Capítulo 24

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As horas seguintes foram um borrão.

Tania não se lembrava de quando havia começado a chorar, se fora ela ou Gilbert que iniciara o abraço, porque eles haviam ido para o quarto dela ou como ele havia caído no sono. Só sabia que, quando sua mente voltou a funcionar, eles estavam deitados na cama dela, com ele abraçado à sua cintura e com o rosto encharcado de lágrimas, enquanto roncava baixinho. Ela ainda chorava.

Anne entrou no quarto, e quase deu um grito quando viu a cena.

- O que está acontecendo? Por que o Gilbert Blythe está dormindo no nosso quarto? E por que você está chorando? - perguntou alarmada.

- Shh! - mandou, então olhou de volta para o menino, que ainda dormia - o pai dele morreu - a ruiva arregalou os olhos.

- Meu Deus - sussurrou. O moreno se mexeu um pouco.

- Você pode sair? Não estou psicologicamente preparada pra cuidar dele ainda.

- Posso, claro - fechou a porta e foi até o andar de baixo rapidamente, se segurando para não começar a chorar também.

A saída de Anne não adiantou muito, pois Gilbert abriu os olhos menos de um minuto depois.

- Foi um pesadelo, me diz - foi a primeira coisa que falou. Ele parecia tão triste, tão insuportavelmente desamparado, que Tania teve vontade de dizer que sim, mas não seria verdadeiro. Ela negou com a cabeça, se preparando para que ele começasse a chorar de novo, o que não aconteceu.

Nenhum dos dois sabia o que dizer, e ela tinha a impressão de que perguntar como ele estava seria a coisa mais inútil do mundo, então ficou calada.

- Você está bem? - Gilbert perguntou.

- Cala a boca - foi a resposta dela. Ele riu de leve. Tania não conseguia acreditar que ele estava rindo, ou que havia perguntado se ela estava bem - você sabe que pode chorar, né? Ou gritar. Talvez quebrar alguma coisa - ele riu de novo - Gilbert, para de rir, eu tô ficando com medo - o menino continuou sorrindo suavemente para ela.

- Não estou com vontade de quebrar nada - deu de ombros.

- Pois deveria - ele ficou sério de novo, e ela afastou o cabelo da frente de seus olhos - não precisa fingir que está tudo bem, não comigo; sabe disso, não sabe? - ele assentiu.

- Acho que agora que o choque inicial passou, eu não sei exatamente como devo me sentir.

- Não importa como você deve se sentir, importa como você se sente - ele continuou olhando para ela, que decidiu dividir sua própria experiência - quando meu pai morreu, eu fiquei com muita raiva. Todo mundo me perguntava o tempo todo se eu estava triste, e me diziam que 'estava tudo bem chorar', mas ao invés de chorar eu queria mesmo era dar um soco na cara deles. - ele deu um risinho - Eu virei uma pessoa muito fechada, mamãe dizia que parecia uma velhinha rabugenta. - sorriu de leve - A raiva passou, depois de um tempo, e sempre que ela voltava, ou uma onda de tristeza vinha, eu tinha o resto da família pra me ajudar, um grupo de apoio - os olhos dele não desviavam dos dela nem por um segundo - você, Gilbert, não tem sua família, mas você tem apoio, e se algum dia quiser brigar com alguém por motivo nenhum, eu estou aqui pra brigar de volta - ele riu um pouquinho.

- Definitivamente não estou interessado em brigar com você - ela sorriu.

- Se algum dia estiver, eu sempre posso começar a falar mal daquele livro horrível que você gosta.

- Nem começa, aquele assunto é tabu eterno a não ser que você admita que é um livro bom.

- Mas não é!

The Fairy Queen - AwaeOnde histórias criam vida. Descubra agora