Extraordinário

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"Num filme o que importa não é a realidade, mas o que dela possa extrair a imaginação."
Charles Chaplin

Hoje foi um dia cansativo, Phi quer fechar as gravações o quanto antes, então estamos acelerados. Estamos na frente do prédio que vamos filmar, são quase 22h, acho que ninguém está aguentando mais.
Vai ser uma cena de briga, onde estamos todos bêbados e o Phat está com ciúmes do Pran. Estou conversando com a equipe e vejo que o Ohm está em um canto, está concentrado. Vou até ele e o abraço, quero beijar ele, mas decido por não fazer.
- Está tudo bem?
- Está sim, estou pensando, tenho uma ideia pra essa cena,  não é uma cena de ciúmes normal, está tudo ali, na verdade é sobre o Phat aceitando que ama o Pran, pronto pra ir atrás dele, enquanto o Pran tem um amigo íntimo demais perto dele. É sobre ciúmes, mas também é sobre amor, raiva,  impotência. Tudo isso aumentado, porque ele está bêbado.
Fico olhando para ele, estou realmente impressionado com o quanto ele cresceu, nesse mês. Fazer uma análise de sentimentos tão profunda sem auxílio do diretor ou um staff? Poucos atores conseguem fazer isso.
- Você sabe o que fazer nessa cena então?
- Sei sim, mas você vai ter que me acompanhar, vai ser intenso.

No primeiro corte, o Ohm está sozinho sentado. Ele olha pra mim e sorri, então ali na frente de todos ele se transforma.
Da pra sentir toda a tensão que ele quer transmitir. P'Aof faz ele repetir o mesmo corte três vezes, cada vez que ele faz a tensão aumenta mais. No último corte ele chega a passar água no rosto como se precisasse se acalmar, é tão real que todos assistem em silêncio, como se qualquer barulho fosse fazer ele explodir.

Então é a nossa vez. Eu subo na moto com o Jimmy, ele está nervoso, estava assistindo também, sei que ele está pensando o mesmo que eu, que não vai conseguir acompanhar o Ohm hoje.
Fazemos algumas vezes a entrada, para pegarem vários ângulos diferentes e começamos.

Gravamos a mesma briga várias vezes, na terceira vez eu fiquei tão preocupado com o Ohm indo bater no Jimmy, que corri rápido demais para segurar ele, então tivemos que repetir.
Eu estava tenso também, parecia real demais, estávamos os dois tensos agora. No quarto corte eu respirei fundo e me concentrei, era isso que ele queria, que eu acompanhasse. Então eu fiz, eu me entreguei a esse sentimento, a confusão do Pran com a reação do Phat, a raiva por ele estar fazendo isso, a preocupação não querendo que nenhum deles se machucasse e a tensão do Ohm.
Entregamos tudo ali, quando P'Aof gritou corta, começaram a bater palmas. O Ohm me abraçou, encostou a está na minha, depois me beijou.

Fomos até o P'Aof, ele estava muito animado, abraçou o Ohm, depois a mim.
- Isso foi incrível!
O Ohm ficou envergonhado, mas eu fiquei muito orgulhoso. Sabemos que hoje nós fomos coadjuvantes e ele foi o protagonista.
Jimmy chegou também e disse:
- Cara, me lembre de nunca deixar você irritado, nem quero saber como é.
Todos rimos. Vimos alguns cortes, ficou realmente muito bom.

Estavam gravando os bastidores, Jimmy comentou que conseguiu usar as nossas emoções no fim e conseguia entender agora como era não conseguir sair do personagem.
Phi brincou falando que eu era o rei quando o assunto era não sair do personagem, Ohm estava do outro lado, mas viu que fiquei nervoso com o comentário e veio para o meu lado, ele sabe que não era um assunto que eu gostava de falar.

P'Aof elogiou o Ohm. Disse que ele foi além do que foi ensaiado, falou sobre como as emoções dele me afetaram, fazendo eu me elevar para poder o acompanhar e como o Jimmy também se elevou para acompanhar a nós dois.
Ohm explicou que era para ser uma cena de luta, mas não era realmente sobre a luta, era sobre as emoções reprimidas e a raiva. Por fim eu comentei que foi uma cena fantástica, uma experiência totalmente nova para mim e foi mesmo.

Encerramos as gravações já era mais de meia noite, acho que me cansei mais nas últimas duas horas do que o dia todo. Não tinha comido nada ainda, eu preferi descansar ao invés de jantar, agora comecei a ficar com fome.
Estavamos a caminho do dormitório, pedi para ele achar algum lugar para eu comer. Conseguimos achar uma lanchonete, sentamos em uma mesa do canto e esperamos nos atenderem.

Ele pediu só uma água, peguei o cardápio e pedi um lanche leve, estava muito tarde para algo pesado. Quando a funcionária saiu vi que o Ohm estava me observando. Mais uma vez eu fiquei maravilhado com o que ele fez hoje, quem vê ele agora com esse olhar apaixonado sorrindo, não consegue imaginar que há pouco tempo atrás ele estava deixando um set inteiro em choque com a sua atuação.
Era isso que eu queria que todos vissem desde o início, o que eu sempre vi, como ele era um ator digno de premiações e merece tudo o que conquistou.
Ele da risada é diz:
- O que foi? Porque está me olhando assim?
- Eu te amo!
Ele fica todo envergonhado, é muito fofo.
- Eu te amo mais.
- Eu sei.
Rimos disso.
O lanche chega, eu como e voltamos para o dormitório. Estamos muito cansados.

Chegamos, eu tomo banho primeiro, depois o Ohm.
Quando ele se deita nos meus braços eu aperto ele e digo:
- Estou muito orgulhoso.
Ele sorri, mas não diz nada, ele sempre foi assim, não sabe como reagir a elogios, acho que porque sempre foi criticado demais, então quando é oposto ele fica assim, mas tenho certeza que agora ele vai ter que se acostumar a receber elogios também.

Não demora muito ele está dormindo. Eu beijo a testa dele e sinto o seu cheiro.
- Estou orgulhoso mesmo, meu amor.




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