Capítulo 1

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Estava sozinha outra vez, até me acostumei. Estava a beira de um rio vendo os pingos da chuva caírem na água, embaixo de uma árvore eu ficava vendo isso como se fosse um passatempo. Mas tudo é uma forma de esquecer tudo que passo durante todos esses dias que parecem ser sempre noites. Já estou aqui a tanto tempo que não me lembro quando tudo começou, acho melhor ir embora, já vai escurecer e tenho que conversar com meu pai. Hoje eu vou falar aquilo pra ele e não vou ter medo se ele ficar bravo comigo, eu não aguento mais passar esses dias aqui vendo a chuva cair somente pensando nisso.
Me levantei do chão e sair debaixo da árvore ficando embaixo da chuva que parecia ter ficado mais forte, eu não me importava com isso, eu já estou tão acostumada com tudo isso que quase não consigo sentir os pingos na minha cabeça e no meu corpo.
Meus pés estavam enlameados e eu olhava aquilo meio indiferente, como se nunca tivesse acontecido antes, eu já passei isso a minha vida toda, uma pequena parte da minha memória trazia lembranças de quando eu era... Talvez nos meus anos de vidas antigos. Nunca fui criança como os humanos dizem. Eu gostaria de ter sido, gostaria que tudo isso fosse diferente. Não um ser do mal e das trevas como meu pai diz, seu orgulho é saber que estou praticando suas habilidades que ele diz que eu tenho também. Mas sempre digo que estou ficando melhor a cada dia, mesmo não estando fazendo nada. Eu não quero decepciona-lo dizendo que não tenho nada do que ele tem. Não sou parecida com ele.

Não percebi que já estava bastante molhada e já tinha chegado nas três árvores grandes que ele costuma aparecer. Eu não sei oque tem nesse lugar que ele gosta de ficar e para conversar comigo, raramente isso acontece. Mas eu fiquei aqui parada meio encolhida e nervosa de dizer aquilo pra ele hoje. Eu estava olhando todos os lados vendo se ele dava algum sinal de que já estava aqui, eu só escutava a chuva e nada mais. Já estava bastante escuro, eu não sei porque ele ainda não veio.
-pai?
Chamei uma vez encolhendo meus braços deixando minhas mãos embaixo do meu queixo esperando por alguma resposta dele. Mas não tive nenhuma, eu fiquei um pouco estressada com isso, ele nunca fez uma coisa dessas comigo. Logo agora eu quero conversar com o senhor!
-diga minha querida
Escutei sua voz passando atrás de mim mas quando eu virei de costas ele não estava lá. Eu não vi nenhuma sombra por perto como ele costuma começar a surgir, eu nunca soube porque ele gosta de se esconder. Continuei encolhida e fiquei atenta a outra frase sua porque eu preciso mesmo tocar nesse assunto com ele.
-queria falar com o senhor
Falei alto e em bom tom quase para todos os lados pois eu não via ele. Eu não escutei mais nada e continuei parada aqui no meio das três árvores me sentindo sozinha.
Mas depois eu sentir uma mão pegar no meu ombro e eu quase fico assustada se não sentindo o frio dos seus dedos e o tecido negro que eu quase pisei em cima por está de costas pra ele. Sua forma natural e a que ele usa para conversar comigo, era de um humano, mas tinha os olhos totalmente pretos e o rosto normal com um sorriso que eu sempre achei estranho por ser frio demais e só mostrava ele pra mim. Tirei o tecido que cobria sua cabeça e o abracei com força passando meus braço pelo seu pescoço ficando na ponta dos pés por ele ser alto demais.
-onde estava ontem?
Perguntei me soltando dele e me afastei para poder olhar pra ele direito e saber onde ele tinha ido ontem porque me deixou sozinha aqui chamando por ele.
-você sabe, mas oque quer falar comigo?
Ele começou a andar passando do meu lado deixando sua capa escura passar por cima de meus pés, eu fiquei mais nervosa ainda quando ele me lembrou disso. Eu desisto... Não vale a pena discuti sobre isso outra vez, ele nunca me escuta mesmo, não sei porque pensei que ele agisse diferente agora.

Virei para ficar de frente pra ele passando minha mão no meu cotovelo tentando pensar em outra coisa pra falar além disso. Percebi que ele estava sentado sobre o tronco de árvore que ficava perto de uma das outra maiores. Eu vi que ele ainda estava me olhando sério demais já me assustando e eu joguei fora aquelas coisas que tinha pensando em dizer à ele. Só vou deixa-lo irritado comigo, sei que não posso tocar nesse assunto e mesmo assim eu teimo.
-eu... Deixa pra lá
Falei sem olhar pra ele ainda massageando meu cotovelo visivelmente nervosa, mas eu tentei me acalmar um pouco olhando para o chão e depois resolvi ir embora caminhando para direita ignorando ele me acompanhando com seus olhos. Eu vou ficar sozinha de novo para pensar nisso direito.
-espere
Parei na hora e olhei pra ele com um pouco de medo porque vi que ele ainda estava muito sério, evitei ficar muito tempo nos seus olhos escuros e que agora me davam medo. Eu tentava ser cautelosa com tudo que faço na sua frente, tenho que tomar cuidado com minhas palavras e tudo que converso com ele, posso acabar o provocando como... Da última vez.
Mas depois que ele colocou sua mão no tronco me chamando para sentar do seu lado, eu fiquei mais um pouco calma e deixei aquele medo de lado, eu sei que ele nunca me machucou e nunca vai fazer isso comigo. Mas oque me apavora são os castigos.
Tentei ser bem normal andando para perto dele e sentar do seu lado ficando com as pernas suspensas por eu ser um pouco pequena demais para altura do tronco da árvore que servia de banco. Eu fiquei com as mãos dos dois lados do meu quadril e permaneci imóvel olhando para minhas pernas balançando. Eu queria que ele dissesse alguma coisa primeiro.
Mas ele só fez passar seu braço envolta de mim e eu fiquei embrulhada com o tecido grosso da sua capa, encostei minha cabeça no seu ombro e puxei o tecido até cobri meu corpo inteiro, ele não cheirava a nada, sua mão estava no meu ombro também e ela era fria demais, uma coisa normal pra mim por ser do mesmo jeito. Eu imaginei sua expressão ainda séria como se ele tivesse preparando alguma coisa para dizer à mim.
-não quero mais ver você perto daquele lugar
Sua voz estava baixa, mas eu podia ver oque tinha por trás dessa simples frase, eu não sei se ele refere a pequena cidade que gosto de ficar observando e de vez enquando passar perto de lá só para ver os humanos, eu nunca mais fui lá, a última vez foi três dias atrás. E eu pensei que ele não soubesse...
-sim senhor
Disse apenas isso negando por dentro porque eu gostava de fazer aquilo, não vejo nenhum mal em ficar perto daquele lugar. Qual é a chance dele descobri que vou mais uma vez lá?
Eu comecei a senti um pouco de raiva dele por me proibi isso, esse tipo de coisa que eu faço é para me sentir menos sozinha vendo os humanos de perto, eu queria até conhecer um. Mas é claro que talvez ele me mataria se descobrisse.
-preciso ir agora, mas você fique por perto
Disse sim com a cabeça escondendo minha expressão. Esses eram nossos momentos de sempre, ele ia embora e me deixava sozinha, eu nunca perguntei para onde ele ia porque já sabia que tipo de coisa ele vazia. Quando eu não senti mais sua mão no meu ombro eu já sabia que tinha ido, eu fiquei com um pano sobre meu corpo e olhei para todos os lados como se ainda pudesse vê-lo. Me cobri com o pano passando por cima da minha cabeça para me proteger da chuva até chegar em algum lugar que pudesse dormir. Desci do tronco da árvore e pisei no chão com força sujando meus pés mais ainda pela lama, eu estava encharcada e meu vestido me incomodava grudando no meu corpo. Mas eu continuei andando ignorando isso e procurava algum lugar seco pela floresta. Passei perto do rio que estava mais cedo e decidi dormir no mesmo lugar que fiquei naquela hora. Me abaixei contra o tronco da árvore e fiquei entre suas raízes encolhida e cobertas pelo pano que ele deixou pra mim. Era difícil dormir molhada, mas eu não via muita dificuldade nisso. Eu só pensei no que podia ter conversado com ele naquela hora. Desperdiçada mais uma chance.

Uma garota sozinha na floresta Onde histórias criam vida. Descubra agora