Capítulo 23

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Ela bufou e deu um sorriso irônico.
- Você não tem nada a ver com isso. Agora
me solta!
Eu soltei o aperto automaticamente, vendo-a correr entre as árvores que cobriam
rendodezas do restaurante. Impedi meu corpo de segui-la – aquele era o fim, e eu teria de aceitar.
Caminhei até o carro, dando socos fortes contra o guidon. Eu estava tão devastado, que as lágrimas caíam sem permissão. A dor em meu peito era tão insuportável, que eu sequer conseguira me mover;
Eu não soube dizer quantas horas ficara parado naquele mesmo lugar, imóvel - entre lágrimas e dor - mas o sol estava começando a sumir quando minhas pernas e braços responderam aos meus
comandos. Meu corpo todo estava tremendo, e eu decidi não voltar para casa aquela noite. Tentei me agarrar aos motivos que me fizeram tomar aquela decisão - a esperança de mantê-la perto de mim. De qualquer forma que fosse possível.
Afoguei minha dor, em muitas doses de Whisky e Vodka. Eu estava tão bêbado, que sequer conseguira me levantar. Alguém me colocou em um táxi, rumo à minha casa. Eu adormeci no chão da sala, deixando que a bebida fizesse o trabalho de amortecer a dor de não tê-la. Mas a dor não sumia...estava lá. Inclusive nos meus sonhos; Ela era tão profunda quanto meu amor por Lu. Não passava nunca. Estava ali – latejante, ardente e constante.
Os dias não demoraram a passar como eu
imaginara - eu conseguira me afogar no trabalho para preencher a falta que Lu me fazia. Meus turnos antes de 8 horas haviam se estendido para 23 horas. Eu estava completamente acabado pelo trabalho. A minha mente descansava cada vez que perdia a batalha para o meu cansaço físico. Eu poderia perder as contas da última vez que vira Lu – ela estava linda, com um pequeno sorriso, indo em direção à cozinha. Eu mudei direção dos meus passos para evitar o nosso encontro. Meu coração parecia pular dentro do peito cada vez que pisava em casa - coisa que acontecia com menos freqüência. Eu via seu rosto em cada esquina que virava, em todos os rostos jovens que eu atendi no hospital. Lu era como uma fixação presente em minha vida - eu jamais consegui esquecer o seu sorriso doce, ou a curva perfeita de seus lábios. A saudade torturava meu coração, mas não vê-la ajudava no processo de cura. Eu sofria menos com alucinações, do que se estivesse ao seu lado. Eu havia considerado aquele o período que teria de me adaptar sem ela - após aquele período eu iria poder finalmente voltar a participar da vida dela. Tê-la perto de mim, com menos dor, e sem causar-lhe tanta dor. Meus pais ainda se faziam presentes em casa ја haviam algumas semanas, talvez, um mês. Eu não
conseguia calcular exatamente, talvez a bebida estivesse fazendo um bom trabalho, afinal. O hospital e o bar eram os meus refúgios – eu mal estivera em nesse período. Eu estava passando tanto tempo no hospital, que haviam médicas que me convidavam para sair. Eu sempre
recusava educadamente, sem sentir o mínimo interesse por outra mulher. Eu sequer conseguiria imaginar a cena de estar em um encontro com outra mulher. Eu sentia falta dela, da minha menina. Era a única que eu queria estar naquele
momento - eu me permitia lembrar dela, como o melhor acontecimento de toda a minha vida medíocre. Ela era um presente que eu havia recebido - e não iria estragar o gosto de sua boca sob a minha, guardado em minha memória, pelo beijo de outra sem nenhum significado para mim.
Eu queria guardar cada momento para mim - e precisava disso para saber que ela esteve um dia comigo. Eu estava no hospital como de costume, e o movimento estava fraco, o que estava fazendo-me delirar ao redor de Lu. Eu sentei contra das cadeiras da emergência, segurando meu rosto e a as mãos.
Ei, Fernando. - Eu fui acordado dos meus
pensamentos, pela minha colega de trabalho, que carregava um enorme sorriso sob o seu rosto. O nome dela era Elizabeth , ela tinha cabelos loiros e cheios, que combinavam perfeitamente com seus
olhos cor-de-mel. Ela deveria ser bonita - mas eu não conseguia vê-la dessa maneira. Ela já havia me convidado algumas vezes para sair – mas eu educadamente declinei do convite.
- Oi Elizabeth - Eu dei um pequeno sorriso, e
ela empurrou uma ficha para mim.
- Uma menina de 17 anos, caiu de uma moto e está com alguns cortes pela extensão da cabeça, braços e pernas. Você atende? Eu vou ter uma reunião com os cirurgiões de plantão. – Eu assenti, agarrando a ficha entre os dedos e indo
de encontro à paciente. Eu tentei ignorar o fato da adolescente ter a mesma idade de Lu - e busquei ocupar minha mente com outras coisas para atender a paciente. Distrações no trabalho nem sempre eram bem-vindas; Quando adentrei a sala, o cheio familiar invadiu meu olfato. Eu fiquei
imóvel, enquanto meus olhos corriam em direção à maca, onde a minha menina se encontrava.
Terror passou pelo meu rosto, e meus pés
correram em passos rápidos para examiná-la na maca. Antes que eu pudesse dizer algo, vi pequenos cortes em sua testa, e pela extensão do seu braço. Ela abriu os olhos, dando um pequeno sorriso para mim.
- Eu morri, e o paraíso é aqui? – Ela disse
enquanto os olhos dela se fechavam lentamente.
Eu corri pegando meu estetoscópio para ouvir seus batimentos; Medi sua pressão, e a encaminhei para a tomografia. Lu estava
adormecida, graças à um analgésico que a outra médica de plantão havia aplicado nela. Verifiquei resultado de seus exames, percebendo que tudo estava bem. Agradeci calorosamente por isso. Eu estava tão aflito, que havia ignorado qualquer forma de contato que a recepção estava fazendo comigo. A recepcionista estava chamando meu nome para prestar esclarecimentos ao
acompanhante de Lu - eu bufei. Quem poderia querer saber como ela estava além de mim?

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