Ben despertou na manhã seguinte com o corpo todo dolorido, tinha dormido todo torto no sofá. Se dirigiu ao banheiro com uma enorme dificuldade, se sentia muito tonto e ainda tentava entender o que tinha lhe acontecido.
Com o estômago revirado sentou no vaso sanitário, como a tragédia geralmente vem acompanhada de outras tragédias, não se surpreendeu com o fato de ter uma forte dor de barriga. Passou um bom tempo ali, se dissolvendo por completo, perguntou a si mesmo se lhe faltava alguma coisa pra ficar pior a sua situação, e a resposta veio em seguida. Um bolo subiu pelo estômago e um vômito incontrolável sujou todo o chão do banheiro.
Aos poucos voltava a si, lembrava vagamente de ter enchido a cara com bebida forte junto a Alex, o filho da puta do policial o embebedou e agora ele estava ali fudido no banheiro.
Não tinha ideia de quantas doses havia bebido, sequer se lembrava de como a noite havia terminado, ficou indignado com o fato de Alex o ter largado ali, nem sequer se preocupou em ajudá-lo a chegar ao quarto.
Ficou mais indignado ainda quando percebeu o estado do seu corpo, estava todo empolado por conta da fantasia de super herói que não tirou graças a insistência do chefe. Eram bolinhas vermelhas espalhadas por toda a parte. Tomou um antiflamatório e seguiu para um banho, por conta da infecção acabou não percebendo as marcas dos dedos de Alex em sua bunda.
Saiu do banho ainda muito tonto, se vestiu com dificuldade e seguiu até a cozinha em busca de café, um café bem forte pra tirar o gosto de bebida que mesmo após escovar os dentes permanecia na boca. Passou pelo quarto do patrão e já estava pronto para xinga-lo quando percebeu que Alex não estava ali.
Ficou confuso com essa nova situação, Alex raramente estava saindo de casa nas férias e pelo que ele entendeu o policial saiu de casa antes mesmo dele acordar.
Em outro canto da cidade, mas precisamente no cemitério do Caju, Tubarão Falconi era visto com um semblante fechado. Caminhava com pesar pelo cemitério, fazia o mesmo trajeto que fez há mais de vinte e cinco anos pela primeira vez ainda muleque, e que fez em todos os anos seguintes naquele mesmo dia dois de novembro, nos primeiros anos acompanhados da mãe, quando ficou independente passou a ir sozinho.
Gostava de fazer isso muito cedo, não se permitia ser visto por outras pessoas tão emocionado.
Caminhou até o túmulo carregando uma gérbera branca. Era um jazigo da família, um pouco descuidado, pôde constatar o policial naquela visita. Em sua frente uma única fotografia com a data de nascimento, e por fim aquele dois de novembro que mudou radicalmente a sua vida, o dia que seu pai morreu.
Uma coinscidência terrível foi o fato disso ter acontecido justamente no dia de finados, desde então o filho mais parecido com o velho Falconi cumpria um rito anual de dedicar parte daquele dia ao pai.
Cada um dos familiares lidou com a situação de forma diferente, mas sem sobra de dúvidas foi o filho do meio que mais sentiu a perda. E fazia questão de expôr isso a todo o mundo. Ele não aceitava ter perdido o pai tão novo, não o perdoava por isso, não se perdoava por não ter feito nada para isso, mesmo sabendo que um menino tão novo, pouco poderia fazer.
Tubarão creditava a ausência do pai a tragédia que caiu sobre a família, se ele continuasse vivo por certo Adriano não teria virado um ator de putaria, sequer teria virado um viado. O pai com certeza teria o espancado até o irmão voltar a ser homem, faria o mesmo com Allan, ou não, Allan era muito novo, e se tivesse convivido um pouco mais com o severo homem jamais teria virado uma pessoa tão irresponsável.
Foi somente ele que conseguiu levar a frente o legado do velho Falconi, o legado de que homem tem que se portar como homem, que precisa ser militar para garantir respeito. Foram esses e tantos outros ensinamentos que fizeram dele o homem que é, ou faziam até a noite anterior quando cometeu erros inaceitáveis.
Olhou para a foto do pai envergonhado, o homem lhe encarava com garbo e elegância. Ele por sua vez se sentiu uma criança indefesa, se sentia culpado por se apresentar a sua maior referência tão sujo. Ele se detestava por frustrar os planos que o pai tinha para ele, por ser uma grande fraude. Se detestava por entristecer a memória do pai, por ser um fraco, um covarde, um fracassado.
- Eu sei que o senhor tá muito decepcionado comigo, mas a culpa também é sua de ter me deixado aqui sozinho tão novo. Eu estou me sentindo tão péssimo, tão confuso, tão sujo. Eu juro que eu tentei evitar, eu lutei o máximo possível com a minha própria carne, e ainda tô lutando, porque continua doendo, mas eu não aguentei, eu fui um fraco. Eu estou tão mal, e não sei o que fazer, porque eu sequer consigo me desfazer dele, eu não consigo me imaginar vivendo longe dele. Mas isso é impossível, é imoral, me perdoa meu pai, por ter sido tão covarde, por não ter sido homem o suficiente para sustentar o meu casamento, por ter vacilado assim como os outros meninos. Eu preciso muito do seu perdão e da sua ajuda também, eu já me decidi, a partir de agora tudo vai mudar. Eu voltarei a ser o Tubarão Falconi, o homem que te orgulhava, o mais parecido contigo, mas vou precisar de você por perto, me direcionando por onde caminhar.
Se for o caso vou procurar uma outra mulher para me ajudar a cuidar do Julinho, e se tudo der certo vou conseguir viver longe dele. Só por favor não me abandone.Tubarão falava isso aos prantos, não se importou com o fato da higienização do local ao se debruçar sobre o túmulo e chorar. Sentia a necessidade de se humilhar diante do velho Falconi, talvez assim se sentisse menos culpado e inconsequente.
Ficou ali mais meia hora, até que decidiu voltar para casa, se sentia revigorado e pronto para recomeçar do zero, longe de qualquer sentimento imoral. Estava morto o homem devasso que havia surgido nos últimos meses. Morto e enterrado.
Ia saindo do cemitério quando uma senhorinha magra dos cabelos brancos o parou oferecendo flores para comprar.
- Me desculpe senhora, eu já fiz a minha visita, tenha um bom dia e boas vendas.
- Minhas flores não são para os mortos, são para os vivos. Os mortos não podem fazer mais nada com as flores que recebem em seus túmulos, já os vivos podem ter a vida transformada por uma delas. Num mundo tão louco como o nosso meu filho, imoral não é amar e ser amado, é sim oferecer flores aos mortos e espinhos a quem se ama.A fala da senhora não fez com que ele retornasse e comprasse uma de suas flores, mas fez com que ele refletisse por algum tempo sobre aquilo, engoliu com dificuldade aquelas palavras que repercutiram em sua cabeça. Dentro do carro ouvia aquela voz suave falando sobre a necessidade de entregar flores a quem se ama e não os espinhos, não sabia bem se era isso que ele estava decidido a fazer, mas sabia que aquele era um caminho sem volta, estava disposto a cumprir o que tinha falado no túmulo de seu pai.
Adentrou a casa procurando por Benício no sofá, viu que o rapaz não estava mais ali, estava preocupado na verdade com a possibilidade do babá se recordar de alguma coisa da noite anterior.
O procurou no restante da casa até que o encontrou dormindo, com um ronco pesado no quarto de Julinho, o menino acompanhava o babá em seu sono pesado.
Não tendo muito o que fazer, foi até a cozinha, viu alguns salgadinhos já frios do dia anterior, ele adorava eles assim. Os colocou num copo daqueles de pão de queijo e se direcionou até o seu quarto. Aquele seria o seu último dia de férias, sabia que para se livrar de pensamentos errados deveria ter a cabeça ocupada com muito trabalho.
Tomou um susto ao entrar no quarto e perceber que existia uma movimentação estranha ali, como um verdadeiro policial fez uma análise muito rápida do cenário, ali identificou as roupas de Débora espalhadas pela cama e pelo chão. Procurou mas detalhadamente e se surpreendeu ao encontrar ali alguém muito familiar. Alguém que teria que lhe dar muitas explicações por toda aquela situação.
A mulher no quarto se assustou ao perceber a presença do policial a sua frente, sentiu um frio na espinha e tentou apaziguar a situação com um sorriso amarelado, que acabou não tendo o efeito necessário.
- Mas que porra é essa aqui agora? O que você está fazendo aqui dentro do meu quarto? Anda, comece a me explicar essa porra.
O clima pesou naquele lugar, o policial trincou os dentes, o destemperado Tubarão Falconi estava prestes a causar estragos.
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QUERIDO BABÁ (ROMANCE GAY)
RomanceLivro ainda não revisado. Uma história de pessoas comuns, com dilemas e situações observadas em nosso cotidiano. Descrita com muitos detalhes, apresenta personagens complexos que buscam o equilíbrio para viver numa sociedade em constantes mudanças...