Capítulo 51

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No dia seguinte, depois de uma noite cheia de choro, abraços e mudança, já que Jeremy realmente havia recebido Amy de braços abertos, Ruby foi para a escola.

Tania não contara nada para ninguém, mesmo que Anne a tenha enchido de perguntas quando chegou em casa tarde da noite.

- Nan - a morena chamou, ao ver Ruby entrar na escola.

- Hm?

- Você se importaria de trocar de lugar com a Ruby hoje?

- Não, por quê? - a Stacy indicou a loira, que seguia uma linha reta até a mesa delas. Sem mais perguntas verbalizadas, apesar de muitas na cabeça, Anne pegou seu material e se sentou ao lado de Diana.

Devagar, como se cada movimento fosse rígido e preciso, Ruby se sentou ao lado de Tania.

- Oi Biby - sussurrou para amiga - como você está?

- Oi Nia - foi tudo o que disse.

Ruby e Tania passaram a aula inteira quietas e tensas mas, no recreio, a loira colocou um sorriso no rosto ao sentar no chão perto de Diana.

Tania nunca se sentava junto com as meninas, a não ser que fossem apenas Anne, Diana e Ruby, mas naquele dia abriu uma exceção, sentando-se entre Ruby e Josie Pie, que lhe lançou um olhar de nojo, mas ficou calada.

As garotas começaram a falar sobre meninos e cortejos, mas as moradoras de Greengables não ouviam; Tania estava atenta a cada movimento de Ruby, a qualquer sinal de que a amiga estivesse incomodada e pudesse precisar de algo; já Anne encarava Cole, sentado sozinho no canto da sala oposto ao delas.

- Ele parece tão solitário - disse, ignorando as perguntas que as outras estavam fazendo sobre a carta que ela escreveria para Gilbert a respeito do ouro.

- Parece mais triste e bonito do que solitário - rebateu Josie Pie. Tania fez cara feia para ela; se lembrava perfeitamente da loira, poucos anos antes, jogando uvas em Cole e chamando-o de esquisitão. Um estirão não fazia dele outra pessoa, ao contrário do que elas pareciam pensar. O garoto alto e esguio sentado do outro lado da sala ainda era aquele menino introspectivo de quem elas costumavam falar mal, e o fato de todas parecerem ignorar aquilo deixava Tania nos nervos.

- A Josie está apaixonada pelo Cole - Jane Andrews disse em tom de zombaria. Esquecendo-se do machucado na palma da mão, a Stacy cerrou os punhos, o que a fez sibilar de dor.

- Não, não estou - protestou Josie, envergonhada. Não havia vergonha nenhuma em gostar de Cole. Tania estava cada vez mais irritada - eu sou apenas observadora.

- Não há garoto mais triste e bonito do que Gilbert Blythe - falou Tillie, empurrando de leve o ombro de Ruby em provocação.

Lançando um olhar para Tania e Diana, Anne colocou seu lanche de volta na cesta e se dirigiu até o Mackenzie, sendo acompanhada pelas duas amigas.

- Sei como ele se sente - ela disse enquanto andava. Tania não disse nada, apesar de saber que ele gostava de ficar sozinho de vez em quando, com seus pensamentos e cadernos, assim como ela - o desenho que fez ontem estava belíssimo - falou ao se ver de pé em frente a Cole - deu vida a Camelot. Billy Andrews e o professor Philips são bárbaros - completou, rindo de levinho.

- Tenho torta de morango para dividir - Diana acrescentou - podemos nos sentar?

Com um sorrisinho hesitante, ele assentiu.

Anne acomodou-se à esquerda do loiro, Diana à direita dele, e Tania deitou a cabeça em seu colo, como fazia quando se sentavam juntos para ler.

- Vocês não vem? - a Barry chamou as outras garotas.

Sem nem hesitar, Ruby foi até lá. Depois dela foi Jane, seguida de Tillie. Josie continuou sentada.

- É claro, Prissy - disse em direção à janela aberta - eu adoraria me sentar com você e as meninas mais velhas!

Tania suspeitava que não houvesse ninguém ali.

...

- Fantasmas não existem - Anne murmurou para si mesma no caminho até o Clube de Estórias.

- Quem disse? - perguntou Tania - Um garoto que morava na casa do lado da dos meus pais vivia vendo fantasmas no nosso jardim. Dizia que eles se arrastavam aos nossos pés o tempo todo.

- Tania, fique quieta, por favor - sua voz estava trêmula.

- O que te deixou tão apavorada? - perguntou quando o canto de um corvo fez todo o corpo da Shirley se arrepiar.

- Escrevi uma história de terror. Oh Tania, é tão maravilhosamente assustadora.

- Conte-me.

- Ah não, eu não teria coragem. E se acabar virando realidade?

- Me diga o tema, então.

- É sobre um corvo cleptomaníaco - por um segundo a Stacy teve medo de que Anne tivesse pirado de vez, antes de lembrar que ela nunca estivera exatamente sã, para começar - ah! - a ruiva soltou um grito quando um galho muito parecido com uma mão esquelética enganchou seu cabelo.

- Acalme-se, Nan. A única parte assombrada de Avonlea é o antigo jardim de Ester Gray, e a fantasma é bastante gentil.

- Do que está falando?

- Uma lenda, creio que baseada em fatos reais.

- Que lenda?

- Posso levá-la ao jardim algum dia, então lhe contarei.

- Oh Tania, não faça isso. Ir ao jardim matar-me-ia de medo, mas não ir me matará de curiosidade!

- Terá de escolher o jeito mais romântico de morrer então, querida.

Após alguns minutos de caminhada silenciosa, Tania cometeu um ato de crueldade. Ela viu um pequeno corvo no galho mais baixo de uma árvore próxima. Discreta, sem que Anne visse, conseguiu convencer o corvo a subir em seu dedo e, cuidadosamente, colocou-o no ombro da irmã.

Muito devagar, a Shirley virou a cabeça, arregalou os olhos e gritou a plenos pulmões, estapeando o corvo para longe de si e correndo o mais rápido que podia pelo resto do caminho até a pequenina casa de madeira.

Tania, que estava rindo da pegadinha, fazendo juz à reputação de travessa que ganhara nos orfanatos do país, estendeu novamente o dedo, e o corvo, irritado, pousou, permitindo que ela o levasse, risonha, até a casinha.

- Acabo de sobreviver à experiência mais perturbadora - dissera Anne a Ruby e Diana, que lhe esperavam no Clube de Estórias - creio que uma maldição diabólica tenha recaído sobre Avonlea. Permeia cada alcova, cada fresta, todas as árvores e flores; os espíritos se alvoroçaram. Estou quase certa de que vi o espírito de uma bruxa assassinada perto do riacho.

- O que ela quer? - perguntou Ruby, aterrorizada.

- Não ela, Biby, mas de quem ela está fugindo.

- De quem? - os olhos de Diana estavam cheios de água. Oh, como estava assustada.

- Do corvo cleptomaníaco! - Tania gritou, escancarando a porta e soltando o corvo ali dentro.

Entre gritos e penas, o corvo piou alto e saiu voando por uma fresta, pensando seriamente em tornar real a história daquela bruxinha de cabelos de fogo.

Quando as meninas pararam de gritar e conseguiram tirar as penas pretas de cima de si, ofegantes, Tania começou a rir com ainda mais vontade.

- Não tem graça! - disse Diana, o nariz vermelho.

- Oh, tem sim, muita - disse Anne, sorrindo para a irmã - ah, este não foi um susto glorioso?

- Não poderia fazer qualquer coisa além de concordar, adorada Anne - disse a Stacy, sentando-se e assoprando uma pena que caíra em seu nariz.

The Fairy Queen - AwaeOnde histórias criam vida. Descubra agora