Afeto ao Pôr do Sol

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Mais tarde naquele mesmo dia, acompanhei a Sakura até o hospital, já que iniciaria mais um plantão, e também para já retirar as suturas das minhas costas.
Eu acompanhei minha noiva até uma sala reservada para os médicos e enfermeiros, e o caminho até lá foi... estranho. Ela estava sendo parabenizada pelo noivado, e consequentemente eu também, mas ainda assim... foi estranho.
A simpatia das pessoas sempre foi algo raro pra mim, nunca me acostumei. Eu não soube como reagir, então apenas observei as incontáveis vezes em que minha esposa abriu seu sorriso cheio de vida e agradeceu.
Só de poder olhar pra ela eu já me sinto menos deslocado aqui.
Posso sentir seu carisma.

Na sala particular -onde eu tenho certeza de que não deveria estar- há muitos jalecos brancos e canecas cheias de café passando pra lá e para cá em mãos de gente apressada, com olhares curiosos.

Eu não estou doente.
Mas tenho certeza de que eles sabem disso, e provavelmente é por isso que estão me olhando assim. Só tem doentes e profissionais aqui, não sou nem um e nem outro.
Ou talvez não... talvez seja só por ser exatamente quem eu sou.

- Você se perdeu, foi?

Tem um homem parado em minha frente, não muito diferente de todos os outros que estão entrando e saindo da sala o tempo todo. A maior diferença é que esse teve tempo -e coragem- para falar comigo.

- Não.

- Você é um estagiário?

- Não.

- É... Sei que não. Enfim, o que está fazendo aqui? Sabe que essa área é para os médicos, certo?

- Sim.

De repente ele parece empolgado. Se inclina na minha direção e fala mais baixo.

- Já que tem tempo pra ficar parado, se você acabar vendo a doutora Haruno por aí, diz que eu quero falar com ela. Beleza?

Levanto um pouco minhas sobrancelhas quando ele pisca um olho para mim, como se eu devesse entender algo que ele quer dizer com isso. Mas eu não sei o significado, na verdade.

- O que você quer falar com a minha noiva? Eu mesmo posso passar o recado.

Vejo o rosto do homem mudando à minha frente, passa da presunção para uma falsa surpresa.
Ele já sabia que ela é minha noiva.

- Ah, cara, que droga!

Ele resmunga com um sorriso.

- Eu achei que todo mundo estivesse brincando comigo.

- O que quer falar com a Sakura?

Insisto em saber, conduzindo-o a continuar com seu jogo infantil.

- Bem, como ela é a melhor médica ninja de Konoha, eu estava pensando em...

Mas eu paro de me importar com isso quando vejo o crachá em seu jaleco.
Sato Akira.
Um rápido flash liga as poucas memórias que tenho relacionadas a esse nome, então rapidamente me lembro do que Sai me contou.

Esse é o cara que ficou num armário com a minha noiva.
Ele ainda está falando uma porção de mentiras com as quais não me importo.

- Akira.

Ele engasga assim que digo seu nome. Está parecendo ofendido, mas isso é porque não sabe que eu não uso os honoríficos.

- Opa, opa... Nós não temos essa intimidade.

- Com certeza não.

- Eu aceito um "sen-

- Que seja. Se olhar ou tocar a minha esposa de novo, se ficar no mesmo lugar fechado com ela, eu mato você.

Ele solta uma risada, desacreditando. Mas seu sorrisinho cínico vai sumindo à medida que falo.

- Não se dirija à Sakura. Se ela falar com você, responda o necessário e cai fora.

- Espera aí. Eu não fiz nada de mais com ela, eu só...

- Não acredito em você, então cala a boca e escuta: se você desrespeitá-la de novo, eu mato você.

Ele pestaneja por três segundos de silêncio, depois franze o cenho pra mim.

- Acha que manda em mim? Você não ousaria.

- Eu não vou provar o contrário se não me der motivos.

Ele ri tão escandalosamente que alguns olhares se voltam para nós, e eu realmente não me importo em provar absolutamente nada pra ele -apesar de não entender por que ainda está tentando me irritar.

- Caramba, é exatamente como dizem! Você, Uchiha, é um louco sem humanidade alguma.

Ele finge um olhar interessado e depois cuspe mais merda

- Ainda bem que os outros da sua laia se mataram. O único erro nisso foi deixar um lixo como você.

Ele grita essas palavras para a sala toda ouvir, na tentativa de uma humilhação pública. Meu sangue ferve e corre pelo corpo todo. É preciso um esforço hercúleo para não fraturar o maxilar desse cara.
Ele aponta um dedo muito perto de mim e a primeira coisa que penso e em dobrá-lo até destroçar os ossos e estar apontado para o lado oposto.

- Também precisou ameaçar Sakura pra conseguir que ela se casasse com vo-

Já é tarde demais.
A minha paciência se esvaiu no momento em que esse cara insultou meu clã e aclamou o massacre, mas eu me controlei.
Agora, supor que minha noiva deixaria alguém ameaçá-la dessa forma...

- Eu disse: não vou tolerar que a desrespeite de novo.

Eu estava prestes a retroceder por conta desse imbecil, a minha mão já estava perto de fechar em seu pescoço.
Mas em uma questão de milésimos de segundo tudo muda.
Sakura está de pé ao meu lado e o insignificante está no chão, em nossa frente.
A mão da minha noiva ainda fechada após acertar um soco na cara dele.

- Não ouse insultar meu noivo e a mim de novo, Akira.

Há um desprezo tão grande no tom de voz dela que ouço o cara bufar em meio aos seus resmungos, mas ele mal levanta a cabeça para encarar Sakura nos olhos.
Ela é incrível.
Mas não posso ignorar... Minha mente está dividida entre o que ele disse antes e o que eu realmente estava prestes a fazer.
Quero esmagar a língua dele dentro de sua própria garganta, mas não quero querer isso...
De repente eu ouço a voz de Sakura e algo me desperta, me puxando de dentro da minha própria mente. Imediatamente presto atenção em suas palavras, mas atento enquanto o cara se levanta do chão, parecendo desnorteado.
Temos plateia.

- Mas que porra, Sakura... Vai se foder, seu noivo é um assassino doente!

É inacreditável que ele já esteja gritando comigo de novo. Minha noiva vira a cabeça e o encara com um olhar firme -e sei que se fosse direcionado pra mim, já estaria querendo tomá-la em meus braços e beijá-la até fazer com que relaxe inteira. Mas eu me contenho.
Coloco uma mão no ombro de Sakura e ela olha para mim, em resposta mostro que posso lidar com isso, ela confia em mim mas deixa claro que não vai baixar a guarda.
Nossa comunicação acabou de acontecer com uma única troca de olhares, como se pudéssemos nos entender plenamente mesmo sem palavras, e eu nem sei quando foi que nos tornamos capazes de fazer isso.
Me aproximo o suficiente para abaixar o tom da voz e ainda assim fazer com que apenas aquele cara me escute.

- Continua falando e vai acabar perdendo todos os dentes da boca, seu merda.

Ele pestaneja e dá um passo para trás, me olhando um tanto aterrorizado, mas já estou acostumado com isso.

- Você é completamente louco.

- Sem humanidade. Louco. Homicida. Doente. Você não faz ideia do quão certo está. Mas, ganhou um soco em troca da sua vida. Deveria agradecer à ela.

- Agradecer? Eu levei um soco! Um soco!

Ele é tão idiota.

- Puta merda. Estou me segurando pra não...

Decido não dizer mais nada e volto a me afastar, mantendo uma distância segura para que eu não faça nada muito ruim na frente da Sakura.
Pelo menos, agora sei que ele vai se manter distante dela. A própria Sakura impôs os limites.



O Silêncio do UchihaOnde histórias criam vida. Descubra agora