Capítulo 56

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Depois de conversar sobre as belezas da vida por mais alguns minutos, as duas voltaram para o quarto e se acomodaram na enorme cama junto de Diana e Minnie May.

- Eu não consigo parar de pensar na possibilidade terrível da febre do ouro - disse Diana. Tania conteve um comentário bastante ofensivo. Ela também não conseguia, a bem mais tempo do que a Barry - soa tão.. febril.

- Não pegue essa febre - disse Minnie May para sua boneca - ou terá que colocar cebolas fedorentas nos seus pés.

- É preocupante - Anne concordou com a melhor amiga - precisamos de mais informações.

- Podem me perguntar, eu vivi a porcaria da febre! - Tania explodiu - Pelo amor de Deus, eu venho falando que isso é uma enganação a semanas, fui para o inferno na Terra que era o orfanato por causa da desgraça da febre do ouro da qual vocês tanto querem saber, tenho alertado sobre ela desde o começo dessa história toda e ninguém me escuta! - levantou-se da cama e saiu do quarto, marchando até a biblioteca, cuja porta ela bateu.

A Stacy estava tão frustrada que, sem pensar, deu um chute na parede.

Doeu bem mais nela do que nos tijolos.

Apertando o dedão com as mãos e pulando em um pé só, ela se virou e apoiou as costas na parede, deixando seu corpo escorregar até o chão.

E começou a chorar.

Tania não sabia o porquê de estar chorando. Seu pé não doía tanto assim, ela não estava irritada naquele nível com a febre do ouro, os pesadelos sobre varas e chicotes diminuíam conforme o tempo passava e Gilbert voltaria.

Ele prometera que voltaria.

Então por que todas aquelas coisas a estavam machucando?

- Senhorita? - uma garota baixa, talvez um ou dois anos mais nova do que Tania, de cabelo crespo e pele tão escura que lembrava ônix saiu detrás de uma estante, da qual ela estava explorando os títulos, a pretexto de organizar - Você precisa de ajuda?

- Oh - conteve a surpresa pelo fato de mais alguém estar no cômodo - não, obrigada. O que faz aqui?

- Trabalho aqui.

- Mas você é muito nova para trabalhar. A senhorita Josephine a adotou?

- Me tirou das ruas a alguns anos, senhorita. Tenho trabalhado em troca de moradia, alimento, educação e um pequeno salário - engoliu em seco ao perceber que havia respondido mais do que lhe fora perguntado.

- Espero que seja uma troca justa.

- Sim senhorita, mais do que justa. Posso fazer algo por você?

- Consegue me dizer onde fica a cozinha?

- Dois andares abaixo, mas estou certa de que eu ou a cozinheira podemos fazer qualquer coisa que queira. Eu vou cham-

- Não! Não a acorde, por favor. Consigo me virar sozinha - levantou-se e saiu da biblioteca, sendo discretamente seguida pela garota - por favor, não se desvie de seus afazeres, prometo que não preciso de ajuda - parou de andar para olhar nos olhos negros dela.

- Não é bom ficar sozinha quando se está triste. A não ser que realmente deseje o contrário, a acompanharei - disse decidida. Tania se permitiu dar um leve sorriso enquanto voltava a descer as escadas.

- Você é muito gentil. Qual o seu nome, querida?

- Chamo-me Trystia. E a senhorita?

- Tania. Dois nomes incomuns, não? O que significa o seu?

- A melancólica. É um significado ao qual não me orgulho de fazer juz.

- Você se considera uma pessoa melancólica, Trystia?

- Não sou muito boa em ter pensamentos alegres - respondeu enquanto abria a porta da cozinha - uma amiga da senhorita Josephine disse certa vez que sou uma inspiração artística; imagino que deveria ser um elogio, mas todas as esculturas dela são bastante tristes.

- O fato de algo ser triste não o faz deixar de ser belo. Me atrevo a dizer que o que mais me atrai na arte são os sentimentos que ela trás à superfície.

- Foi isto que a fez chorar? Algum quadro da senhorita Barry lhe causou emoções fortes?

- Não.

- Então por que estava chorando? - Tania não respondeu. Ao invés disso, pegou duas canecas, creme de leite, chocolate amargo, manteiga, chocolate ao leite, chantilly e marshmallows na despensa - poderia repetir seu nome? Creio que tenha me fugido a memória.

- Tania.

- O que significa?

- Rainha das fadas - Trystia arregalou os enormes olhos.

- Rainha das fadas? A rainha das fadas?

- Não tenho asas, se é isso que está pensando.

- Você escreveu Enola Holmes? É deste livro que tanto fala?

- Que tanto falo..?

- Os serventes não conseguem evitar ouvir algumas conversas - suas bochechas se pintaram de vermelho vinho. Depois de medir a quantidade de cada ingrediente, Tania colocou todos na panela, com exceção do chantilly e dos marshmallows, e ligou o fogo.

- Sim, eu escrevi Enola Holmes - respondeu tardiamente.

- É um livro maravilhoso, realmente envolvente. Se me permite dizer, creio que o final tenha deixado um gosto de 'quero mais'; você escreverá um segundo livro, não? - os dedos tamborilando na mesa denunciavam a animação que ela tentava conter.

- É provável - um gritinho do fundo da garganta de Trystia foi ouvido, mas Tania apenas serviu o chocolate quente nas canecas, cobriu-o de chantilly e marshmallows e estendeu uma delas para a menina - aceita?

- Oh, não prec-

- Não perguntei se precisa, perguntei se você quer - cortou.

- ..Quero - pegou a caneca quentinha, envolvendo-a com as duas mãos - o cheiro está divino.

- Espero que o gosto também esteja - tomou um gole, sentindo o líquido aquecer seu caminho até o estômago. Quando abaixou a caneca e olhou novamente para a garota, viu que ela estava contendo o riso - o que foi?

- Você está com um bigode de chantilly - riu, antes de tomar um pouco da própria bebida - agora estamos iguais - sorriu, o lábio superior coberto de creme branco.

- Estamos - Tania retribuiu o sorriso enquanto guardava todos os ingredientes, antes de apagar as luzes e voltar para o andar de cima, acompanhada pela nova amiga - acho que vou dormir, Trystia, boa noite.

- Senhorita Tania - chamou com leve urgência - posso lhe pedir um conselho antes?

- É claro, mas não acho que eu seja boa em aconselhar; não sei nem o que fazer com a minha própria vida, quem dirá a de outra pessoa - riu levemente, constrangida.

- Eu escrevo poesia as vezes, e muitas pessoas vem elogiando. Acha que vale a pena juntar os poemas em livro? Quero dizer, eu tenho alguma chance?

- Se tem arte, você tem chances. Publique o livro, é provável que seu nome fique mais conhecido do que o meu, bem mais - abriu um sorriso encorajador, antes de entrar no quarto para dormir.

The Fairy Queen - AwaeOnde histórias criam vida. Descubra agora