Capítulo 104

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Depois de alguns segundos refletindo sobre a intensidade daquilo, a grandiosidade do seu amor e como Gilbert Blythe poderia destruí-la com apenas uma palavra, Tania retornou ao presente e olhou para as amigas.

Ruby e Anne estavam chorando.

- Ah, queridas, o que foi?

- Só - Nan fungou e limpou as bochechas - é tão lindo, tão puro; não parece possível que alguém ame outra pessoa tanto quanto vocês dois.

- Ninguém nunca vai me amar desse jeito - chorou a Gilles - como posso viver sabendo que nunca viverei algo assim?

- Não diga isso, Ruby; só porque Gilbert é de Tania, não significa que você não possa ser amada.

- Você não entende, Diana? Eu estou destinada a ser solitária. Não amo pessoas, amo a ideia do amor, amo querer, querer e querer sem nunca conseguir. Me apaixonei por Gilbert porque sabia que ele jamais amaria alguém além da Nia, e tenho medo do que aconteceria se alguém realmente me escolhesse. Minha cabeça não funciona direito.

As outras três a encaravam em um silêncio surpreso, até que a Stacy disse:

- Biby, posso te contar um segredo? - a loira assentiu e ela se aproximou, sussurrando - Eu sou completamente louca - elas deram risada - falo sério, deveria estar em um asilo. Se alguém como Gilbert Harrison Blythe ama uma perturbada como eu, você com certeza vai encontrar alguém cuja cabeça funcione em harmonia com a sua, garanto - Ruby abriu um sorrisinho sem esperança - posso contar outra coisa? Todo mundo é insano. Ninguém sabe o que está fazendo; os adultos? Improvisam, fingem que sabem das coisas. O objetivo não é ser normal, é encontrar as pessoas que tem neuroses parecidas com as suas, entende?

Ruby assentiu, e as quatro riram alegremente.

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(Algumas semanas depois)

Falando em gente louca...

Mal havia começado a amanhecer; ainda estava um pouco escuro lá fora, apenas uma fraca luz amarelada no horizonte, mas Tania tivera um pesadelo durante a madrugada, então elas acabaram ficando acordadas. Mathew, que sempre acordava junto com o primeiro raio de sol, já estava de pé, abrindo a porta para uma visita que, apesar do horário, não o surpreendeu.

Anne se ajoelhou no chão de seu quarto, apoiou a bochecha na madeira e observou intensamente o vão escuro, passou a mão por ali e encontrou apenas teias de aranha, soltando um suspiro.

- O que você está procurando?

- Inspiração.

- Debaixo da cama?

- Você se surpreenderia com os lugares onde ela se esconde - se levantou frustrada e continuou a procurar pelo quarto, enquanto sua irmã acariciava Alya, que estava deitada em sua barriga.

- Talvez devesse procurar pela sua sanidade - alguém bateu na porta - entre - Gilbert, a citada visita, entrou a passos suaves, antes de se deitar ao lado da namorada e fazer carinho atrás da orelha da gata, que ronronou mais alto - oi meu amor. O que faz aqui tão cedo?

- Passei a noite em claro.

- Sinto muito. Por quê?

- Estava morrendo de saudades de você.

- Me viu de manhã na escola.

- Sete horas é tempo demais longe do amor da minha vida - Nia sorriu e beijou a bochecha dele.

- Aguentou um ano, algumas horas não são nada demais. Poderia ter vindo aqui, sabe? Escalado a cerejeira, bem no estilo personagem de livro - Alya se espreguiçou e caminhou com as patinhas macias sobre o peito da Stacy, até se sentar bem no rosto dela - olá - veio a voz abafada de debaixo do animal peludo - vai ficar aí? - com muito cuidado, desceu a gata até sua clavícula - Pronto. Não conseguiu dormir por que estava com saudades de mim? Sério mesmo?

- S.. o que está fazendo, Anne?

- Procurando.

- Procurando..?

- Inspiração.

- Detrás do espelho?

- Ela é muito boa em se esconder - ele ergueu uma sobrancelha para Nia, que abanou a mão e sussurrou em seu ouvido:

- Ela tomou chá com o chapeleiro - Gilbert ficou confuso, mas respondeu.

- E quanto à Lebre de Março?

- Estava jogando xadrez com o coelho branco.

- Com peças de damas?

- Com cartas de baralho.

Os dois sorriram.

...

Tania tomou café da manhã na casa do Blythe, e acabou por levar Nan junto, dizendo que novos ares talvez lhe inspirassem.

Estava uma manhã ensolarada, não quente, mas bem iluminada, e a luz do sol na pele durante a caminhada foi revigorante.

Ao entrar, sentiram um cheiro delicioso vindo da cozinha, e se apressaram até lá.

Em cima da mesa repousava um grande bolo de cenoura, e Sebastian estava, naquele momento, derramando cobertura de chocolate sobre ele.

- Bom dia, Bash! - deu uma mordida no ombro do homem - Obrigada pela felicidade líquida - pegou a colher da mão dele e lambeu o chocolate - hmm - entregou a Anne, que colocou o resto na boca.

- Realmente parece felicidade líquida, me sinto instantaneamente melhor quando como chocolate.

- Eu também - Gilbert pegou a cobertura diretamente do bolo com os dedos e colocou na boca. Nia não pôde evitar encarar.

- Por que vocês adolescentes comilões não se sentam enquanto termino o bolo, antes que acabem com a cobertura?

- Estamos em fase de crescimento - defendeu-se a morena.

Acomodando-se nas cadeiras a contragosto, os três decidiram ser produtivos; Bert começou a estudar um dos muitos livros de medicina que estavam espalhados pelo cômodo, a Stacy pegou o caderno e caneta no bolso fundo do vestido e continuou de onde havia parado a escrita de 'Enola Holmes 2', visualizando facilmente o mapa mental da estória, que parecia estar gravado a ferro na superfície de seu cérebro, e sua irmã se perdeu em Alice Através do Espelho.

..

- ...quando vai à escola e fico solitário, eu me ocupo - disse Sebastian ao Blythe, cortando o fio dental cuja ponta estava enrolada no dente dele - quando vocês dois falam coisas confusas, eu sorrio e assinto; aguentei a dor, calado, no frio inverno canadense. Vocês me conhecem, não sou de me queixar - amarrou a ponta cortada do fio na maçaneta da porta. (Ele era, na realidade, de se queixar. Bastante. Os jovens o amavam mesmo assim) - mas acredite quando digo, Blythe, que alguém mais fraco teria se rendido.

- E daí? - respondeu Gilbert, distraído, anotando no canto da página.

- Exatamente - se endireitou - estou pronto, feche a porta.

O garoto olhou para a Bash, então para a porta, e novamente para Bash.

- Não.

- Tem razão. Bata com força. Só quero fazer isso uma vez.

- Essa é uma péssima ideia, vá ver um médico - insistiu no que já dissera diversas vezes, desde que o homem reclamara da dor de dente. Nia suspirou e se levantou para beber água.

- Por uma dor de dente? Vamos, seja um bom amigo; um dos poucos que tenho neste vasto e congelante p- Tania bateu a porta - argh! - ele se curvou de dor, e então se calou.

- Ah - sorriu Bert, puxando a namorada pela cintura - nada como um pouco de paz e tranquilidade - selou seus lábios nos dela.

Indignado, Sebastian encarou o dente ensanguentado pendurado na maçaneta.

The Fairy Queen - AwaeOnde histórias criam vida. Descubra agora