Capítulo 84

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Gilbert pressionou os pés na barriga do cavalo, que começou a trotar, e dentro de alguns minutos estava cavalgando.

Tania respirou fundo enquanto o vento frio lhe avermelhava as bochechas e congelava a ponta do nariz, e quando haviam se distanciado o suficiente de Greengables, soltou um uivo rouco de animação; Gilbert riu, mas então a acompanhou.

Após alguns minutos sentindo a brisa levar consigo tudo de ruim que estivesse na superfície de sua mente, Tania avistou o Lago das Águas Brilhantes.

O cavalo, cujo nome Bert lhe contou ser Morango, parou a poucos metros da água congelada.

Blythe desceu primeiro, então ajudou sua namorada a descer, a girando no ar como se estivessem dançando, antes de colocá-la no chão.

Com um sorriso brilhante, Nia o puxou para um beijo apaixonado, e Gilbert acabou tropeçando nos próprios pés e derrubando os dois na neve pálida e macia, entre risadas.

Deitados lado a lado, eles observavam as estrelas; digo, ela observava as estrelas e ele a observava, seus olhos pareciam refletir o universo inteiro.

- Meu amor - sussurrou.

- Hm? - ainda olhava para os pontinhos luminosos no céu de veludo azul. Bert tocou sua bochecha para virar o rosto da garota para si, e então avançou para beijá-la, e naquela vez ela não se esquivou.

Entre suspiros, Tania levou as mãos até o quadril do namorado, puxando-o para cima de si. Ele encaixou uma perna entre as dela e aprofundou o beijou, passando a língua pelos lábios dela, abrindo caminho em sua boca, de maneira tão intensa que a Stacy estaria envergonhada se não tivesse mascado a hortelã.

Ela levantou a blusa do Blythe, e sentiu as pontas de seus dedos formigarem quando tocou a pele de sua lombar; ele soltou um barulhinho do fundo da garganta e levantou um pouco a camisola dela, tocando sua coxa, só um tantinho acima do joelho; ela tirou o casaco e enrolou os braços no pescoço dele, puxando-o para mais perto.

Então ele parou o beijo e se afastou, ofegante.

- Querida - disse, piscando fortemente e se acalmando enquanto ela se sentava e franzia as sobrancelhas - sabe que eu não a trouxe aqui pra isso - prendeu seu cabelo atrás da orelha.

- E-eu sei - onde estava com a cabeça? - não pensei que tivesse - garantiu. Gilbert sorriu de leve e selou seus lábios nos dela rapidamente.

- Vamos patinar? - perguntou, alargando o sorriso. Nia assentiu e vestiu novamente o casaco, antes de calçar os patins.

Caminharam com cuidado até o lago e, a um passo do gelo, Tania disse:

- O último a chegar do outro lado do lago morre solteiro! - e se colocou a patinar o mais rápido possível, gargalhando.

Bert, ao contrário dela, levara a ameaça a sério demais, e patinava com tudo o que tinha para alcançá-la. A poucos metros da margem oposta, ele conseguiu agarrá-la, e os dois acabaram chegando juntos.

- Agora morreremos casados, Fadinha - o fato de que um com o outro estava implícito em casados a fez corar.

- Era só uma brincadeira, querido - riu-se, antes de pegar a mão dele e começar a puxá-lo devagar pelo gelo.

Era tradição deles desde o primeiro ano de Tania em Avonlea: entre 26 e 31 de Dezembro, patinavam juntos no lago, só os dois.

Começou em uma tarde, a muitos anos, quando o pequenino Gilbert Blythe decidiu que, como era o único da turma que não conseguia, ele precisava aprender a patinar.

Foi até o lago, calçou os antigos patins violetas da mãe e começou a tentar. Maspara a diversão de Tania, que lia em uma árvore próxima, com um lanche e seus patins na cesta de palha, sem ser avistada pelo Blytheele era péssimo.

Pisava, travava, pulava e tropeçava. Fazia tudo, menos deslizar.

Entretanto, após algum tempo, ele chegou perto demais do centro do lago, onde o gelo era mais inseguro.

Deixando o livro de lado, Tania correu até a margem.

- Gilbert Blythe! - gritara, atraindo o olhar dele - Saia daí!

- O que foi?

- Saia do meio do lago! - berrou, temendo que o gelo fino rachasse a qualquer momento.

- Por quê?

- Apenas confie em mim! Venha para a margem, por favor - sua voz estava trêmula.

Com a testa franzida, Gilbert andou (daquele jeito esquisito que se faz quando está de patins, parecendo um pinguim) até ela, que suspirou de alívio .

- O que foi? - ele repetiu.

- Foi que você é um idiota, Gilbert Blythe! - ainda estava abalada. Eles eram amigos a poucos meses, mas se o Blythe morresse, Tania Stacy caçaria a morte e a esquartejaria com suas próprias mãos.

- O que eu fiz dessa vez? - perguntou emburrado.

- Você estava no meio do lago, garoto - lhe deu um empurrão - o que queria? O doce alívio da morte? - ironizou.

- Não seja tão mórbida - murmurou - o que há de errado em patinar no meio do lago, afinal?

- Escute aqui, em primeiro lugar - levantou o dedo indicador - aquilo que estava fazendo não é, em hipótese alguma, nem aos olhos mais falhos, patinar - ele revirou os olhos - em segundo lugar - ergueu o dedo médio - o gelo é fino e quebradiço no centro do lago, e se você fosse um pouquinho mais pesado, estaria conhecendo meus pais nesse momento - ele abriu a boca, mas ela o calou com o olhar - e em terceiro lugar - juntos os dedos - na próxima vez que eu lhe dizer para fazer algo - bateu os dedos na testa dele - faça!

- AI! - reclamou.

- Calado! Agora preste atenção - pegou a mão do menino - ..vou ensiná-lo a patinar antes que quebre uma perna - explicou para seu rosto confuso.

- No que está pensando, querida? - o Gilbert do presente a tirou do devaneio.

- No dia em que começamos essa tradição - estava ao lado dele, então fez uma curva, suas mãos dadas sendo o centro, para ficar na frente do namorado, agora patinando de costas enquanto subia a mão livre para enrolar nos dedos aquele cachinho que teimava em cair na testa dele - você era tão inocente, não ficava falando essas coisas sobre livros da Julia Quinn..

- Ei! - eles riram - E você era bem mais mandona do que é hoje em dia.

- Não sou mandon- não se atreva a discordar, Gilberto!

- Esse não é, nunca foi, e nunca será o meu nome.

- Gilberto Gil.

- Para.

- Haroldo.

- Shiu!

- Bli- ele a calou com um beijo, mas se afastou rapidamente - príncipe encantado - ela corrigiu, tentando voltar a beijá-lo, enquanto ele se esquivava - meu Bert lindo - tentou de novo, mas ele segurou seu queixo para impedi-la - amor da minha vida - continuou, a boca entreaberta enquanto tentava alcançar a dele, que estampava um sorrisinho arrogante - está se divertindo?

- Tanto - ele disse, estendendo as vogais - continue - pediu, lambendo os lábios.

- Deidade dos bons beijos, deus da devassidão, a flecha no meu coração - dramatizou, ainda lutando contra a mão dele, que segurava firmemente sua mandíbula - não vai me deixar te beijar?

- Nah, isso é melhor - mordeu o lábio inferior, os olhos semicerrados. Tania sentiu a boca secar.

- Você é um homem depravado e cruel, Gilbert Blythe, e nenhuma dama em sã consciência se sujeitaria à sua companhia.

- Mas você está aqui - observou com ar de sabedoria.

- Eu nunca disse que estou sã - sussurrou, enquanto Gilbert aproximava sua boca da dela, tão perto que as respirações dos dois se misturavam. Então se afastou - vou mesmo precisar pedir por favor? - fez um beicinho, ainda sendo guiada por ele ao dar voltas e mais voltas no lago enquanto conversavam.

The Fairy Queen - AwaeOnde histórias criam vida. Descubra agora