Terapia

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"Palavras são, na minha não tão humilde opinião, nossa inesgotável fonte de magia. Capazes de ferir e de curar."
Harry Potter e as Relíquias da Morte


Chegamos no consultório quinze minutos antes do horário, eu estou nervoso, sei por experiência que as primeiras consultas não são fáceis e tenho medo que ele não fique bem e se feche mais ainda. Eu me viro para ele e pego a sua mão.
- Tem certeza que você está bem com isso?
- Estou bem, assim como estava nas últimas três vezes que você perguntou desde que saímos.
- Vamos fazer assim, se a qualquer momento você desistir, nós vamos embora, não quero que você se sinta obrigado a fazer qualquer coisa por mim.
- Primeiro, não existe nada nesse mundo que eu não faria feliz, se for por você. Segundo, eu não estou fazendo por você, estou fazendo por nós e terceiro, eu vou ficar bem, então não se preocupe.
Eu beijo ele, me afasto e saio do carro.

Quando entramos a secretaria olha para mim e depois para ele e arregala os olhos, fica olhando para nós e parece que seus olhos vão saltar para fora a qualquer momento, o que não é nem um pouco profissional, mas estou me acostumando com essa reação.
- Boa noite, nos temos uma consulta agendada.
- Os dois?
Meu Deus, que pergunta idiota!
- Sim, nós dois.
- Foi agendado no nome de quem?
- Kirdpan.
- Terapia de casal?
Mais uma pergunta idiota.
- Sim.
- Vocês dois?
- Ok, nós vamos aguardar, por favor nos avise quando pudermos entrar.
Isso já começou errado. Eu me viro e saio, ele cumprimenta a secretária e me segue. Quando nos sentamos ele coloca a mão na minha perna.
- Se acalma.

Passado alguns minutos o médico aparece na porta.
- Korapat a quanto tempo.
- Boa noite doutor.
- Vamos entrar?
Ele se vira e vai em direção a sala dele, o Ohm segura a minha mão e me puxa para ir para lá, quando passamos pela mesa da secretaria eu tenho certeza de que os olhos delas vão explodir a qualquer momento.
- Sentem-se, fiquem a vontade.
Nós nos sentamos no sofá, eu cruzo os braços, descruzo e decido colocar as mãos no bolso do meu moletom. O Ohm coloca a mão na minha perna e aperta, eu olho para ele e fico preso no seu olhar, acenamos um para o outro e olhamos para a frente.
Vejo o médico com um tablet na mão, escrevendo alguma coisa com a caneta.
- Bom então vamos começar. Nanon você já me conhece, então deixe me apresentar para você, meu nome é Alm Durongkawero, pode me chamar de Alm, doutor, ou como se sentir a vontade. Você é?
- Pawat, Pawat Chittsawangdee.
- Muito prazer Pawat. Primeiro eu quero que você se sinta a vontade para falar o que quiser aqui, ou não falar, mas isso dificultaria um pouco o meu trabalho.
Todos nós rimos, mas ainda está um clima estranho.
- Vamos começar devagar. Vocês vieram para um terapia de casal, então suponho que são um casal. A quanto tempo vocês estão em uma relação?
- Três meses.
- Dois anos.
Nós respondemos ao mesmo tempo. Ele nos olha confuso .
- São períodos muito diferentes.
- É que é complicado.
- Acho que ser complicado é um dos motivos para vocês estarem aqui, Nanon.
- Pawat, você respondeu dois anos, porque?
Ele me olha e eu aceno para ele.
- Na verdade ele está certo, estamos juntos a três meses, mas tivemos um relacionamento confuso nos últimos dois anos, então se vamos falar sobre tudo eu acho que dois anos é a resposta correta.
- Entendi. Nanon, o que você pensa sobre isso?
- Eu concordo.
- Que tipo de relação vocês tinham antes dos três meses, Nanon?
- Nos éramos amigos.
- Pawat?
- Amigos, mas eu amava ele.
- Como que isso funcionava para você? Amar ele, mas ser seu amigo?
- Eu tentava simplesmente o amar sem expectativas, ele permitia que eu o amasse e me amava do jeito dele e eu estava bem com isso.
- Como era esse jeito dele?
- Ele me permitia ser um amigo próximo, muito próximo. Para ser sincero, não sei se poderíamos classificar o que tínhamos como amizade, mas na falta de um termo melhor... Com o tempo eu enterrei o que eu sentia e continuei apenas como amigo.
- E como isso era para você Nanon?
- Antes? Eu não o via desse jeito, nunca pensei nele desse jeito.
- Se me permite perguntar, o Pawat é o amigo que você sempre briga?
- É sim.
Vejo ele anotando alguma coisa.
- Como você se sentiu quando soube que ele te amava?
- Confuso, eu me envolvi com ele de uma forma errada, nada estava claro realmente, então eu não tinha certeza se o amor que ele sentia ainda era o que tínhamos antes ou se tinha mudado.
- E você acha que mudou?
Eu olho para o Ohm, então para o Dr Alm.
- Eu acredito que nunca mudou. Ele aceitou as coisas como eram, mas nunca deixou de me amar.
- Porque você pensa assim?
- Pequenas coisas, como ele sempre cuidou de mim, como os meus sentimentos negativos afetavam ele, coisas que ele mesmo fala as vezes.
- Você disse que se envolveu da forma errada, como foi isso.
- É difícil explicar.
- Pawat?
- Nós nos envolvemos por causa do trabalho, nos participarmos de uma série como um casal. - ele me olha, eu aceno e ele continua - ele estava confuso com os sentimentos do personagem, eu estava preocupado de como isso estava afetando ele.
- Como estava afetando ele?
- Ele sempre se entregou aos personagens, mas ele estava tentando se controlar dessa vez, estava ficando confuso e ansioso, estava sofrendo. Então eu tentei ajudar ele.
- Como?
- Eu pedi para ele ser o personagem quando estivesse comigo.
Ele anota novamente e me olha.
- Você já sabia sobre os sentimentos dele nesse período?
- Não, ele me contou depois.
- E ser o personagem deu certo?
- No começo foi tranquilo, porque eu confiava nele e sabia que ele não ia me julgar por estar confuso, depois eu percebi que os sentimentos que eu tinha por ele não eram do personagem, eram meus e foi um período difícil, porque eu achava que ele só me via como amigo. Foi quando tudo saiu do controle e eu me entreguei ao que estava sentindo. Descobri que ele me amava e depois disso ficou tudo bem.
- Como você sentiu estando envolvido com alguém que você amava de uma forma tão complicada, Pawat?
- Eu estava com medo e feliz, era mais do que tinha um dia sonhado em ter, mas eu não queria que ele se perdesse e depois se arrependesse. Tinha medo de no fim perder ele.
- Tudo bem, nós vamos nos aprofundar na relação de vocês com o tempo. Eu quero saber hoje, porque vocês estão aqui?
- Eu quero que ele venha morar comigo.
- Não, não é por isso. Nós estamos em uma situação complexa. Éramos melhores amigos, depois nos envolvemos em um relacionamento de uma forma totalmente errada, depois eu descobri que ele me amava e acho que no fundo eu amava ele também, só não queria ver as coisas dessa forma. Estamos namorando a três meses e ele quer morar comigo e o que me deixa preocupado é que eu também quero, mas então tem as brigas, elas acontecem com menor frequência, mas são muito piores agora e para completar nós trabalhamos juntos e isso também só torna tudo mais difícil.
- Com que frequência vocês se vêem fora do trabalho?
- Quase todos os dias.
- Intimidade?
Eu fico com vergonha quando ele pergunta dessa forma tão corriqueira, então o Ohm responde.
- Sim, com frequência.
- Com que frequência?
Ele me olha e sorri.
- Depende dele.
Eu quero sumir daqui.
- Tudo bem, vamos deixar esse assunto para a próxima semana. O nosso horário está acabando, mas eu quero falar sobre um coisa com os dois.
Ele olha para o tablet e começa a contar alguma coisa.
- Nanon, você percebe quando está batendo nele?
Eu olho confuso, acho que bati nele só umas duas ou três vezes.
- Pawat, você toca no Nanon muitas vezes, é intencional?
- Eu acho que sim?
- Nanon, você bateu nele 14 vezes nessa última hora. Pawat, o intervalo mais longo que você ficou sem tocar ele foram 3 minutos.
Nós nos olhamos, eu nem percebi que ele me tocou tanto.
- Para a próxima consulta eu quero que vocês se monitorem sobre isso, porque eu percebi que é algo tão natural que o Pawat não reage quando você bate nele e você não reage quando ele te toca, então acredito que vocês nem percebem quando acontece. Isso demostra um grau de afinidade muito elevado, mas também é preocupante. Então observem sempre que fizerem e tentem não fazer. Na próxima semana conversamos sobre como vocês se sentem sobre isso. Alguma chance de já conseguirmos interromper as atividades sexuais de vocês?
Nenhum de nós responde, mas ele da risada e diz.
- Tudo bem, vamos falar sobre isso mais para a frente. Por enquanto é isso, tem algo que vocês queiram falar antes de encerrar?
Negamos, então ele se despede e saímos.
No carro eu pergunto como o Ohm está, ele brinca que está muito mais tranquilo do que eu, acho que é verdade.

Chegamos no apartamento dele, ele me abraça por trás e pergunta.
- Vamos testar mais daqueles brinquedos novos hoje?
- Quem sabe? Eu gosto da ideia de algemas.
Ele me solta, pega a minha mão e me arrasta para o quarto.

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