Capítulo 100

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Entre conversas e risadas, os cabelos de Tania foram pintados.

- Como está Ruby? - por que ela nunca conseguia segurar aquela pergunta por mais de alguns minutos?

- Pior do que você.

- Anne, me responda!

- Eu respondi! - Tania bufou enquanto Cole prendia seu cabelo em um coque para deixar a tinta agir.

- Muito ruim, então, eu imagino?

- Não vou dizer com Gilbert aqui... Falando nisso, por que está tão quieto, garanhão? - Blythe riu de leve.

- Só pensando, cenourinha - levou um tapa forte e merecido na perna - caramba, Anne, vai me bater sempre que eu te chamar assim?

- Olha só, você aprendeu mais rápido do que eu esperava - parabenizou sarcasticamente.

Ele lhe deu língua e a Stacy riu. Respirou fundo.

- Pensando em quê?

- Em como as pessoas dizem que amar é difícil. E desde que ficamos juntos eu tenho me perguntado de onde tiraram tamanha baboseira. E agora entendi que dizem isso se referindo a amores não retribuídos.

- Não é assim que funciona, meu amor. Muitos amores retribuídos são difíceis; as vezes a pessoa amada morre, ou vai embora por outros motivos, como família ou carreira; em outras você ama uma pessoa até descobrir como ela é quando você não está vendo, ou quando ela para de se esforçar; algumas pessoas são simplesmente difíceis de amar - hesitou - eu me encaixo na última categoria, sabe? Você só está muito ocupado sendo absolutamente perfeito para perceber.

- Não é difícil amar você - Nan rebateu de prontidão.

- Não é difícil porque normalmente não jogo meus problemas em cima de você - se arrependeu imediatamente do que disse - esqueça. Não estamos falando de mim.

- Que tipo de problema? - foi Cole quem perguntou.

- O tipo que não deveria mais doer depois de tanto tempo.

Eles caíram em um silêncio pesado por alguns segundos, até Anne dizer baixinho:

- O orfanato ainda me machuca.

O lábio inferior de Tania tremeu.

- A mim também.

Devagar, Gilbert a puxou para o colo dele, uma perna dela de cada lado das suas. Ele percebeu que gostava muito daquela posição.

Bert a observou por alguns segundos, tentando colocar seus pensamentos em uma frase coerente.

- Eu secaria um mar das suas lágrimas, se significasse que poderia ver o seu sorriso ao menos uma vez - falou por fim.

Tania ficou completamente sem palavras. Ela estava certa de que conhecia muitas delas, em várias línguas, mas não se lembrava de nenhuma.

Acabou por dizer a coisa mais insensível que poderia ter dito.

- Achei que eu fosse a escritora da relação - Bert abriu um sorriso largo demais.

- Você trás a tona o poeta em mim - brincou. Ela sorriu de levinho, mas logo tornou a ficar séria.

- Desculpe. Não sou boa nessas coisas. Nunca fui. Por isso gosto de cartas, tenho tempo de pensar e editar e posso reescrever coisas péssimas assim milhares de vezes até ficar bom. Não que fique bom de verdade; não tive coragem de lhe enviar a maioria das cartas que escrevi. Falei demais, perdão - enfiou o rosto rubro no ombro dele - eu te amo - concluiu com a voz abafada.

Blythe acariciou suavemente o cabelo da namorada. Os outros dois não sabiam para onde olhar.

- Você é boa nessas coisas. Mas por acidente. Fica mais difícil fazer algo quando pensa demais - beijou a têmpora dela - Fadinha - sussurrou - eu não estou pedindo nada de você, entende? Não digo essas coisas porque quero ouvi-las, digo porque quero que você ouça. E que acredite. Porque é a mais pura verdade - a apertou mais contra si.

- É exatamente isso que torna difícil - sua voz era quase inaudível - eu sou medrosa, Gilbert Blythe. Tenho medo de não ser o suficiente, de falar demais e de te perder. E é justamente por isso que acabo fazendo todas essas coisas. E preciso que me assegure o tempo todo de que não as estou fazendo. Mesmo que esteja. E sei que é difícil e chato e um saco, mas não sei como parar. Mas juro que estou tentando - ele sentiu lágrimas quentes caírem em sua camiseta - só preciso que tenha paciência comigo, está bem? E que não se canse de mim. Eu vou conseguir, Bert. Vou parar de implorar por amor, e de duvidar dele, e começar a simplesmente aceitar o que recebo. Eu vou aprender, sou boa nisso quando quero.

- Nia - limpou a garganta - Nia, meu Deus - ele voltou os olhos vermelhos para Cole e Anne, e parecia quase.. assustado? Nenhum deles sabia o que dizer - querida, do que está falando? - queria afastá-la de seu ombro e olhar nos olhos dela e dizer que a amava e nada daquilo era incômodo ou sequer percebido, mas não adiantaria. A imagem que ele tinha de uma garota confiante que conhecia o próprio valor se despedaçava mais a cada dia. E ela sabia e aquilo também doía.

- Nada. Não estou falando de nada. Apenas divagando. Desculpe - desculpe desculpe desculpe. Quantas vezes pedira desculpas naquele dia? Precisava aprender a ficar quieta - vou parar. Vou mesmo - respirou fundo algumas vezes, tentando acalmar os soluços, antes de se afastar de seu ombro e olhar para ele, mas não nos olhos. Gilbert segurou seu rosto, e ela segurou as mãos quentes dele com as suas geladas.

- Meu amor - secou as bochechas dela com os dedos - Tania. Minha Tania - não tinha a menor ideia do que dizer - eu te amo tanto - os olhos dela fugiam dos seus, e ele precisava que parassem - Nia - a Stacy mordeu o lábio inferior com força, até abrir um corte que havia acabado de cicatrizar, e finalmente fixou o verde no dourado; um dourado desesperado - eu gosto de te dizer. Gosto de fazer juras e escrever cartas e compor músicas. E se precisar passar o resto da vida te convencendo de que você merece todas as coisas boas que recebe, então o farei sem reclamar. Mas se tiver dúvidas, eu preciso que me diga, e que me permita saná-las. Preciso que fale como se sente, e peça o que quer.

- Eu disse, eu falei, eu pedi. E agora não consigo mais parar - se assustou com o barulho da porta pesada sendo fechada; Anne e Cole haviam assistido bem mais do que deveriam, e o loiro decidira dar aos amigos sua privacidade, puxando uma Nan vidrada e chorosa para fora às pressas. Ela tapou a boca com as mãos - eu tinha esquecido que eles estavam aqui - disse por entre os dedos.

- Eu também - puxou as mãos dela devagar e as segurou no colo - mas agora saíram - acariciou suas palmas até que ela se acalmasse. Até que ambos estivessem mais calmos.

The Fairy Queen - AwaeOnde histórias criam vida. Descubra agora