O Silêncio do Uchiha

Aqui e Agora

Eu dormi sozinha e acordei da mesma forma, deitada em uma cama de solteiro e vestida com todas as minhas peças de roupa.
Isso é tão estranho.
Não gosto da sensação de não ter os braços do meu noivo ao redor do meu corpo, não sentir sua respiração em meu pescoço, ou de não ter o seu dorso macio para me deitar. E isso é culpa do meu pai.
Uma simples cama não é absolutamente nada perto de Sasuke-kun.

- Está sentindo falta de mim.

Eu quase caio da cama, me segurando no colchão da forma que dá para evitar a queda. Mesmo que tenha ficado em uma péssima posição, com a cabeça pra fora da cama, meus olhos ficam no máximo entreabertos porque o sono me impede de fazer mais que isso.
Encostado contra a janela, há um par de olhos preto e roxo me observando, um sorriso discreto nos lábios.

- Sakura, eu...

Pela forma como estou pendurada na cama, eu o vejo se aproximar de ponta-cabeça. Como se eu fosse a rainha de um xadrez de vidro, Sasuke-kun me pega pela cintura e coloca de volta no colchão com cuidado, sinto seu calor ao meu lado e me encolho contra ele.

- Podemos conversar?

Ouço sua voz e assinto sem dar tanta atenção, eu apenas murmurro algo, com a mente distante e coberta por uma névoa de sono.

- Eu acho que tô tendo muitos pesadelos essa noite e isso está... me assustando.

Ouço tanta agonia em sua voz que a névoa se esvai na mesma hora que recebo o alerta de que a pessoa que mais amo no mundo não está bem. Meu coração se parte quando levanto minha cabeça e encontro seu rosto, iluminado pela luz do luar que passa pela janela do quarto. Posso ver apenas o suficiente para saber que ele está com os olhos bem abertos -diferentemente de mim, que só agora estou conseguindo levantar minhas pálpebras.

- Não queria acordar você, mas sozinho eu não consigo parar de pensar em...

Ele morde o lábio inferior, dispensando o que ia dizer.

- Acho que se eu dormir de novo, posso acordar seus pais e ferrar com tudo se deixar eles descobrirem que sou assim. Pensei em sair da casa e caminhar, mas isso te deixaria preocupada. Não soube o que fazer.

Meu deus.
Já totalmente desperta, eu me afasto um pouco para prender o cabelo e rapidamente volto a me aproximar, deitando a cabeça no braço de Sasuke-kun. Com meu corpo virado na direção do corpo dele, o mesmo me abraça para nos manter bem próximos.

- Eu dormi bem ontem à tarde e pensei que não teria problemas agora, mas... Fico acordando sem conseguir respirar direto.

- Você conseguiu se lembrar dos pesadelos?

Pergunto de imediato, apoiando uma mão no peito dele para levantar minha cabeça e encontrar seus olhos perturbados.

- Não, ainda não me lembro de nada especificamente.

Ele diz como se isso nem fosse o mais importante, e não é. Sasuke-kun não quer falar dos pesadelos em si.

- Pode tentar dormir comigo, se quiser. A gente enrola meu pai ao amanhecer.

- Não.

Ele fica me olhando em silêncio por alguns segundos, então começa a se afastar, como se tivesse desistido de algo.

- Eu vou deixar você dormir.

- O quê? De jeito nenhum!

Eu o puxo de volta para o colchão e vejo seu corpo cair sem resistências.

- Não quero mais dormir, Sakura. Nunca mais.

Invertendo as posições anteriores, dessa vez eu o abraço para mostrar todo meu apoio. Meu noivo não parece triste dessa vez, ele só parece... realmente abalado.

- Quer uma explicação biológica, Sasuke-kun?

- Qualquer coisa que me distraia.

- É o seguinte: nosso cérebro entende que certas coisas precisam ser superadas para que a gente possa seguir em frente, e o mecanismo de regulação emocional faz a memória ser mais fortemente armazenada quando ligada à certas emoções. Então...

Levanto uma mão e percebo que ele respira com mais força na mesma hora, como se eu pudesse simplesmente ir embora a qualquer momento. Mas apenas continuo minha explicação, agora acariciando seus cabelos.

- Nosso cérebro entende que se passarmos novamente por aquela determinada situação, a gente vai conseguir dissociar memória e emoção, então a gente sonha com momentos que nos fizeram viver grandes emoções, sejam elas boas ou ruim.

Sasuke-kun levanta a cabeça e me encara, agora parecendo envolvido em minha explicação.

- Isso quer dizer que, na maioria das vezes, você está sonhando para superar.

Ele enruga o nariz por um segundo.

- E se eu não sonhasse e conseguisse esconder a memória e a emoção. Assim seria mais fácil, não é?

Eu inclino a cabeça e deixo um beijo na testa dele, lamentando por ver que ainda opta por jogar os sentimentos pra baixo do tapete.

- Não é saudável, Sasuke-kun. O que expliquei ocorre de uma forma muito perfeita e complexa para que você não venha a desenvolver depressão, ansiedade ou transtorno de estresse pós-traumático.

Ele pisca pra mim e depois olha para o lado, mas já sei que tem algo aí.

- O que está pensando?

Pergunto sem delongas e o vejo hesitar um pouco, mas logo responde:

- Ter os sonhos também me deixa ansioso.

Sasuke-kun está brincando com a bainha da minha blusa entre seus dedos freneticamente, às vezes simplesmente para e aperta o tecido.

- Ei... Tem certeza de que não se lembra do pesadelo?

- Nem um pouco. Quando acordo, só fica a sensação de vazio...

Se não estivéssemos no meio da noite totalmente silenciosa, eu não teria ouvido sua voz.
Eu não quero chorar, porque nem mesmo Sasuke-kun está chorando. Mas não é fácil ver que ele ainda tem problemas para fazer coisas normais, porque continua preso à ocorridos que, sinceramente, não sei se há como superar.
Ele fechou o corpo, a mente e a alma há muito tempo.

- Não vamos desistir, tudo bem? Eu acredito em você, Sasuke-kun. E acredito que deva ser feliz.

A mão dele aperta minha blusa de novo.

- Tudo bem.

Uma resposta simples é tudo. Estou perdida em meus próprios pensamentos quando sinto meu noivo se movendo para ficar de joelhos. Ele se vira e toca minhas pernas sutilmente, deslizando os dedos por entre meus joelhos para pedir permissão, eu abro as pernas e ele desliza entre elas. Chega mais perto e deita seu corpo sobre o meu, soltando o peso devagar.

- Está pesado demais?

- Não. Está ótimo.

Digo com um pequeno sorriso, Sasuke-kun olha para minha boca e volta para meus olhos, então vira a cabeça e apoia no meu colo, onde seus cabelos acariciam com nossas respirações e ele permanece debruçado em mim.

- Durma, garotão.

- Não.

Ele diz sem virar a cabeça para mim, mas passa os braços por baixo dos meus e segura em meus ombros, como se estivesse oferecendo um abraço.

- Só um pouquinho?

- Não, Sakura. Não quero te assustar.

- Está tudo bem, de verdade. Você sabe que eu acordo quando você está agitado.

- E se não acordar?

- Confia em mim, garotão. Eu cuido de nós dois dessa vez.

Não o ouço suspirar, mas sinto o ar quente em minha pele.

- Hm.

Entendo isso como um "sim" e acaricio seus braços para mostrar minha satisfação.
Meu sono voltou tão rápido que não pude ver se Sasuke-kun já tinha adormecido quando eu mesma o fiz.