• capitulo 24 •

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Ellen

Desde pequena eu sabia o mundo terrível que Dagmar teria que lutar. E eu estaria do lado dela. Eu tinha medo do que ela iria encontrar pelo mundo, eu lutaria até o fim pra ela viver em um mundo “ tranquilo ”, mas é meio que impossível.

O olhar das pessoas, os julgamentos e a maldade. Época de escola, quando ela tava em transição, foi uma época difícil demais. Preconceito tanto com as pessoas que estudavam com ela, quanto com professor e outras pessoas sujas.

Deixei ela ciente desde quando veio falar comigo.

Seja você, independente do olhar de julgamento, do que a pessoa falar ou agir, ela tinha que estar preparada que infelizmente nesse mundo a gente não tem respeito.

Dag sempre lutou, o sonho dela era fazer um projeto para todos dos Lgbtqia+. Sempre apoiei, mas com medo, medo do que as pessoas poderiam fazer com esse olhar dela, olhar de querer ajudar e lutar a favor do direito de todos.

O porque a mona não pode trabalhar? O que tem ela ser mulher mas no documento tá tudo masculino? Ou ao contrário?

Por muitos anos eu sofri acordada de madrugada rezando pra que nenhuma maldade chegasse a isso que chegou. Eu tinha pavor em pensar.

Aliás, eu nem pensava.

Dag fazia acompanhamento com psicólogo, e isso ajudou muito a saúde mental dela.

Querendo ou não, acaba com qualquer um.

Eu lembro quando ela veio pra mim e disse que tinha tido a primeira decepção amorosa. O menino cuspiu na cara dela.

Por que ela era “menino”.

Isso machucou nela, mas doeu em mim também. Passado um tempo, ela estava bem, mas eu não. Eu tinha medo, medo por ela.

E ela sempre com fé e esperança que tudo mudasse, que a cabeça das pessoas evoluisse. Eu torcia muito, pois desde que ela teve certeza que queria estudar, eu fiquei com medo. Medo do que seria na faculdade. Medo do que as pessoas poderiam falar e acabar desmotivando ela.

Medo das pessoas...

Eu que sempre fui durona, tinha medo do que fossem fazer com Dagmar...

Quando o médico disse o estado e tudo, ai que pra mim acabou, eu fiquei sem chão, eu abri maior berreiro. Ele tentou me acalmar mas nenhuma palavra que me falassem ali, adiantaria. Eu só queria que minha filha ficasse bem.

Vocês não imaginam o sofrimento de uma mãe em saber que nesse mundo horrível, as pessoas humilham e maltratando tua filha pela orientação sexual...

****

• F l a s h b a c k •

Mas quando eu soube, eu senti meu coração rasgar. Miriã o caminho todo do Rio até São Paulo, não abriu a boca. Levou a gente em um hospital. Eu não entendia nada, quando ela me levou pra dentro e me explicou, eu já não estava mais suportando, eu não queria acreditar o quão cruel as pessoas são. Eu não conseguia pensar, eu comecei a chorar feito criança, por que o que eu sempre tive medo aconteceu.

Eu entrei naquela sala já tremendo, eu me sentei e já sentia que minha pressão tinha caído. Eu soava frio, eu estava gelada...

— Responsável por Dagmar? - O médico perguntou.

— Mãe! - Sussurrei.

Ele sorriu sem mostrar os dentes e começou a mexer nos papéis.

— O caso de Dagmar é delicado. Ele... Ela teve um traumatismo craniano encefálico, as pancadas que foram dadas, foi com muita força... - Ele dizia e eu viajava na voz dele. - A parte do ânus foi danificado, pelo jeito o estupro foi bruto demais... ja o órgão genital foi afetado também, como Dagmar é um trans, não sei como seria, mas você assinaria a liberação da cirurgia de mudança de sexo? Os órgãos genitais foram decapitados metade... Só precisaria da sua autorização... - O médico disse.

Eu sentia o choro na garganta, eu só sabia chorar, eu assinei aquele negócio tremendo.

— Você vai trazer minha filha de volta? - Perguntei chorando.

— Eu tentarei o possível! - O médico disse.

*****

Eu sai do hospital com o celular na mão, eu me sentei em um dos bancos que tinha ali e disquei o número de Orelha.

Eu não ia ficar com essa dor só comigo. Eu precisava dele.

— Orelha! - Chamei ele logo que atendeu.

— O porra eu tentando falar contigo e tu nem manda um papo de como tá as coisas aê! - Orelha falou do outro lado da ligação.

Eu suspirei fundo.

— Dagmar... Arrebentaram ela... Ela vai entrar na cirurgia Orelha. Estupraram ela Orelha! - Gritei vendo muita gente me encarando.

Eu ouvi um barulho no fundo da ligação. Orelha falava com alguém.

— Que papo é esse Ellen? To gostando dessas paradas não. Qual é do caô? - Orelha disse.

— Vem pra cá Orelha, eu preciso de você comigo. - Falei com a voz de choro.

Ele ficou em silêncio.

— Calma pô, to indo. Logo to aê... - Ele disse mas dava pra ver pela voz a agitação dele.

Ele desligou na minha cara. Eu fechei meus olhos e mordi a boca sentindo aquele aperto no coração.

F l a s h b a c k  o f f •


• aperta na estrelinha

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