Capítulo 49

473 68 11
                                    

- Parecia ser de propósito, era horrível. Fazem isso em outros orfanatos também? Ou eu dei azar de ficar em um como aquele? - perguntou à morena.

- Você deu sorte, Nan. No orfanto em que fiquei antes dele, as freiras não davam a mínima para os machucados das crianças.

- Céus, isso é terrível! Como podiam não se importar com criancinhas sofrendo?

- Elas mesmas causavam o sofrimento - murmurou. Anne não ouviu, mas Marilla arregalou os olhos. A Stacy sibilou de dor enquanto a grisalha tirava da ferida o mel que havia usado para esterilizá-la com um pano.

- Por que as pessoas trabalham em orfanatos se se importam tão pouco com os órfãos? - Nan estava vermelha de indignação.

- Não tenho ideia - Respirou fundo enquanto a mais velha esfregava suavemente o aloe vera em sua palma - limpo ou não, ainda arde - reclamou - não que o mel tenha doído menos - refletiu.

- Acho que qualquer coisa que toque a pele em carne viva a faz arder - Anne concluiu, comprimindo os lábios ao olhar para a mão vermelha da irmã - quer que eu pegue o kit de primeiros socorros?

- Sim, obrigada - a Shirley subiu na meia-ponta para pegar a caixa vermelha no topo do armário, e a entregou a Marilla.

- Vamos lá, está quase acabando - abriu o kit e pegou o soro fisiológico, derramando o líquido na palma de Tania, que mordeu o lábio inferior para conter um grunhido. Então enrolou um pedaço de gaze na mão da morena, sem apertar muito - pronto. Você deve passar babosa, lavar com soro fisiológico e trocar a gaze diariamente; certamente estará melhor logo logo.

- Obrigada, Marilla - deu um abraço curto na mulher, antes de ouvir uma batida na porta - quem será?

- Um garoto loiro - disse Anne, que olhava pela janela - o nariz dele parece o da Ruby - Tania se levantou rapidamente e abriu a porta com a mão boa. Perseu Gilles estava ali, espumando de raiva.

- Tania, você está bem? Philips é o ser mais repugnante que já nasceu.

- Você nem estava na escola - estranhou, abrindo espaço para ele entrar e começar a andar de um lado para o outro.

- Ruby me contou. Por Deus, eu odeio aquele homem. Quero dizer, como ele ousa? É a pessoa mais nojenta e horrível desta cidade, perdendo talvez para o meu pai. N-

- Você não deveria comparar seu pai a ele, Gilles - Marilla repreendeu, fazendo-o finalmente perceber que tinham mais pessoas na sala - Clint me parece ser um homem descente, e você deve honrar seus pais - Percy fechou as mãos em punho e respirou fundo.

- Realmente senhorita Cuthbert, me desculpe. É muito bom vê-la - cumprimentou-a com um aperto de mão - perdoe-me também pelas ofensas ditas em sua casa, eu me exaltei.

- Não peça desculpas por isso, eu diria algumas piores se Marilla não pudesse me castigar por tal ação - Nan falou - me chamo Anne Cuthbert, a propósito.

- Sou Perseu Gilles - sorriu de leve - é um prazer finalmente conhecê-la, ouvi muito sobre você. Minha irmã disse que tem a mente mais afiada de toda a Avonlea.

- Gosto de pensar que sim; mais afiada do que minha mente, só a língua da minha irmã.

- Disso não tenho dúvidas - piscou para Tania - bem, peço desculpas por ter vindo de repente, só queria ter certeza de que estava bem. E te convidar para uma caminhada, se quiser. Entendo perfeitamente se não for uma boa hor-

- É uma ótima hora - garantiu. Acenando para Anne e Marilla, Tania e Percy saíram de casa e foram para uma caminhada pela Travessa do Amantes.

Muito calados, eles andaram lado a lado por vários minutos, até chegarem a um riacho cristalino que corria no meio da trilha.

Tania, distraída como estava, teria caído na água se Perseu não a tivesse segurado.

- Cuidado aí, pequena, você já se machucou o bastante hoje.

- Já disse para não me chamar de pequena.

- E eu já deixei claro que não vou parar, mini-goblin-rabugenta.

- Percy, do fundo do coração, eu te daria um tapa agora se não estivesse com a mão machucada.

- Esse não é o tipo de ameaça que se faça, nem de brincadeira.

- Tem razão - ela então suspirou, pisou em uma pedra no riacho e se esticou para alcançar um tronco caído que atravessava por cima da água corrente, e sentar-se ali - Desculpe, não estou muito bem. Imaginei que sua companhia fosse melhorar o meu humor, mas estava errada.

- Sinto muito por não ter sido mais útil - em um pulo, ele se sentou ao lado dela.

- Não é culpa sua - deitou a cabeça no ombro dele, que sorriu de leve.

- Não, é culpa do Philips.

- E das freiras do orfanato, e do Billy Andrews, e da falta de sono, e de Gilbert Blythe - apertou os lábios.

- O que Blythe fez? - ela também não sabia. Pensou por um segundo e falou o óbvio.

- Foi embora! Aquele cretino.

- Você não tinha incentivado ele a ir?

- E me arrependi de tal decisão, Gilles, as pessoas se arrependem das coisas.

- Por que se arrepende?

- Porque sinto tanto a falta dele que chega a doer - jogou a cabeça para trás, olhando para o céu azul - preciso mais dele do que imaginava, Percy - fechou os olhos e respirou fundo - desculpe por estar falando com você sobre isso, deve ser chato.

- Você pode falar sobre qualquer coisa comigo, sabe muito bem disso.

- ..Não é estranho que ficamos três anos sem nos ver e nada mudou?

- Seria estranho se tivesse mudado - tocou de leve o queixo dela, fazendo-a olhar para si, e correu as pontas dos dedos pelas bochechas pálidas da Stacy.

- Achei que não estivesse interessado em bagunçar minha vida com cortejos - Tania disse, notando a aproximação dele.

- Não estou, só insisto em bagunçar minha própria vida mesmo - encarou a boca dela por mais alguns segundos, antes de deixar um beijo em sua bochecha e pular para a margem do riacho - consegue voltar para casa sozinha?

- Consigo, mas preferia que você voltasse comigo.

- Não faça isso.

- Estou pedindo que meu amigo me acompanhe, Perseu - irritou-se Tania. Não fora ele quem havia fugido no meio da noite a tantos anos atrás, deixando ela sozinha com a sensação dos lábios macios sobre os seus? Que dissera a poucos dias que não queria cortejá-la? Que se arrependia de tê-la beijado?

- E eu estou pedindo que você não faça isso.

- Estávamos bem a dez segundos atrás, o que foi isso?

- Eu estraguei tudo, Tania, está bem? Achei que conseguiria guardar meus pensamentos para mim, mas não dá. Vou para casa, te vejo depois. Melhoras.

- Não, Percy, você não pode me dizer um monte de coisas confusas e fugir assim, trate de me esperar - ele já estava longe. Raivosa e querendo chegar até ele o mais rápido possível, Tania acabou caindo no riacho, molhando seu vestido, mas apenas se levantou e correu atrás dele - garoto, pelo amor de Deus, pare de ser assim e converse comigo! - conseguiu agarrar o braço do mesmo, já a poucos metros da casa dos Gilles.

- Me desculpe, ok? Não tenho mais o que dizer.

- Pode começar me explicando o motivo para se desculpar - ela sabia, sabia mesmo; mas queria ouvir da boca dele. Antes que o loiro pudesse responder, um barulho alto de pancada veio da casa dele. Arregalando os olhos, os dois correram até a casa, encontrando a senhora Gilles prensada contra a parede com a mão do marido no pescoço. Ruby não parecia estar ali.

The Fairy Queen - AwaeOnde histórias criam vida. Descubra agora