~124~

355 42 9
                                    

Edgar estava em silêncio, com as mãos juntas atrás das costas, com os olhos azuis focados no oceano, mas distante em pensamentos de um passado conturbado.

Avril se aproxima sorrateira, descalço ja usando roupas novas de verão, roçando uma maçã na camiseta a polir com cuidado.

— É bonito não é? _ A voz grave de Edgar ecoa em um sussurro e Avril concorda sem esconder sua presença.

— As vezes me pergunto se o mar é como as pessoas... _ Avril se aproxima mais, parando ao lado do homem impecável que emanava autoridade. Apesar de ter declarado guerra contra ele, Avril se mantinha com o olhar passivo. Ela o odiava, mas era como pescar um peixe, precisa do momento certo para fisga-lo.

— Eu poderia perguntar o motivo de tal pensamento, mas de certa forma o compreendo com clareza. É bonito... O contraste céu e oceano, as ondas altas se chocando. E então percebemos que atrás de um belo sorriso existe algo dentro de nós se chocando contras as muralhas que construímos para nós proteger de nossas emoções que querem a todo custo sair..._ Edgar arqueia a sobrancelha de forma que embeleza seu rosto amargurado.

— Me pergunto quantas vezes elas quase fizeram minhas muralhas vir abaixo.

— Você é intrigante senhorita Bradson. Agora me pergunto o tamanho das ondas dentro de si que estão se chocando contra tais muralhas, enquanto tem que conviver com  alguém que odeia tanto e quando todos que você amava estão indo contra a verdade!

— O mar está calmo. Eu fiz minha escolha. Henry vai pagar pelo que me fez... E você também.

— Posso perguntar como faz isso? Como é tão capaz de abandonar tal sentimento que um dia foi tão intenso a ponto de enfrentar sua mãe? Será que de alguma forma superou a perfeição da X-04?

      Avril suspira e morde a maçã, ao terminar de mastigar enquanto encarava enigmática e admirada o oceano.

—  Eu sou da máfia. Você entende o que é isso? Não sou diferente de você... Fazemos parte da escória do mundo...

— Somos bandidos, criminosos que tentam se agarrar a luz do mundo para tentar nos tornar menos imundos. _ Edgar completa e Avril o olha de relance.

— Você realmente é um bom observador! Admiro seu silêncio, sei que está pensando em muitas coisas, apesar de você ser um maldito desgraçado ...

Edgar mantém seus olhos contemplando o horizonte.

— Enquanto estiver olhando apenas para o lado dos mocinhos, um vilão sempre será um vilão aos seus olhos. Veja ambos lados e poderá ter uma opinião melhor...

Edgar deixa sair um sorriso singelo em seus lábios endurecidos.

— Tento vê-lo, mas, você continua sendo um maldito desgraçado aos meus olhos! Você matou pessoas quais eu amava... Não há motivos para que eu sinta piedade ou algum tipo de feição por você, nosso convívio é meramente suportável devido aos nosso foco similar!

— Isso te torna mais forte do que imaginei..._ o sussurro de Edgar tem um tom diferente de sua rispidez, algo como um pensamento distante de uma pessoa a falar consigo mesma. — Vou compartilhar algo com você. Um pensamento intrigante que tenho certeza que vai concordar comigo.  _ Respira fundo como se estivesse organizando a linha de raciocínio. _ É intrigante o fato dos cod-X se relacionarem entre si! Eles não foram treinandos para serem cativos de tais sentimentos, mas o fato intrigante está em como isso se diverge. Jackie e Beatrice, Ashley e Marco, Apollo e sua paixão platônica por Ashley... Sabe o que todos eles tem em comum?

— As dores. _ a resposta calma e sussurrada de Avril pega Edgar de surpresa. Ele esperava uma resposta fútil como " o treinamento".

— Sim... As dores! Seu pai era um garoto que mal recebia antenção do pai, ele cresceu vendo a traição dele com a mãe.  Ele tinha que ser um homem desde cedo, e teve que assumir a máfia ainda sendo tão jovem. Ashley, uma menina de rua, que revirava latas de lixo e se escondia de baixo dos papelões a noite para que nenhum pervertido viesse a colocar seus olhos nela. Se você me perguntar se o comportamento sorrateiro dela veio do treinamento, eu tenho minhas dúvidas... Acho que isso é próprio dela muito antes de se tornar um cod-x. E eles afortunadamente se encontraram e começaram a se relacionar. _ Edgar faz uma breve pausa. _ Jackie, um homem que via o canalha do pai maltratar e trair a mãe, o tal era míseravel que roubava as economias para apostar em jogos de azar. Ainda jovem, Jackie teve que se tornar o homem da casa, tomou as próprias providências para tirar tal homem do seu lar para o bem da mãe e do irmão mais novo. Entrou no exército, passou 11 anos longe de casa por causa de uma situação mal resolvida. Beatrice, filha biológica de uma prostituta com o ex melhor amigo do pai adotivo. A vida inteira vivendo em uma família de mentira, mas conseguiu escapolir por uns tempos. Apollo, carregava o fardo de ter que aguentar tudo pela meia- irmã, sofreu incontáveis traumas psicológicos ainda sendo tão jovem. Ele fugiu, não aguentou e abandonou a irmã a própria mercê. Carregou durante anos a culpa por isso... E chegando a uma conclusão, os cod-X são pessoas treinadas para serem sozinhos, oceanos em tempestuosos guardados por fortificadas muralhas... e essa solidão é avassaladora. E quando se conectam com outro cod-x, é tão intenso, devido a única e exclusiva sensação de ser compreendido.

DecodificaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora