Capítulo 25

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- Você quer a verdade, Blythe? Vou te dar a verdade: As freiras batiam nas crianças no penúltimo orfanato eu que eu fiquei, batiam de chicote, palmatória, e qualquer coisa que você imaginar, diziam que aquilo era para redimir nossos pecados a Deus; não sei você, mas eu não gosto e jamais vou cultuar um Deus que prega que eu devo ser machucada, um Deus cujos servos cometem atrocidades como aquelas! Não eram só as freiras, um padre já me abusou, já quase me matou, Gilbert, então eu sinto muito se não era a maior fã de que pessoas desconhecidas me tocassem, e sinto muito que eu tenha preferido não te contar sobre tudo que eu tive que passar para chegar até aqui. Eu estou me sentindo péssima a semanas, tenho pesadelos, flashbacks e lembranças de coisas que eu preferia deixar pra trás, mas é realmente bem difícil esquecer o passado quando ele está desenhado por todo o meu corpo; e mesmo tendo dificuldade pra levantar da cama todos os dias, eu continuou fingindo que nada está acontecendo, pra cuidar de você, porque nem você nem ninguém merece passar pelo que eu passei! Eu queria ser seu apoio, te dizer que um dia passa, que para de doer, mas essa seria a maior mentira de toda a minha vida! Essa dor, esse vazio que você tá sentindo, ele nunca vai embora de verdade, e quando você acha que vai diminuir o suficiente pra te deixar ter uma vida normal, ele volta com tudo e te afoga, de novo e de novo. Então eu sinto muito mesmo que não tenha te contado nada disso antes, eu estava tentando evitar exatamente o que está acontecendo.

As unhas de Tania estavam fincadas tão fortemente em suas palmas que ela conseguia sentir o sangue quente escorrer por seus dedos, seus olhos ardiam como se estivessem cheios de pimenta, seu estômago se revirava como louco, sua respiração era pesada.

Ela se odiava. Não deveria ter explodido daquele jeito, não deveria ter contado tudo aquilo para Gilbert. Não deveria ter contado nada.

Gilbert. As íris castanhas estavam rodeadas de vermelho enquanto ele olhava para ela com tanto choque que a garota teve vontade de rir da cara dele, ou de bater nela.

- Você podia ter me contado - aquilo a fez soltar uma risada engasgada.

- Te contado? E o que você teria dito? "Eu sinto muito" ou "estou aqui pra você". De que adianta? Aguentei meu passado sozinha por muito tempo, e não é hoje que pretendo mudar isso. Agora, a não ser que queira falar sobre os seus sentimentos e como você está péssimo pelo seu pai, eu recomendo que vá embora.

- Não vou embora. Não vou embora agora, nem amanhã, nem depois.

- Para de tentar cuidar de mim, eu já falei! Não quero que cuide de mim, não quero que você passe a mão na minha cabeça e diga que vai ficar tudo bem, sendo que nós dois sabemos que não vai! E tudo que eu posso fazer é esconder até passar, e tentar sobreviver enquanto espero pela próxima vez que o passado decidir me dar um soco!

O garoto deveria estar prestes a chorar. Tania realmente era uma pessoa horrível; o pai dele havia acabado de morrer, e ele foi até a casa dela em busca de consolo, mas tudo o que recebeu foram gritos e a promessa de que aquele vazio horrível que sentia nunca iria embora. Gilbert se aproximou da garota; ela não o julgaria se lhe desse um tapa; ao invés disso, coisa que ela sabia que ele nunca nem pensaria me fazer, o moreno aproximou a mão de seu rosto, mas sem realmente encostar nela, e perguntou:

- Posso te dar um abraço? - ela deu um passo para trás, com a impressão de que lava fervilhava dentro si. Um abraço? Um abraço não traria seus pais de volta, não anularia tudo que ela havia acabado de dizer.

- Não. Não mesmo. O que você pode fazer é ignorar tudo que acabou de acontecer e me contar sobre como 'o mundo parece estar desmoronando' enquanto eu digo que te entendo e que vai ficar tudo bem, como eu tinha planejando.

The Fairy Queen - AwaeOnde histórias criam vida. Descubra agora