Capítulo 60

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No navio, sentado em sua rede, Gilbert Blythe abriu e leu a carta que Anne Cuthbert lhe enviara. Ao seu lado, esperando para ser lida, estava uma carta de Tania.

- Hm - estranhou Bash ao ver que o nome Tania Stacy não estava escrito no remetente da carta de Anne - o que diz aí?

- Tem ouro em Avonlea - disse, surpreso. Sebastian levantou as sobrancelhas.

- Essa sua cidadezinha tem a oferecer, hein? Meninas bonitas, ouro. O quê, vai me dizer que tem bebida a vontade na prefeitura?

- Só uma vez por ano - ele respondeu distraidamente, abrindo a carta de Tania - ah - estava explicado - é um golpe.

- Como uma carta sobre haver ouro e uma sobre o ouro ser um golpe podem ter chegado ao mesmo tempo?

- Não é fato que seja um golpe, mas é no que Tania acredita. Considerando o tempo que as cartas demoram pra chegar, a essa altura o vigarista já foi desmascarado.

- Você descartou a possibilidade da presença de ouro na sua cidade porque uma menina disse que não acredita que tenha ouro?

- Precisamente.

- Garoto, você está apaixonado.

- Apaixonado é pouco, Bash - admitiu.

- Desculpe, caindo de amores - zombou, rindo.

- Por aí - ele riu mais - você não entende; se Tania quisesse dançar eu a deixaria arruinar todos os móveis, se ela quisesse cozinhar eu não me importaria se queimasse a casa inteira, e se ela quisesse gritar eu a deixaria me ensurdecer. Eu nunca achei que amaria alguém o suficiente para permitir me destruir, mas se Tania Volkova Stacy quebrasse meu pescoço, eu ficaria feliz por ela ter me tocado e olhado nos meus olhos - Sebastian não estava mais rindo. Na verdade, estava completamente sem palavras. Como um garoto tão pequeno carregava sentimentos tão grandes? (Gilbert não era tão pequeno assim; apenas magro. Bash gostava de zoar com ele)

- É melhor que se case com essa menina, Blythe, ou não acho que seu coraçãozinho aguenta - tentou caçoar, mas sua voz estava séria.

- Se eu não me casar com Tania, será por escolha dela e dela apenas - garantiu, repassando suas palavras na cabeça. Ele estava caindo de amores. Caindo de uma altura mortal.

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Anne, Diana, Ruby e Jane corriam até o Lago das Águas Brilhantes entre risadas e cochichos. Tania caminhava alguns metros atrás delas; queria ficar animada, queria mesmo, mas o inverno ameaçava chegar, e ela não funcionava direito no frio. Levantar da cama por qualquer motivo além de pegar mais cobertores era uma vitória. O pai de Tania costumava brincar que ela era uma fada do fogo, e por isso o frio lhe tirava as forças; aquilo a deixava feliz, porque fazia o fato de ela ser friorenta deixar de ser um defeito.

Quando a Stacy finalmente chegou ao píer, um pouco depois das outras quatro, Anne pôs-se a explicar como fariam a encenação de A Lady de Shalott.

- Quem interpretar a Elaine precisa se deitar no barco e flutuar até Camelot, enquanto o restante fica lamentando sua morte tristemente. Ajuda pensar em algo triste da sua própria vida - aconselhou.

- Está frio - comentou Tania, expressando genuíno pesar.

- É um.. bom pensamento triste - comentou Ruby com uma careta. Ela adorava o frio.

- Você deve ser a Elaine, Anne - Diana voltou ao assunto.

- Mas seria ridículo ter uma Elaine ruiva. Deveria ser a Ruby, ela tem cabelos dourados adoráveis, e Elaine tinha seu "cabelo brilhante flutuando".

- Eu não poderia. Fingir que estou morta? Eu morreria de medo. Isso foi ideia sua, Anne - lembrou.

- Você é obcecada pela Elaine - acrescentou Jane.

- É verdade - admitiu.

- Você será a Elaine perfeita, Nan, com seus cabelos vermelhos brilhantes - disse Tania. Ela sempre acharia cabelos vermelhos bonitos, principalmente porque considerava sua mãe a mulher mais linda de todo o universo.

- Cada vez que leio o poema - falou a Shirley - sou devorada pelo desgosto de não ter nascido em Camelot. Aqueles dias eram tão mais românticos do que o presente... eu serei a Elaine, então! - constatou com um enorme sorriso - Ruby será o rei Arthur, Jane será Guinevere, Diana será Lancelot e Tania...

- Serei o fantasma de um antigo amor de Elaine. Fantasmas não falam e não podem ser vistos - em teoria, pensou - então adeus - sentou na base de uma árvore e recostou-se no tronco.

- Nia! - brigou ruivinha.

- Querida, minhas pernas começaram a doer na metade do caminho até aqui; minha cabeça está doendo desde que o primeiro centímetro de geada se formou e meu estômago parece estar sendo esfaqueado. Vou me sentar aqui e esperar o fim da encenação para que possamos ir para casa, está bem? - Anne franziu a testa em irritação, mas nada disse.

- Eu preciso de uma flor - tornou a organizar a encenação.

Jane conseguiu um galho com poucas flores que aparentavam poder se desmanchar com um sopro, e aquilo as satisfez.

Segurando o galho, a Shirley se deitou na canoa e fechou os olhos.

Tania deixou sua atenção se desviar para um corvo que a havia seguido desde o bosque assombrado (o bosque onde ficava o Clube de Estórias), e naquele momento rodeava a árvore.

- Olá, pequenino - sussurrou, estendendo o dedo - o que faz aqui? Você tem asas, por que não voa para o Brasil e foge desse gelo?

O corvo piou.

Tania suspirou.

Quando as meninas estavam prestes a empurrar a canoa com Anne dentro, a senhora Barry chegou gritando.

- Diana! - parecia já estar chamando a algum tempo - Criança! - brigou com Anne, que havia aberto os olhos e se sentado - Saia daí agora mesmo! Estive chamando. Deveriam estar estudando e as encontro fazendo algo perigoso, sem sentindo; seja lá o que isso for.

- Estamos estudando - defendeu Nan.

- Estudamos Lancelot e Elaine e decidimos encenar - explicou Diana.

- Para casa, já, antes que adoeçam seriamente! Andem, todas vocês - Eliza só sabia falar gritando?

- As meninas acabaram de cheg- tentou a filha dela, achando aquilo ridículo.

- Agora! Me obedeça! - berrou.

Raivosa, Diana foi até sua casa, sendo seguida pela mãe, que puxou Ruby e Jane consigo, já que as duas moravam perto.

- ..Lá se foi o romance - concluiu Anne com um suspiro triste.

- Ora, é claro que não - argumentou Tania - quero dizer, olhe para este pequeno corvo - o pássaro ainda dançava na sua palma - talvez ele esteja usando minha mão como descanso da viajem muito longa que está fazendo para ver sua amada. Isso não é romântico? Ou talvez ele esteja procurando um lugar quente para apoiar as patas enquanto processa o luto de um filho seu que caiu do ninho. São tantas possibilidades, Nan! O romance nunca morrerá, lhe garanto isto.

The Fairy Queen - AwaeOnde histórias criam vida. Descubra agora