faltavam os presentes. Saíram então para comprar alguns. Julinho pediu para que Ben o esperasse ao lado de fora da loja enquanto a vendedora o ajudava a comprar um presente para o babá. Benício acabou fazendo a mesma surpresa comprando uma coleção de livros ilustrados do Harry Potter para o menino.

- Tio Ben, por favor, me diz o que você comprou? Tô quebrando a cabeça para imaginar o que tem aí nessa caixa enorme- O menino falou olhando o pacotinho que tinha nas mãos com um bloquinho colorido de anotações.
- Te conto sim.
- Oba o que é?
- Te conto no dia de Natal.
- Ah poxa... E eu terei que ficar curioso até lá?
- Foi você quem quis começar todo esse mistério. Agora vamos ter que esperar sim. E para o seu pai, o que vamos comprar?
- Nada.
- Julinho, não seja tão rancoroso, o seu pai está numa fase ruim, mas logo vai voltar a ser o seu paizão. Acredita nisso?
- Sei lá, eu pensei que depois que a bruxa sumiu seríamos felizes pra sempre, mas ele agora está estranho, vira e mexe está junto do monstro.
- Monstro? Ben se lembrou vagamente de Julinho ter falado de um monstro quando conheceu a criança, na época não tinha dado tanta importância ao que o menino dizia, achou que era fantasia da criança- Quem é o monstro Julinho?
- Acho que podemos então comprar uma chuteira nova pra ele o que acha?
- Julinho... Começou agora termina, quem é o monstro? E o que esse monstro te fez?
- Eu não quero falar sobre isso. Vamos embora estou com sono.
- Só me diz quem ele é? É uma pessoa real? Ou você fala da bebida?
- Acho que a chuteira vai ser um presente da hora.
- Tudo bem, dessa vez vou deixar passar, mas não vou esquecer disso. Quero saber tim tim por tim tim disso- Ben resolveu respeitar Julinho, mas sentiu um alerta ser ligado.

Chegaram a casa e encontraram Tubarão por lá, o homem estava sentado no sofá da sala vendo televisão. Ben e Julinho não puxaram assunto, foram direto a árvore colocar as caixas de presente que haviam comprado. O policial então foi até o encontro dos dois e pegou Julinho a força no colo tentando fazer cócegas no menino. A resposta foi a pior possível, o muleque começou a se rebater e gritar pedindo para que ele o soltasse. Tubarão tentou insistir não entendendo que o filho de fato estava magoado com ele. Colocou Julinho no chão e o menino correu chorando para o quarto.

- O que há de errado com ele? Nunca foi fresco assim.
- Não sei, talvez refletindo um pouquinho consiga entender o que se passa.
- Ainda o papo da formatura? Eu fui sincero porra, eu perdi a hora.
- Não precisa dizer isso pra mim, já te entendi, na verdade não entendi, mas isso não é da minha conta. Eu só acho que precisa fazer com que ele te entenda. O Julinho é um menino sensível e bastante orgulhoso.
- Acho que ele tá mais pra fresco. Deve ser a convivência- O policial falou e saiu andando até o quarto. Ben não deixou por isso mesmo.
- O seu Tubarão, tá incomodado? Faz melhor.
- Faço o que eu posso meu rapaz.
- Quer saber? é insuficiente.
- Ah é? E quem é você pra me dizer isso? - O clima acabou esquentando de vez, ambos estavam destemperados e pouco dispostos a pôr fim naquela discussão. Você se acha o pai dele né? Mas quer saber? Não é, na verdade você não é ninguém, é só um inquilino, muito do mal educado.
- E você é um grande idiota, que tenta responsabilizar todo mundo a sua volta pelas suas frustrações. Quer saber? Você e ela se mereciam. E tem mais, a Vanessa tá toda, toda pra você. Aproveita a versão falsificada da sua ex, seja feliz.
- Olha quem fala, você tá namorando o babaca do meu irmão, o cara mais irresponsável do mundo. Você não tem moral de falar de mim, nem da Débora, nem de ninguém- Tubarão gritou.
- Cuidado Tubarão, muito cuidado, porque o teu teto é de vidro e sobre irresponsabilidade você está dando aula.
- Ah é mesmo?
- É sim e eu já estou de saco cheio em você se metendo na minha vida com o Allan.
- E eu em você se metendo em minha vida como um todo, acabou rapaz. Não precisamos mais de você aqui. Quero que você saia da minha casa ainda hoje. Foi bom enquanto durou, mas agora já deu- O homem berrou.

Ben se chocou com o que ouviu. Se calou, não tinha mais nada a dizer. Queria fugir daquele lugar naquele exato momento. Alex era o cara mais ingrato e idiota que ele conheceu na vida. Na verdade aquele não era o seu Alex, era o Tubarão Falconi, o homem estupido e rancoroso dando o seu show vespertino.

Tubarão por sua vez esperava que Benício relutasse contra o que ele havia dito, precisava voltar atrás. Por mais que detestasse reconhecer, sabia que sem Ben ali ele perderia o chão, o seu norte, o seu ar. Mas o babá não falou mais nada. Apenas o encarou, o encarou com os olhos formando uma poça de lágrimas.

Ele se sentia o cara mais medíocre do mundo, não suportaria ver Benício liberando uma lágrima de dor por sua causa. Pensou em puxar o rapaz para um abraço e pedir perdão por tudo, mas não tinha coragem, talvez aquilo fosse o melhor mesmo, talvez ele conseguisse seguir sem o rapaz ali, a sua consciência tentava confortá-lo mesmo com sua alma gritando por dentro.

- Tio Ben, socorro.

O grito de Julinho foi o que acabou com aquele climão de uma vez. Ben correu até o quarto tentando entender o que poderia estar acontecendo com o menino, Alex o seguiu a passos largos, mesmo carregando o peso nas costas de uma decisão tão precipitada.

Ao abrir a porta Benício teve pouco tempo para entender o que acontecia. Só sentiu parte da laje do quarto caindo sobre a sua cabeça, não viu mais nada, nem ouviu, perdeu a consciência e desmaiou, sem saber o que tinha acontecido a Julinho.

QUERIDO BABÁ (ROMANCE GAY)Onde histórias criam vida. Descubra agora