Antes

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As grandes almas sofrem em silêncio.
Friedrich Schiller




Na primeira semana do ano começaram a sair aquelas histórias sobre bullying. Eu não estava aqui, mas nós nos falávamos todos os dias. No dia 07 ele tinha uma live, estava muito fofo, estava tranquilo eu assisti e depois liguei para ele, quando tínhamos um trabalho solo um sempre tentava ligar para o outro no fim. Conversamos sobre a live, o que iamos fazer durante o dia, eu perguntei sobre a situação, ele disse que já estavam lidando com isso e estava tudo bem.
No outro dia eu estava dormindo e a Nonnie entrou correndo no meu quarto com o celular na mão. Ela perguntou se eu tinha visto, não sabia do que ela estava falando. Quando peguei o celular vi que era um pedido de desculpas dele. Era normal no nosso meio um artista ter que pedir desculpas até por algo que não fez, no caso dele por algo que fez quando ainda era uma criança, se arrependeu, se desculpou, mas as pessoas não querem saber, elas só precisam de alguém para atacar. Sabia que isso uma hora teria que acontecer.
Quando estava sozinho no quarto eu peguei o meu telefone e liguei pra ele. Ele demorou um pouco pra atender, o que não era normal, a menos que estivesse ocupado.
- Alô? - foi tudo o que ele disse.
- Oi amor... Sou eu... Eu vi a sua publicação, está tudo bem?
- Está sim, eles pediram para fazer isso, nada demais.
Nada demais?, pensei que isso não soou como ele, mas deixei passar. Ele não disse mais nada, o silêncio se prolongou, então perguntei onde ele estava.
- Estou em casa agora.
- Queria estar aí com você...
Ele ficou quieto por um momento, depois de um longo suspiro ele respondeu:
- Não é uma boa hora Non, eu preciso pensar, preciso de um tempo pra lidar com isso. Eu te ligo tudo bem? Non, quando você voltar fica uns dias na casa da sua mãe até a situação se acalmar, é arriscado vir aqui e tirarem uma foto ou algo assim?
- Você está sendo perseguido por fãs ou algo assim?
- Não é isso, é só precaução, só faz isso por favor e espera que eu te ligo.
Eu tentei entender e dar espaço pra ele, não deve estar sendo fácil.
- Tudo bem então, espero você ligar. Eu te amo Ohm...
- Eu te amo mais!
- Não, não ama...
Eu esperava escutar o seu riso, mas ele não veio. E ele desligou. Ele nunca desligava, sempre esperava até eu desligar.
Tentei não fazer disso grande coisa, por mais que tenha me incomodado. Decidi esperar ele me ligar.
Três dias de silêncio, esse foi o meu limite. No terceiro dia, tinha uma conferência para conversar sobre o lançamento da minha música, tudo estava indo bem, acertamos todos os pontos que faltavam, a agenda seria apertada, mas eu não me importei, era a minha música, o meu projeto e eu tinha orgulho dele. No final, agradeci e me despedi de todos, quando estava para desligar um dos diretores me perguntou:
- Bem, você tem conversado com o Pawat?
- Não, já faz alguns dias.
- Bom bom, fique fora dos negócios dele, continue assim. Evite interagir e falar com ele e sobre ele por enquanto.
Mas que merda é essa??? Foi tudo o que consegui pensar. Fiz um comprimento rápido e sai da sala antes que eu falasse o que não devia.
Meu mau humor me seguiu o dia todo, tentei aproveitar o dia, mas não foi fácil. Jantei, tomei banho e me preparei para dormir, mas aquele aviso não saia da minha cabeça.

Essa foi a primeira vez que liguei para ele.
O telefone tocou várias vezes, eu realmente achei que ele estava dormindo e não ia atender, mas derrepente a chamada foi atendida.
Silêncio...
- Amor?
Silêncio...
- Ohm você está aí? Está me ouvindo?
Escutei ele suspirando e sabia que ele estava ouvindo, mas não queria responder.
- Mas que droga está acontecendo aí Ohm? Você tem que falar comigo, não dá pra me deixar no escuro assim. Eu preciso saber porque não posso falar com você ou de você, por favor fala comigo.
Silêncio...
Aquilo já estava me deixando irritado, porque ele não fala nada?
- É assim que vai ser, você não vai dizer nada?
Eu estava no meu limite, pronto para desligar na cara dele, quando eu percebi que ele estava chorando.
- Pelo amor de Deus Ohm, fala comigo.
Não sei porque, mas eu comecei a chorar também. E ficamos ali apenas escutando o choro um do outro.
Não sei quanto tempo se passou, mas eu percebi que ele realmente não ia falar comigo.
- Chega disso Ohm, se você não quer falar comigo, ok. Vou continuar esperando, mas por favor, não demora, você sabe que somos só nós dois. -Fiz uma pausa pensando no que mais dizer, decidi não dizer mais nada por enquanto. -Eu te amo.
- Eu te amo mais...
Acho que ele falou sem pensar, porque depois disso eu não conseguia escutar nem o choro, acho que ele prendeu a respiração.
- Nao, não ama...
Eu falei suavemente, para que as palavras fossem como um carinho para ele.
Desliguei a chamada e chorei, chorei muito, chorei por mim que estava no escuro, mas chorei principalmente por ele que por algum motivo está sofrendo em silêncio.
Não liguei pra ele de novo até voltar de Osaka.
Aproveitei esses dias para pensar. Eu sei que alguma coisa está acontecendo, mas não consigo entender o que. Não pode ser só a história do bullying, seria algo fácil de resolver, principalmente se estivéssemos juntos. Primeiro porque ele era uma criança e tudo já tinha sido resolvido na época, segundo que nós já comentamos em algumas entrevistas sobre como ele mudou nos últimos anos, principalmente na maneira como via e tratava as pessoas, como eu mudei ele e como ele me mudou. Ele também já falou sobre essa fase e como não se orgulha do que fez. Então não seria como se estivéssemos inventando uma história pra se livrar do problema.
Tem que ter algo mais, mas o que? Porque ele está aguentando isso em silêncio e me afastando?
Resolvi não forçar ele. Vou apenas dar o meu apoio até ele estar pronto para se abrir pra mim.

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