Dagmar
5 anos depois...
— Não é fácil ser uma mulher nessa sociedade machista e suja em que vivemos não psi! - Falei suspirando.
Sempre fiz acompanhamento com psicólogo, desde de sempre, minha mãe sempre achou eu ter um acompanhamento por que eu passaria por coisas que eu nem ia imaginar. E depois que tudo aconteceu, eu comecei a ir no Danilo, ele era meu psicólogo e além de tudo, me entendia... Sim, Danilo era trans também.
Não foi fácil, eu prometia pra mim mesma que ia esquecer e deixar pra trás tudo, e por fim tava eu lá lembrando de tudo e me enfiando na minha própria bolha. Era horrível, passei noites acordada, tomava meus remédios diariamente, mas chegou uma hora que nem isso me ajudava mais.
Danilo fez questão de me ajudar de qualquer jeito. Começamos a fazer o acompanhamento psicológico em um parque. Eu não conseguia sair pra nenhum lugar, apenas da facul pra casa.
— Eu quero ajudar as mona, as minas, tudo. Eu vou voltar pro Rio, e quero deixar tudo isso aqui em São Paulo. Eu conquistei quase tudo que eu queria. - Falei.
Danilo me encarava atentamente.
— Eu tiro o chapéu pra você. Você teve garra e perseverança e isso eu admirei demais em você. Por mais que teve suas recaídas, você sempre tava ali tentando mudar de algum jeito. - Danilo disse. - Fico bem feliz de ver você agora assim, depois de ter conseguido muita coisa. - Ele terminou de dizer e eu apenas assenti.
Eu tinha conseguido. Eu tinha conseguido “superar”, se é que eu posso usar essa palavra. Eu apenas tento não lembrar de coisas que me feriram e que não vão acrescentar em nada na minha vida. Eu tinha conseguido meu silicone. Tinha conseguido a operação logo que havia ocorrido tudo, e além disso, consegui o sexo feminino nos meus documentos. Pra muitos isso não é nada, mas pra mim foi mais do que ganhar na loteria.
— Eu agradeço pela paciência por me aguentar por esse tempo todo! - Falei abraçando ele.
— Eu que agradeço, quero notícias e quero que fique bem, quero ver você planejando os desfiles! - Danilo disse e eu sorri.
Me ajudou muito, jamais me esquecerei.
*****
— Pronta? - Cecília perguntou.
Eu olhei pra ela e assenti.
— João Berto não vem? - Perguntei.
— Não, ele vai ficar nos pais, ele vai só no fim de semana. - Cecília disse pegando as malas.
Eu peguei as minhas malas e fui descendo. Tivemos que passar antes na casa do dono do apartamento e deixar as chaves lá e depois guiamos pro aeroporto. Ninguém sabia que a gente voltava aquele dia.
A gente tinha ficado um ano e meio a mais. Cecília tinha pego uma dp que foi só pelo sangue de Jesus viu.
— Ala, a gente já tá atrasada! - Cecília disse.
Eu olhei o relógio do pulso e revirei os olhos.
Se não for pra atrasar não é a gente.
*****
Quando pisamos no Rio, deu aquele alívio.
— Aqui sim é o meu lugar! - Falei sambando.
Cecília riu negando e fomos guiando pra fora. Pegamos o primeiro táxi que vimos e fomos pra favela.
— Tá preparada pra aquela vida de novo? - Cecília disse rindo.
— Tava pensando agora, será que a mulher do Tatão tá viva? - Falei rindo.
— Acho que não, aquele tal de Baseado, sei lá como chama o ex presidiário! - Cecília disse.
— E Tsunami em... Será que tá casado já? - Perguntei e Cecília na mesma hora me olhou.
Eu tava ligada nos sentimentos que ela ainda tinha por ele. Mas ela e o João tavam firme, ele tava até planejando de pedir ela em casório e tudo.
— Nem quero saber dele. - Ela disse encarando a janela.
Vocês anotam ou eu anoto?
• aperta na estrelinha •
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Libertinagem
Teen FictionEm uma sociedade totalmente preconceituosa, existe Dagmar, uma trans que corre atrás pelos seus direitos. Mas morando na favela, o que não tem é respeito, mesmo ela sendo filha de um dos traficantes mais temido do Rio de Janeiro.