DOR

2K 252 82
                                    

Uma taça se espatifava na parede do apartamento de Débora. A loura havia acabado de ter mais uma discussão calorosa com Bárbara que exigia que a filha procurasse um tratamento psiquiátrico que a ajudasse com urgência diante de todos os transtornos que estava vivendo. A médica por sua vez achava a proposta uma grande sandice, loucos eram todos os que viviam a sua volta.

Porém, o embate com a mãe via telefone, não era o grande motivador de sua ira, o que a incomodava era a solidão que passou a ter que enfrentar desde a descoberta de Tubarão. Débora se sentia solitária, extremamente impotente, passava boa parte do tempo como uma samambaia decorando o apartamento, sua distração na maioria das vezes era arquitetar um plano de vingança contra todos aqueles que a fizeram mal.

Rômulo optou pelo afastamento, não concordava com os projetos homicidas da amante. Já Luciano seguia lhe cozinhando com a desculpa de estar trabalhando num projeto infalível para tirar tudo de Tubarão. Há tempos o prazo que havia confiado ao cretino já havia se esgotado e até aquele momento o amante não havia apresentado nada além do que propostas inúteis.

Olhou para sua mesa, sua pequena ceia natalina, ali tinha um pequeno frango assado comprado mais cedo na padaria, um pouco de arroz, salpicão e uma garrafa de vinho tinto acompanhada agora de apenas uma taça. Sentiu uma fisgada no coração ao perceber que pensava com inveja na alegria que os Falconi possivelmente estavam sentindo naquele momento, não que ela se arrependesse da decisão que havia tomado de abandonar a família, mas se sentia infeliz, sozinha, vivendo uma vida completamente diferente da que havia planejado ter após o casamento.

Segundo suas perspectivas naquele exato momento ela deveria estar cercada de gente rica e interessante, homens belos deveriam estar lhe fazendo propostas sexuais, uma mesa farta com boa comida e boa bebida deveria estar ao seu dispor. Mas não estava cercada de tudo isso, o que lhe cercava eram suas paredes brancas e gélidas, um silêncio, o tédio, o caos.

Decidiu que sairia para espairecer, tentou ligar para Luciano, mas o desgraçado desligava em todas as suas tentativas. Por certo o infeliz estava acompanhado de alguma vadia curtindo a noite.

Se dirigiu até o antigo bairro, não teve dificuldade, um carro ou outro circulava pelas ruas da cidade aquela altura. Parou o carro em frente ao apartamento do amante, adentrou o espaço pronta para um flagra, tinha as unhas afiadas para arrancar fio por fio dos cabelos da possível piranha que acompanhava o seu macho, mas se surpreendeu ao não encontrar ninguém ali.

Ainda mais sozinha decidiu dirigir por aquelas ruas que tanto odiava da Ilha do Governador. O lugar segundo sua ótica estava ainda mais patético agora, com uma iluminação medíocre típica da época, típica de gente pseudo feliz.

Passou com o carro em frente a antiga casa, parou e percebeu que ali também não tinha ninguém. Não seria surpresa imaginar que as comemorações aconteciam no casarão da sogra, ou melhor da ex sogra, a velha cafona. Se lembrou de todas as vezes que foi obrigada a passar o natal na casa de Fatinha, de todas as vezes que inventou uma doença, ou mesmo um sono pesado para se livrar de toda aquela parafernalha, mas por incrível que pudesse parecer um sentimento de nostalgia lhe possuiu. Percebeu que era algo detestável, mas não tão detestável como seu atual estado.

Seguiu então seu tour, passou próximo ao aeroporto internacional e em seguida pela universidade. Foi inevitável não passar em frente a casa da matriarca dos Falconi, se detestava também por precisar fazer isso.

Chegou lá e percebeu uma animação fora do comum, existia uma música brega altíssima, uma risadaria e bateção de pratos, por certo existiam mais pessoas que de costume. Todos haviam sobrevivido a ela, conseguiram ser felizes sem a sua presença, foi facilmente esquecida por todos.
Pensou em como a mesa da velha deveria estar lotada naquele momento.

QUERIDO BABÁ (ROMANCE GAY)Onde histórias criam vida. Descubra agora