Dagmar
Me sentei nos bancos de concreto e Cecília me cutucou encarando do meu lado.
Eu olhei pro lado e tinha umas tiriças encarando. As tiriças da dionéia. Pensa nuns dragãos que acha que é bonito ser feia.
Eu não sou de bater em guria não, mas nessa eu desci o sarrafo. Tava me chamando de cada nome. Passou vergonha real.
- O que ta encarando carniça? - Gritei fechando a cara.
Não vem pousar na minha não. Que coisa feia eu em.
Ela ficou caladinha lá.
Os meninos entraram no campo.
- Chorei em, e não foi pelos olhos. - Gritei. - Benza Deus em! - Falei me abanando.
Aquele traste entrou junto do time.
Eu devia decepar meu dedo, pensa num dedo podre.
- Tatão, amor da minha vida! - Uma das meninas gritaram.
Tatão era o traste. Eu cruzeiro minhas pernas e ele encarou as meninas e logo foi indo com o olhar até a mim.
Ele disfarçava, dizia que não era pra ninguém saber, que o negócio dele era tudo no sigilo, que ele não curtia nome dele na boca dos outros. Mas na real, pra mim era por que eu sou trans. Se acha mesmo que esse manos ai quer que os parceiros fiquem sabendo? Pois bem, na minha primeira oportunidade eu solto mesmo, vem bancar na minha não.
Eles começaram a jogar. Aquelas galinhas se matando de tanto gritar, aquilo tava me desconcentrando legal.
- O caralha, da pra parar de biscoitar ai! - Gritei suspirando.
- Vai se foder viado! - Ela gritou.
Sabe aquele santo que desce? Puxei da dona Ellen.
Eu levantei com tudo e ela também. Cecília me segurou e eu puxei meu braço caminhando até ela.
- Vai tomar um banho sua esgoto! - Falei medindo ela e saindo.
Ela ficou quietinha.
Me sentei de volta e fiquei encarando o jogo.
Aqueles meninos que era de dar água na boca. Eles jogaram tanto, que pra mim ficar ali, nem cansava. Quando eles terminaram, o time do Tatão tinha ganhado.
Ele veio correndo até a grade em direção da calanga que berrava.
- Vai passar comigo a noite amor? - A calanga disse.
Ela chamava como mesmo?
- Vou guiar pra lá mais tardão, minha mulher precisa capotar antes de eu ir Gabi. - Tatão disse me olhando de canto.
Nome da pirua é Gabi, anotado pra lista de putas!
Ela se levantou e foi dar um selinho nele.
- Essa vergonha eu não passo nem de graça! - Falei tacando a mão na boca rindo.
- Muito menos eu. - Cecília disse fazendo cara de novo.
Ele cochichou algo no ouvido dela e ela assentiu saindo dali com as amigas.
- Parece até que to respirando melhor. Tava até com medo de pegar uns piolhos violentos na minha juba! - Falei coçando a cabeça.
Ele veio vindo devagar, como se não quisesse nada. Eu fiz a da Kátia.
- E ai gatona. Tá gostosa com essa saia e essa boca vermelha em! - Tatão disse.
- Tá ouvindo um zum zum zum? - Perguntei encarando Cecília.
- Ê Tatão! - Uma voz grossa gritou.
Logo veio um carinha que era de alguma boca também. Ele encostou na grade e encarou a Cecilia.
- Manda logo, preciso guiar pra goma! - Tatão disse.
O carinha encarou Tatão depois de mo tempo encarando Cecília.
- Tu não vai colar no seu zé não? Pô bora cara, beber uma! - O cara disse.
- Não Tsunami, tenho que colar na Gabi depois, aquela ali, vou comer até o cu! - Tatão disse.
Eu me levantei e Cecília se levantou. O tal de Tsunami faltou passar entre a grade e comer a Cecília.
- Magine que é louco de pegar. Marcola desce o tiro! - Falei rindo e os dois me encararam.
Eu peguei na mão de Cecília e fui subindo.
- Ele é bonitinho! - Cecília disse e eu olhei pra ela na mesma hora.
- Se for sem coleira, da uns pegas ué, sem babado algum! - Falei.
- E da pra meter fuga no meu pai? - Ela disse bufando.
Marcola era um pé no saco. A gente dava cada perdido massa nele. Uns tempos atrás a gente foi parar lá no baile da gaiola. Cecília foi lá com um envolvido, e adivinha quem me aparece lá?
Marcola e meu pai.
Fiz a que tava passando mal. Mandei mensagem pra sonsa da Cecília e me fingi a de desmaiada, e quando "acordei", fiz a que tinha alzheimer.
- Ou mapoa! - Ouvi a voz grossa.
A gente virou pra trás e era aquele tal de Tsunami.
Será que é um tsunami na cama? Abençoa senhor!
- O que tu quer bicha? - perguntei.
- Queria falar contigo! - Tsunami disse.
Ele me puxou e eu quase me joguei em cima dele.
- Tua parceira ali, é boa em. Ela é casada? - Ele perguntou.
Eu medi ele e arquei a sobrancelha.
- Vai tu perguntar, coisa feia em, a gente mulher odeia recadinho! - Falei me virando e indo andando.
Eu em!
• aperta na estrelinha •
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Libertinagem
Teen FictionEm uma sociedade totalmente preconceituosa, existe Dagmar, uma trans que corre atrás pelos seus direitos. Mas morando na favela, o que não tem é respeito, mesmo ela sendo filha de um dos traficantes mais temido do Rio de Janeiro.