Capítulo 106

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O professor passou uma enorme e complicada lista de exercícios de matemática, e disse o seguinte:

- O aluno que terminar por último desejará ter ficado em casa hoje.

Tania cerrou a mandíbula; aquele seria o dia em que enfiaria a vara de marmelo do homem onde a luz não batia, tão fundo que sairia pela boca.

Quando ela estava terminando o primeiro exercício, ouviu alguém abrir a porta, e todos se viraram. Era Sebastian, pressionando uma sacolinha de gelo na bochecha, que estava inchada de maneira alarmante; seus olhos pareciam vermelhos e injetados, e ele estava cambaleando um pouco para o lado.

Gilbert, Tania e Anne se puseram de pé.

- Sebastian!

- Você não entra nesta sala! - disse Philips imediatamente, expressando algo entre o nojo e o medo.

As irmãs Cuthbert o olharam de cima a baixo com desprezo, enquanto Blythe se apressava até o amigo.

- Bash, o que faz aqui? Parece péssim-

- Você não é bem vindo aqui! - a Stacy cerrou os punhos com tanta força que sentiu suas unhas rasgarem a pele. Billy teria o que merecia, ela apenas precisava de um plano - Tentou me matar na pantomima de Natal.

- Se existe alguma ameaça nessa sala ela é você, William Andrews - rebateu Anne, sentando-se quando sua irmã a puxou suavemente, antes de ir até onde o namorado estava. Sr. Philips, parecendo ofendido com a presença de Sebastian, voltou à aula.

- ..Gueto. Posso achar meu médico lá? - o homem sussurrava para Bert. O jovem abriu e fechou a boca algumas vezes, como um peixe fora d'água, enquanto Nia amparou Bash até um banquinho.

- Não imaginei que você quisesse ir lá - o garoto-peixe disse por fim. Ela tocou suavemente a testa do amigo.

- Você está com febre, Bash - alarmou-se.

- Não há médico para mim aqui - cortou-a - foi isso que o homem disse.

Gilbert bufou, exasperado.

- Inacreditável! - Tania não dissera nada pois estava ocupada enrolando o próprio cachecol em Sebastian - Conheço um médico em Charlottetown, te levo lá agor-

- Eu quero ir pro Gueto - falou pausadamente, muito sério.

- Bash, o Gueto não é o lugar ideal.

- É triste, sem lei, cheio de miséria e-

- Pessoas como eu.

Blythe recebeu da namorada deu um tapinha um pouco forte demais no joelho.

- O ponto é que seria muito difícil encontrar lá um médico qualificado.

- Desculpe, Bash. Te levo lá, mas primeiro vamos a um médico que eu sei que vai te ajudar - pediu - não há tempo a perder - os dois vestiram os casacos, pegaram os materiais e foram até a estação de trem. Como iriam para a cidade de qualquer maneira, pois Nia tinha ensaio, precisaram comprar apenas a passagem de Sebastian, e o trem não demorou muito a chegar.

..

- O que está dizendo é que a companhia de trem é preconceituosa? - exclamou Gilbert, profundamente aborrecido.

- O que estou dizendo é que não há lugar no trem para o seu... convidado. Não é mesmo, Isaac? - Isaac, um homem cuja pele era ainda mais escura do que a de Bash, nada disse - Aqui colocamos gente de cor para trabalhar.

- Talvez encontremos espaço para ele lá atrás - disse Isaac com indiferença - com a carga.

- Eu sou um passageiro - falou Sebastian resoluto - não irei com a carga.

- Escute aqui, meu amigo pagou pela passagem e vai usá-la, a não ser que prefira que eu a coloqu- Bert tampou a boca dela com a mão, a qual a Stacy mordeu e se desvencilhou - a não ser que o trem seja segregado por lei, ocuparemos os assentos legalmente comprados.

- Senhor - disse Bash, tentando ser educado, mas ainda incisivo - sendo ou não sua vontade, terá de me deixar entrar.

- Gilbert, Sebastian, Tania - fez-se ouvir a voz da adorada Marilla, que estava indo à cidade para um exame de vista - estava me perguntando onde estariam, eu separei seus lugares - fingiu admiravelmente - por aqui, vamos - imensamente gratos, os três a seguiram.

No caminho até seu vagão, a Stacy beijou a bochecha da mãe postiça em agradecimento.

Os três cumprimentaram a senhora Lynde, que hesitou ao cumprimentar Sebastian.

- Ah, Sebastian, o que foi? - perguntou a Cuthbert quando estavam todos acomodados, notando a bochecha inchada.

- Maus modos e dor de dente. Muito obrigado, senhorita Marilla - ela lhe deu um sorriso contido, e eles passaram alguns segundos em silêncio, que se encerrou com uma bastante constrangida Rachel Lynde.

- Sebastian, devo lhe dizer: eu o insultei quando nos conhecemos, presumindo que era ajudante - referia-se à Pantomima - Avonlea nunca foi lar de alguém - hesitou - você é o primeiro... bem - respirou fundo - tudo isso para lhe convidar a um chá, em breve; e você também, Gilbert - o garoto apenas assentiu, a testa franzida de leve.

- Obrigado - disse Bash - agradeço as desculpas e o convite.

Um homem muito bem vestido que estava sentado perto deles se levantou com um "repugnante" e saiu do vagão.

- Tomara que caia do trem - rosnou Tania.

Marilla e Bert não conseguiram segurar sorrisinhos.

..

Como Nia estava terrivelmente inquieta, Gilbert sugeriu que dessem uma volta pelo trem, e ela se pôs de pé num pulo.

Quando entraram no próximo vagão, ele perguntou:

- Você está bastante temperamental hoje, não? Algo errado? - entrelaçou seus dedos nos dela.

- Tudo errado. Não tem uma única coisa certa - fez um bico, sabendo que parecia uma criança e não se importando nem um pouco.

- Nem isso? - ergueu suas mãos dadas, sorrindo de lado. Só de birra, ela soltou a mão dele, mas seu sorriso a denunciava. Blythe deu risada, passando o braço ao redor de seu pescoço e puxando-a para lhe dar na bochecha um beijo dolorido que amassou seu rosto inteirinho. Ela o empurrou e ele a deixou em paz - Há algo mais errado do que o resto? - insistiu.

Ao invés de responder, Nia localizou um pequeno armário com produtos de limpeza, puxou Bert para dentro dele e pressionou-o contra a parede em um beijo agressivo. Após um segundo de confusão, ele espalmou as mãos na base de seu quadril e a puxou para mais perto.

The Fairy Queen - AwaeOnde histórias criam vida. Descubra agora