Cecília
Fiquei a madrugada toda virada. Meu pai não deixou eu ir ver Tsunami. Fiquei andando de um lado pro outro, e quando e meteu o pé pra boca, eu meti o pé pro postão.
Guiei entre becos e vielas no pinote, parece que quanto mais eu andava rápido, mais ficava longe o postão.
Quando eu já tava pertinho de chegar, encarei saindo do beco quem eu não queria papo...
Dagmar!
Entrei e fui na recepção falar com a moça, ela disse que era pra esperar, pois não sabia se ele poderia ser visitado.
Dagmar entrou e foi falar com a mesma moça que falava comigo. Ela tava toda arrumadona.
— Eu vim saber do Bazilho! - Dagmar disse.
Eu olhei de canto e ri pelo nariz.
— O caso dele vai ser transferido pra um hospital particular, o caso dele é grave... - A enfermeira surgiu do nada falando. - Você pode me acompanhar pra eu te informar? Você é o que dele? - Ela perguntou.
Eu olhei Dagmar e ela foi caminhando.
— Conhecida! - Dagmar disse e foi caminhando saindo da minha vista.
Eu me virei e a moça da recepção me encarava.
— Bazilho tá pior que Tsunami. Eu preciso ver Tsunami! - Falei alto.
Ela ficou miudinha, ela saiu dali e logo voltou com uma enfermeira. Ela me guiou até uma sala aonde tinha um médico.
— A senhorita é? - O médico disse estendendo a mão com uma cara confusa.
— Sou namorada do Tsunami, vim ver ele e saber dele! - Falei firme.
— Tsunami? Ah! - O médico disse arqueando a sobrancelha. - Tsunami não está no momento de receber visitas, ele vai ficar por enquanto aqui, estamos fazendo o melhor que podemos, mas não temos nada pra remover as balas, então sugerimos que ele seja transferido! - O médico disse e na mesma hora eu neguei.
Eu comecei a andar de um lado pro outro.
— Daqui ele não sai. Você sabe o quanto é perigoso ele sair daqui da favela? É um risco enorme, na primeira vacila a cabeça dele roda! - Falei e o médico parecia estar assustado. - Fala com o meu pai, ele te arruma a grana que for, mas Tsunami tem que ficar aqui, fazer tudo aqui dentro da favela! - Falei.
Ele não disse mais nada, eu sai daquela sala e fui caminhando abrindo portas até encontrar Bazilho. Ele estava inchado e roxo, eu ia fechar a porta mas eu não consegui e entrei.
Eu não devia tá aqui!
Fui caminhando até ele e vi as faixas, os fios, alguns tubos...
— Me desculpa... - Sussurrei.
Eu me virei e fui saindo lentamente. Eu fui caminhando e acabei achando o quarto do Tsunami, quando eu abri a porta, eu me assustei...
— Tá fazendo o que aqui? - Meu pai disse se levantando.
Eu engoli sequissimo.
******
Dagmar
Sai do postão com o coração quase saindo pela boca. Fui saindo da favela e nem vi nada, quando percebi eu já tava dentro do busão indo pro meu trampo.
Ih, não é porque eu virei estilista que não vou andar de busão. A gente não pode esquecer das nossas origens não mona.
Trabalhei o dia todo com a cabeça lá no postão. O negócio do Bazilho era sério, ele tava com o pulmão afetado, a perna e ombro. Mas o que tava com a gravidade toda mesmo, era o pulmão, o esquerdo tinha sido atingido, e já estava afetando a parte do coração.
Nunca da pra me envolver com alguém.
O primeiro é um escroto casado.
O segundo é um escroto casado e com filha.
E ele, não vi defeitos ainda. Filho de uma puta.Eu passei o dia todinho torcendo pra que eu fosse embora logo, e quando deu a hora, eu meti o pé, peguei um busão lotadão.
Os zés sobaquentos ardidos tudo lá quase esfregando o sobaco na nossa cara.
Quando eu tiver no meu sonata...
Meu celular tocou, eu atendi sem nem ver quem era...
— Oi? - Atendi.
— Aonde você tá? - Ouvi a voz ofegante do meu pai.
— To chegando quase, por que? - Perguntei.
— Pô, não vai da pra te esperar hoje, Curió te espera... Coração de Bazilho parou, tenho que meter o pé pro postão! - Meu pai disse do outro lado da linha.
Eu desliguei na hora.
Aquilo me deixou tonta, eu fiquei encarando o nada. Me levantei na hora e fui dando sinal pra descer. Eu desci uns cinco minutos do meu ponto. Eu não ia aguentar ficar naquele ônibus sentada imaginando.
Preferir ir andando.
O problema é que parecia que eu nunca chegava...
• aperta na estrelinha •
Tudo passa! 🦄
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Libertinagem
Teen FictionEm uma sociedade totalmente preconceituosa, existe Dagmar, uma trans que corre atrás pelos seus direitos. Mas morando na favela, o que não tem é respeito, mesmo ela sendo filha de um dos traficantes mais temido do Rio de Janeiro.