Cecília
Parei do lado da Rânia e ela tomou um gole da água.
— Tá curtindo o pagode? - Perguntei.
— To sim, gostei! - Rânia disse encostando a cabeça na parede.
— Do pagode ou de um cara ali? - Perguntei e ela na mesma hora me olhou.
Ela negou rindo e mordeu a boca.
— Você não disse que ele é casado? - Rânia disse. - Então, pra mim não seria um problema, mas a mulher dele tem cara de louca! - Rânia disse.
Eu medi ela e ri pelo nariz.
— Ela desfigura tua cara, tu devia respeito pro teu marido lá, e ter vergonha de desejar marido alheio! - Falei negando.
Ela deu de ombros e saiu indo pra barraquinha.
Eu fiquei olhando ela e fui caminhando até Dag que sambava com Curió.
— Lá vem o negão, cheio de paixão, te catá, te catá, te catá. Querendo ganhar todas as menininhas, nem coroa ele perdoa não. - Curió cantava sambando. - Essa música é minha pô! - Curió disse sambando no maior pique.
Eu puxei ela e Curió continuou no pique.
— Essa daí é lobo em pele de cordeiro! - Falei negando.
— Ela mesmo mostra que ela é vagabunda! - Dagmar disse. - Se eu descolar algum babado, eu deixo ela pianinho no canto dela, ai ela aprende a ter vergonha na cara. - Dag disse voltando a sambar perto do Curió.
Eu neguei indo pra perto do Tsunami e puxei ele, ele deixou até cair o cigarro.
— Qual foi Cecilia? - Tsunami disse soltando a fumaça.
— Rânia tá te olhando? - Perguntei direto.
— Quem é essa? - Tsunami disse e eu Fechei a cara. - Sei lá, eu nem olho! - Ele disse.
— Dagmar vai acabar pegando ela no pau! - Falei.
— Eu to ligado, todo mundo já descolou essa idéia dela. A mina nem disfarça pô! - Tsunami disse acendendo um novo cigarro.
*****
Tava no fim do pagode já, eu tava deitada no ombro do Tsunami enquanto ele batia maior papo com Curió.
Dagmar tinha saído com Bazilho e quando voltou eles ficaram num canto meio distante.
— Ala a pirua! - Falei.
E eu que um dia esperei tanto pra ver ela...
— Nem quis comentar, é cria do teu pai, mas ela é safada pô, vem de jogando pra cima de mim, maior tiração! - Curió disse negando enquanto bebia o copão dele.
Ela olhava os dois. Dava pra ver a inveja e o desejo. Eu olhei pros dois e eles conversavam na maior tranquilidade.
— Ela já deu em cima de você? - Perguntei me referindo a Tsunami.
— Eu não dou corda! - Ele disse e eu virei o rosto.
Eu já tava cansadona, eu me levantei e fui abraçar Curió.
— Vou vazar, preciso descansar! - Falei.
— Oloco, e se rolar perreco, pô, Miriã não tá na disposição de deboche, tu tem que tá aqui fortalecendo eu. - Curió disse.
Perreco sem Curió, não era perreco.
Ele narrava a briga, comia, ria igual uma hiena e ainda botava lenha na fogueira.
“ Falou que a mãe não é homem ”
— Se não rolou até agora, não rola mais! - Falei e fui indo até minha mãe.
Eu me joguei no colo dela e agarrei.
— To indo já, to com sono! - Falei suspirando.
— Vai, eu to indo já já, teu pai o nariz de bebida, e depois fica roncando igual um trator! - Minha mãe disse.
Eu ri e me despedi da Ellen.
Eu fui me afastando delas e senti minha bexiga encher, eu fui direto pro banheiro. Fiz minhas necessidades e quando sai do banheiro, Curió me esperava.
— Corre galinhada! - Curió gritou e foi me puxando com tudo.
Eu fui andando rápido até chegar no meio do pagode.
Meu pai parado encarando tudo sério, Dagmar falando várias coisas pra Rânia, e Rânia com aquele olhar de deboche.
Eu cheguei do lado da Dag e ela apontava enquanto falava alto com Rânia.
— Tu tá achando o que? Tu quer um? Vai atrás do teu porra, tu não vem querer ciscar no quintal dos outros não! - Dagmar disse peitando Rânia.
Bazilho foi puxando Dagmar e ela foi com tudo indo pra cima da Rânia.
Ela pegou firme no cabelo da Rânia.
— To grávida gata, tu é cobrada se relar em mim! - Rânia disse com olhar de deboche.
— É? Mais grávida apanha na cara quando é necessário! - Dag disse metendo um murrão na boca de Rânia.
Ela cambaleou pra trás e meu pai entrou na frente.
— Segura tua cria Orelha! - Meu pai disse.
Orelha entrou na frente cruzou os braços.
— Qual é a idéia Dag? - Orelha perguntou.
— Todo mundo tá vendo o que essa sonsa tá fazendo, não curto brigar por macho não, mas essa tá merecendo uma boas esmurradas na cara! - Dag disse fechando o punho. A Rânia mostrou a língua no deboche e Dag ficou mais possessa. - Eu espero tu não tá mais grávida amor, eu te quebro na pancada depois, marca bem o que eu te disse! - Dag disse apontando.
Meu pai ficou sem entender eu fui até ele.
— Rânia eu te avisei! - Falei.
Meu pai me olhou e olhou Rânia.
— Nem depois de grande tu cria juízo porra. Que vacilo é esse caralho, tua noção fugiu pra puta que pariu! - Meu pai falava alto.
Tem gente, que mesmo crescendo e tomando pancadas da vida, nem assim cresce e amadurece.
— Tu não pode relar nela porra, calma, tu cobra depois, da melhor forma! - Bazilho falava pra Dag na maior calma.
— Ah calma o caralho, e tu que devia cobrar aquela ranhenta da Tati e nem foi cobrar?! Me poupe! - Dag disse saindo do pagode.
A música tinha parado, tinha sido um dos motivos que o pagode tinha chegado ao fim naquele dia. Todos começaram a vazar e eu não fiz diferente.
Aliás, eu só pensava em uma coisa. Por que o marido de Rânia nem se toca?
• aperta na estrelinha •
Não pare de sonhar! ✨
VOCÊ ESTÁ LENDO
Libertinagem
Teen FictionEm uma sociedade totalmente preconceituosa, existe Dagmar, uma trans que corre atrás pelos seus direitos. Mas morando na favela, o que não tem é respeito, mesmo ela sendo filha de um dos traficantes mais temido do Rio de Janeiro.