Capítulo 73

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Tania pensou, bastante, e decidiu que não contaria nada. Nenhuma das coisas ruins.

- Não, agora é sua vez. Me conte mais alguma coisa - Gilbert pensou por alguns segundos.

- Eu provei uma fruta nova, se chama 'manga'. Tenho certeza de que você adoraria. A casca é verde e vermelha, mas a poupa é laranja vivo. Nunca vi uma fruta tão vaidosa quanto aquela - Nia riu - sério, mangas deixam melancias e suas poupas rosadas comendo poeira - ela riu mais forte, e Bert teve que beijá-la.

Ele subiu as mãos pelas costas dela, e, quando seus dedos tocaram a lombar por debaixo da camiseta, que havia saído de dentro da saia, ela sentiu como se as estrelas estivesse dançando sobre sua pele.

Ele deixou as mãos subirem mais um pouco, e parou o beijo ao sentir um relevo diferente. Uma cicatriz.

- Não pare - a Stacy sussurrou, mas o Blythe se afastou quando ela tentou voltar a beijá-lo.

- Me diga como isso veio parar aqui - pediu, percorrendo o braço dela até chegar à mão, que ele apertou um pouco - por favor.

- Não é importante.

- Se está te fazendo chorar é importante - usou a mão livre para pegar uma lágrima do olho de Tania antes que ela caísse. Ele mal havia mencionado o ocorrido e ela já estava chorando. Se sentiu tão fraca que quis se dar um tapa.

- Não é - insistiu.

- Tania - o tom preocupado na voz de Gilbert fez os olhos dela arderem. Ele não disse mais nada. Só o nome dela.

- Por que você não me conta uma coisa ruim, então?

- Acabei de ter a minha vez - ele estava falando baixo, como se não quisesse assustá-la. Ela não estava assustada.

- Ainda não me disse nada ruim - argumentou.

- Se eu te contar uma coisa ruim, você me conta uma? - Nia comprimiu os lábios. Não. Ela não queria contar nada ruim. E não queria chorar.

Já havia chorado demais naquele ano.

Ela olhou pra cima e respirou fundo. Muitas vezes. Até que seus olhos estivessem secos de novo.

Bert acariciou o braço dela com uma mão e as costas com outra, até que Tania olhasse para ele novamente.

- E..Eu não quero dizer nada ruim - sua voz saiu embargada, e ela teve vontade de sair correndo.

Gilbert a observou por alguns segundos. Sua fadinha já estava chorando de novo. E era culpa dele.

- Tudo bem - disse por fim, puxando a cabeça dela para o próprio ombro, e beijou-lhe a têmpora - tudo bem - repetiu, cerrando os dentes - desculpe por ter insistido.

Ela saiu devagarinho do colo dele, limpando as lágrimas das bochechas.

- Não tem problema - falou fracamente, apertando os olhos até que luzinhas coloridas começassem a piscar em suas pálpebras. E os abriu - eu vou beber água, está bem? Já volto - e saiu às pressas do quarto.

No andar debaixo, Bash estava sentado em frente à lareira, lendo um dos vários livros que ficavam numa estante próxima.

Como a Stacy desceu as escadas correndo, seu sapatos fizeram barulho, o que chamou a atenção de Sebastian.

- Olá, senhorita Stacy. Cansou de ser irritada pelo Gilbert? - Tania riu, e dava para perceber que estava chorando apenas pelo som de sua risada. O homem se levantou e foi até ela, que estava enchendo um copo de água - Tudo bem?

- Tudo - bebeu um longo gole d'água, que entalou na garganta por um segundo antes de descer, dolorido. Bebeu mais um, menor.

- Blythe disse algo que a magoou? - ele já estava pronto para dar uma bronca naquele menino.

- Não - garantiu. Não, Blythe não fez nada de errado. Apenas perguntou como havia sido o ano dela. Foi ela quem começou a chorar sem motivo nenhum. De novo - ele só fez uma pergunta que eu não quero responder.

- Ah, esse é o pior tipo de pergunta - se solidarizou. Nia sorriu um pouquinho - posso perguntar qual foi a pergunta?

- Também não quero responder a essa - disse com uma risada constrangida, e Bash sorriu.

- Há algo que eu possa fazer para ajudá-la a se sentir melhor? - ali estava de novo. Aquele tom baixo, cuidadoso, como se ela fosse quebrar.

Tania já estava quebrada a muito tempo.

E o fato de que aquilo era perceptível só a quebrava mais ainda.

Porque ela deveria ser forte. Ela deveria cuidar das pessoas. Não o contrário.

Nia abriu a boca para responder, mas não sabia o que dizer, então chorou.

Gilbert surgiu de algum lugar e a abraçou assim que ela perdeu as forças e desabou em uma poltrona. Ela não deveria estar chorando. Estava tudo bem.

Tudo bem tudo bem tudo bem.

Mas repetir aquilo em sua mente não estava funcionando daquela vez.

- Querida, respira devagar. Consegue fazer isso? - Bert pediu, ajoelhado na frente dela, que assentiu e tentou respirar. O ar não entrou.

Ela começou a sacudir as mãos e tentou de novo. Nada.

- Não - respondeu - não consigo.

- Tudo bem, eu estou aqui - encostou a testa na dela.

- Desculpa - sua voz era um fio.

- Shh, tudo bem - pegou o elástico que a garota sempre deixava em volta do pulso e amarrou o cabelo dela, tirando do rosto - está tudo bem - repetiu.

E Tania acreditou.

Porque Gilbert não mentia para ela. Nunquinha.

Nia puxou o ar, e ele entrou.

E soltou o ar, e ele saiu.

E continuou respirando devagar, com a testa encostada na de Bert.

Bash, preocupadíssimo mas sem saber como agir, observava a alguns passos de distância.

Depois de o que pareceu uma eternidade, a Stacy se afastou do Blythe e abraçou as pernas contra o corpo, apoiando o queixo nos joelhos. Respirou fundo e fungou mais algumas vezes, enquanto o namorado fazia um carinho suave em seus braços.

- Desculpe - pediu outra vez.

- Não há motivo para se desculpar - Gilbert jurou. Mas havia sim. Tantos motivos.

- Desculpe p-por ter estragado a manhã e- ele a calou com um beijo.

- Você não estragou nada. Só o fato de estar aqui torna a manhã perfeita - Nia negou com a cabeça - ei - ergueu o queixo dela com o dedo indicador - eu te amo - a garota riu. Amava mesmo. Ela só não entendia o porquê.

Não era pela honestidade.

- O senhor Philips - acabou dizendo, afinal já estava chorando - eu fui desrespeitosa e ele me puniu com uma vara - ergueu a mão - foi assim que consegui a cicatriz.

Bert cerrou os dentes. Quem aquele homem pensava que era para machucar sua Tania?

Cuidaria daquilo depois. Respirou fundo e suavizou a expressão.

- Obrigado por me contar - levou a palma dela aos lábios e a beijou - me desculpe por ter insistido quando você não queria falar. Não precisa dizer mais nada.

- E Perseu Gilles voltou, e o pai dele bateu na mãe dele, e Ruby está muito mal com isso - se havia começado, não pararia até terminar - e eu tive um pesadelo horrível que não sai da minha cabeça e estou terrivelmente cansada e faz meses que eu fico muito triste de repente sem motivo nenhum e não sei porque acontece e não consigo parar e eu odeio me sentir fraca, Gilbert. Odeio muito. E eu queria que meus pais estivessem aqui porque eles sempre sabiam exatamente o que fazer e eu não faço a menor ideia. E você não deveria ter ido embora, porque todo mundo é horrível o tempo todo e quando você não está aqui não tem ninguém pra me lembrar que existem boas pessoas no mundo. Porque você é bom e eu não sou, e ninguém mais é. E eu queria muito ser. Mas eu não sou e você está aqui e eu estou estragando tudo.

The Fairy Queen - AwaeOnde histórias criam vida. Descubra agora