Fúria

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"É uma emoção completamente inútil
- o ciúme."

Joy Behar



Chego na empresa para as apresentações das danças, estou me preparando psicologicamente, tenho que me controlar para não fazer nada na frente dos outros quando o Ohm estiver dançando, nada mesmo, vou ter que manter a cara de paisagem até o fim.
Já na entrada percebo que vou ter um dia difícil, a Kwang está parada com aquela cara de ofendida que tem feito ultimamente, queria que isso fosse o suficiente para ela largar um pouco do meu pé, mas pelo jeito não é. Por isso os caras ficam enchendo o saco dizendo que sou favorecido, mas ninguém pede a minha opinião para essas merdas.
Cumprimento ela e entro, vou direto para o estúdio. O Ohm já está lá, ele me olha e da pra ver que está preocupado, eu sorrio e o seu rosto se ilumina do jeito que eu gosto. Ele se aproxima e me abraça.
- Está nervoso?
- Um pouco.
- Vai dar tudo certo, você tem ensaiado bastante.
- Mas vai ter muita gente vendo e se eu fizer errado?
- Esquece que vai estar cheio de gente, dança pra mim, ou melhor - eu me aproximo e falo baixo - imagine que eu estou no chão e que depois que acabar nos vamos achar um camarim vazio e eu vou te foder.
Eu me afasto e dou o sorriso mais inocente que consigo e vou cumprimentar os outros.
Nós começamos com as danças em grupo para aquecer a dança do Ohm fica por último, o que é muito bom, porque pelo menos mantenho o meu humor do começo ao fim.
Durante todo o ensaio as pessoas entravam assistiam um pouco e saiam, atrapalhava um pouco na concentração, mas como as danças são mais sobre amigos se divertindo erros são aceitáveis, como se fizessem parte da cena.
Quando vamos dançar a última dança em grupo, percebo que as pessoas vão entrando e se espalhando pela sala, sentando pelos cantos. Quando a música acaba a sala está cheia e todos estão olhando para o Ohm que está conversando com o coreógrafo sem camisa. Respiro fundo, vou até um canto da sala, pego uma cadeira, uma garrafa de água e vou para perto do espelho para poder assistir e também para ele poder me ver, talvez isso ajude ele a se acalmar.
O Ohm vai o meio da sala na frente do espelho, a música começa a tocar, ele me olha pelo espelho e sorri, faço um jóia e ele abaixa a cabeça.
Acho que esses foram os piores minutos de toda a minha vida. Ver a View se esfregando no Ohm, não chega nem perto de ficar vendo as pessoas babando e se contorcendo por cada movimento que ele faz, isso só piora quando chega a parte que ele dançou pra mim, eu quero só sair daqui, não, eu quero que essas pessoas saiam daqui. Quando acaba a música eu estou muito mal humorado e com a mão doendo de tanto apertar a garrafa. O Ohm está em pé na frente do espelho sorrindo, eu aceno para ele, é o máximo que vou conseguir fazer antes de sair daqui. Quando me levanto o coreógrafo diz.
- Agora vamos fazer mais uma vez com os bailarinos.
- Mas que porra...
Todos me olham e eu percebo que falei em voz alta, peço desculpa e me sento.
Esse é definitivamente o meu inferno na terra, algum tipo de karma, pessoas babando e falando do corpo dele, cochichando sobre o que fariam com o corpo dele, gritos e suspiros e agora vários homens passando a mão pelo corpo dele. Tento não desviar o olhar e não reagir.
Quando acaba todos aplaudem como se ele tivesse ganhado um campeonato.
Eu conto até dez, de novo até um e volto até o dez. As pessoas começam a sair e eu continuo sentado. Quando só alguns continuam ali enrolando eu me levanto e digo.
- Vocês podem desocupar o local, por favor?
Todos me olham e começam a sair, vejo a Kwang se aproximar.
- Nanon?
- Quantas vezes eu tenho que te mandar embora até você se tocar?
- Non, não faz isso. Kwang, nos dá uns minutos, por favor?
Ela acena para o Ohm e sai, quando a porta fecha ele fala.
- Amor...
- Não me venha com essa de amor! Essa merda toda não vai acontecer.
- Non, se acalma, você mesmo disse, não dá mais para mudar.
- Foda-se! Ou essa dança sai ou vocês podem fazer o show sem mim, eu estou pouco me fodendo.
- Non...
- Eu estou falando sério, você não vai dançar essa música na frente de milhares de pessoas com aqueles babacas passando a mão em você.
Ele sorri daquele jeito que me deixa com mais raiva ainda.
- Então é sobre os bailarinos?
- Em que momento você achou que isso seria uma ideia aceitável?
- Non, você sabe que eu não faço a coreografia, não foi escolha minha
- Você poderia escolher não fazer.
- Mas nós concordamos que seria feito, nós dois lembra?
- Eu não concordei com isso.
- Eu também não.
Eu ando pela sala e chuto a cadeira.
- mas que porra Ohm! Você deveria pelo menos ter me contado.
- Eu sabia que você ia ficar assim, por isso não contei.
- E você achou melhor esfregar na minha cara em uma sala cheia de gente?
- Eu não sabia que teria tanta gente.
Eu continuo andando pela sala, não sei o que fazer, eu estou com muita raiva e não tenho para onde direcionar, ele está certo, não é culpa dele, nos deixamos o coreografo criar a dança sozinho e foi um erro meu, eu devia ter acompanhado isso de perto.
Eu encosto na porta com as mãos abertas e bato a minha cabeça várias vezes. Preciso me acalmar, preciso me acalmar.
- Amor...
- Não fala nada.
Eu começo a contar a sequência de fibonacci para me acalmar.
- Non...
- Merda!
Eu me viro e ele está com aquela cara de quem foi pego fazendo coisa errada.
- Cadê a minha caixa?
- Que caixa?
- Voce sabe qual.
- Non?
- Eu vou perguntar só mais uma vez: Cadê a minha caixa?

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