Quando estavam quase chegando na porta, Gilbert viu todas as pessoas lá dentro e desistiu.
- Não - segurou a amiga - eu de verdade não consigo ouvir todos os "sinto muito" e "meus pêsames" agora - olhou para ela em súplica.
- Tudo bem, não precisa fazer essa cara de cachorro atropelado - Tania disse, já virando-se para trás quando Anne saiu às pressas da casa.
- Gilbert! - ela chamou. Ele não parou de andar. A ruiva foi atrás, enquanto Tania deu uma leve distância, sabendo que Anne tinha um dom com as palavras e provavelmente o faria se sentir melhor - Foi uma cerimônia bonita - ajeitou o casaco em volta do corpo - pareceu adequado estar tudo tão branco e calmo; eu sempre achei que o pastor reza de forma pesarosa, então veio a calhar - sorriu um pouco, constrangida - os batismos devem ser terríveis - finalmente criou coragem para dizer o que queria - ser órfão tem os seus desafios, mas você já tem tantas vantagens - Tania franziu a testa - ficará muito melhor do que eu fiquei - hesitou - os meus pais morreram quando eu ainda era bebê, então eu não sabia me defender como você sabe; e também eu não me lembro dos meus pais, mas você sempre se lembrará do seu pai - respirou fundo - sabe, se pensar bem, você tem muita sorte - Gilbert se virou pra ela de uma vez, com raiva.
- Acha que tenho sorte? - o tom dele a fez arrepender-se imediatamente do que tinha dito.
- Comparado a mim, sim - tentou consertar.
- E por que o assunto é você? - o sorriso amarelo de Anne vacilou.
- Não é.. é que eu-
- Até mais - ele se virou e foi andando pra longe, deixando as garotas pra trás.
- Por Hades, Anne, o que foi aquilo?
- E-eu não sei - Tania suspirou e foi correndo atrás do Blythe.
- Gilbert - ela colocou uma mão no ombro dele - eu sinto muito, tenho certeza de que a Anne só queria ajudar - ele empurrou a mão da morena para longe de si.
- O pior de tudo é que ela está certa - olhou para a amiga com remorso.
- Não, ela não está. Você não tem sorte alguma, o que aconteceu com o seu pai foi errado e injusto e você tem total direito de ficar triste com isso.
- Esse é o problema Tania, eu não estou triste - explodiu - estou paralisado. Vir até aqui foi mais difícil do que escalar uma montanha, eu não como nada desde ontem, não consegui me levantar da cama nem mesmo pra tomar a porcaria de um banho, e até estar aqui, agora, falando com você parece uma competição de soletração em latim!
- Gilbert, meu Deus, você acha que está exagerando? Que porque a sua situação é menos horrível do que a nossa você não pode ficar mal? Não é assim que as coisas funcionam!
- Então como elas funcionam? - ele elevou a voz - Vai, me diz! - gritou. Tania segurou a vontade de começar a chorar.
- Grita de novo - ela sussurrou, andando até ele devagar - grita comigo - ordenou - eu te desafio - a expressão do garoto mudou instantaneamente - anda Gilbert, grita comigo! - seus olhos estavam vermelhos.
- Desculpa - ele pediu baixinho, se encolhendo enquanto sentia o arrependimento pesar nos ombros.
- Que seja - ela revirou os olhos. Respirou fundo - eu sei que te disse que estava aqui pra você se quisesse brigar com alguém - falou. Quando disse aquilo, ela não estava pensando em como odiava qualquer tipo de grito ou até barulho alto; o orfanato a havia traumatizado mais do que ela achava - mas pode esquecer.
- Eu sei, desculpe - pediu sinceramente - estou descontando em você.
- Eu percebi - reclamou, se jogando no chão e deitando na neve macia - mas te perdoo se você deitar aqui comigo e me contar, com calma, como está se sentindo - o Blythe sorriu tristemente pra ela e deitou ao seu lado, respirando fundo.
- Eu tenho pensado muito no que você me disse quando fui na sua casa. Sobre o que aconteceu e o que está acontecendo e como você tem ignorado tudo pra cuidar de mim - ele olhou pra ela - eu não conseguiria fazer o mesmo - seus olhos marejaram.
- Isso não faz de você uma pessoa fraca ou ruim - prometeu, agarrando a mão dele - as pessoas lidam com a dor de maneiras diferentes, e não é porque eu decidi trancar toda a minha num baúzinho escondido no canto mais longínquo do meu coração que você precisa fazer o mesmo - usou a mão que não estava segurando a dele para tirar o cabelo que caía sobre os olhos castanhos.
- Eu quero fazer uma coisa - o menino suspirou - mas acho que vai estragar tudo - Tania estranhou a mudança repentina de assunto.
- Pode fazer - Gilbert olhou para ela por mais um segundo antes de colocar a mão livre sobre a bochecha sardenta da amiga e avançar o rosto na direção dela, que rolou para longe e se levantou, ajeitando o gorro sobre os cabelos cheios de neve - yep, estragou tudo - estendeu a mão enluvada para o Blythe, que a encarava com os olhos arregalados - quer ajuda pra se levantar ou não? - ele engoliu em seco, antes de pegar a mão dela e ser puxado pra cima.
- Eu.. hm - olhou ao redor, pensando no que dizer - desculpe?
- Sim, claro - a Stacy se afastou alguns muitos centímetros ao perceber que ainda estava segurando a mão dele, mordendo o lábio aponto de machucar - eu só.. não esperava isso - soltou uma risada constrangida.
- É, hm, eu também não - ela levantou uma sobrancelha - tipo, não é algo que eu já tenha pensado sobre.. antes de hoje - franziu as sobrancelhas, se dando um tapa mental.
- Uhum - ela murmurou - é, que bom - olhou para ele - você sabe que isso foi só algum tipo de surto induzido pelo luto, né? - ele piscou os olhos algumas vezes - Não é como se você quisesse me cortejar ou sei lá o que - a ideia fez a jovem rir.
- É, claro que não - concordou, desviando o olhar.
- Então a gente pode só fingir que isso nunca aconteceu? - a morena perguntou, procurando o olhar dele.
- Uhum - o Blythe murmurou, ainda sem olhar para a amiga.
- Gilbert? - agarrou o rosto dele para fazê-lo olhar pra ela - Podemos só fingir que isso nunca aconteceu, né? - repetiu, preocupada com a hesitação do garoto.
- Sim, claro - respondeu, tirando a mão dela do próprio rosto com cuidado - podemos.
- Ok - respirou fundo algumas vezes, antes de olhar novamente pra ele - então, hm, se estiver tudo bem, eu vou pra casa - lhe lançou um olhar de interrogação.
- Sim, tudo ótimo, vai lá - soltou uma expiração trêmula.
- Eu posso ficar se você quiser - garantiu.
- Eu sei - suspirou - acho que prefiro ficar sozinho.
- Prefere mesmo ou só está dizendo isso pra que eu vá embora sem me sentir culpada?
- Você fica brava se eu disser que a segunda opção?
- Não fico brava, mas fico aqui.
- Pode ir Tania, sério - insistiu.
- Não vou a lugar nenhum enquanto você precisar de mim - jurou, ficando na frente dele para olhar nos seus olhos - eu sou seu apoio, lembra?
- Você também é minha melhor amiga que eu acabei de tentar beijar, lembra?
- Achei que tínhamos combinado de fingir que isso nunca aconteceu - ergueu as sobrancelhas.
- ..Você tem razão - passou as mãos pelos cabelos - todos já devem ter ido embora, quer passar a tarde na minha casa?
- Quero - assentiu suavemente, tentando sorrir de maneira natural enquanto segurava a mão dele.
- Será que você pode, sei lá, não fazer isso? - indicou as mãos unidas dos dois - Esse "surto induzido pelo luto" está bem forte - Tania riu alto.
- Posso - sorriu de leve, ficando a alguns passos de distância dele - assim tudo bem?
- Sim.
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The Fairy Queen - Awae
FanfictionTania ~ nome de origem russa que significa rainha das fadas. "Suponho que adoro minhas cicatrizes, porque elas permaneceram comigo por mais tempo do que a maioria das pessoas" - Nikita Gill Oc x Gilbert Blythe Fanfic baseada na série Anne with an e