Capítulo 11

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Lá, ela bateu na porta, que foi aberta pelo Blythe filho, com os olhos vermelhos e o sorriso mais falso que Tania já tinha visto.

Antes de qualquer coisa, ela puxou-o para um abraço apertado, que foi separado em poucos segundos pelo menino; ele não queria começar a chorar outra vez.

- O que seu pai tem? - perguntou, o mais suavemente possível.

- E-ele... - respirou fundo - Tania - sussurrou.

- Estou aqui - Gilbert então a abraçou de novo, não aguentando mais e soluçando silenciosamente em seu ombro, apertando-a como se ela fosse sua salvação, e perdendo completamente a força nos joelhos ao lembrar que nada poderia salvar o pai. A jovem o apertou mais forte, passando uma mão por seus cabelos e desejando em sua mente que ela pudesse tirar toda a dor do amigo, que o ponto em que seus corações se tocavam pudesse transmitir a dor dele para ela - quanto tempo? - a aquela altura já tinha entendido tudo.

- Algumas semanas, talvez meses - sua voz estava por um fio - o médico passou alguns remédios para a febre e tosse, mas não tem cura - soluçou alto, um som que cortou o coração da Stacy tão bem quanto um machado cortava uma árvore.

...

Os dois foram para dentro ver John, e deram seu máximo para curtir o dia. Tania estava decidida a fazer Gilbert aproveitar o tempo que lhe restava com o pai dele.

Quando estava saindo para ir embora, já perto da hora do jantar, a órfã teve uma ideia.

- Bert, eu estava pensando; John vive falando sobre como gosta de viajar, e como gostaria de rodar o mundo com você; não acho que dê para fazer isso, mas o país talvez, ou até só a Ilha do Príncipe Eduardo - sugeriu, e os olhos do garoto brilharam - vocês poderiam fazer as malas e pegar o trem amanhã mesmo, seu pai merece passar os últimos dias dele da melhor maneira possível - disse com um sorriso triste, que o Blythe retribuiu.

- É uma ótima ideia, fadinha - assentiu - vou ver o que ele acha. Você fica bem?

- Eu que deveria estar te perguntando isso - beijou a bochecha dele e foi embora.

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Gilbert realmente havia viajado com o pai no dia seguinte, e, duas semanas depois, o primeiro trimestre tinha acabado e era o primeiro dia de aula do segundo, e de Anne.

Ela levantou cedo, ao cantar do galo, e arrumou-se minunciosamente, trançando o cabelo com tanto afinco que Tania se perguntou se não estaria doendo.

Quando prontas, Marilla as chamou para o café, e elas desceram correndo, a ruiva tão animada que subiu de volta pois havia esquecido uma coisa, voltando quando já estavam todos à mesa.

- Imagino que seja perfeitamente normal ficar um pouco nervosa no primeiro dia, mas sei que vai dar tudo certo.

- E se não der, eu serei sua fiel escudeira - a morena brincou.. quer dizer, não era exatamente brincadeira, ela temia que Anne fosse ser zoada por Billy ou Josie, mas faria o máximo possível para impedir tal coisa.

- Eu não tenho muita experiência com a escola, mas por que não ficaria bem? Acho que vai ficar tudo bem, melhor do que tudo bem, não duvido que ficará, não duvido nadinha. Estou alguns anos atrasada, mas isso não é motivo para não ser otimista.

- E se tiver qualquer dúvida é só me perguntar - Tania sorriu.

- Exato. Além disso, o único lugar que eu posso ir, academicamente falando, é pra cima. Se a pessoa se esforça bastante, não tem como errar - ela estava andando de um lado para o outro e quase esbarrou em Marilla.

- Acalme-se, por favor - Anne respirou fundo.

- Vai ser bom fazer novos amigos, embora eu saiba que vai ser difícil de me entrosar - fez uma leve careta - já que eles provavelmente já se conhecem a anos. Ir à escola é o maior sonho da minha vida, o que poderia dar erra- deixou uma xicara cair no chão, soltando um suspiro surpreso - por favor, que isso não seja um mau agouro - spoiler: foi.

- Pelo amor de Deus, Anne, eu disse para você se acalmar - a Cuthbert advertiu.

- Eu vou pegar a vassoura - o irmão a tranquilizou.

- Eu sinto muito, Marilla.

- Você se sairá bem hoje - ele disse para a ruiva, entregando-lhe a pá - é muito inteligente.

- Eu não preocupo com o meu cérebro, acredito que ele esteja funcionando muito bem. Com sorte, eu alcançarei o resto da turma bem rápido.

- Não precisa de sorte, você tem a mim - a Stacy se gabou e Anne riu, continuando o que falava.

- Essa não é a minha preocupação. Sabem qual é a minha grande preocupação? A preocupação primordial?

- Tenho certeza de que nos dirá - Marilla alfinetou.

- É este cabelo ruivo medonho - agarrou as tranças - este cabelo ruivo feio e horrível! Ele é a ruína da minha existência - largou as tranças em frustração.

- Anne, cabelos ruivos são lindos. Minha mãe era ruiva, sabia? E ela era uma modelo; já apareceu em vários anúncios de lojas de vestidos nos jornais e muitos consideravam ela a mulher mais bonita da Ilha do Príncipe Eduardo - falou, lembrando com carinho da adorada mãe.

- Jura? - o queixo da menina caiu. Tania assentiu, a boca cheia de torrada.

- Então sugiro que encontre outra preocupação primordial - a mais velha advertiu.

- As minhas sardas - Anne rebateu - eu odeio minhas sardas.

- Shirley - chamou pelo sobrenome, recebendo a atenção da jovem amiga - você me acha bonita?

- Tão encantadora quanto uma brisa de verão ou uma flor de primavera.

- Ótimo, obrigada - ela nunca havia conhecido uma pessoa tão boa com elogios como Anne, sua autoestima estava tão alta que ela achou que perfuraria o teto - olhe para o meu nariz.

A ruiva aproximou o rosto do da morena e arregalou os olhos azuis-gelo ao notar os pontinhos marrons espalhados pela pele clara.

- Ok, você tem um ponto. Mas não consigo deixar de pensar que as outras crianças gostariam mais de mim se eu fosse bonita - insistiu.

- Se alguém gosta de você pela sua aparência e não pela sua personalidade, esse alguém não te merece - Tania disse.

- Mas, ouça, se uma rosa não fosse bela, ninguém ia querer parar para cheira-la.

- Você pararia - a mais baixa não pôde fazer nada além de dar o braço a torcer, concordando com a cabeça - sabe por que você pararia? Porque consegue ver a beleza em tudo. Todos nascemos belos, Anne; a maior tragédia é sermos convencidos de que não - todos na sala ficaram sem palavras por um minuto inteiro. Este era um dom de Tania: ela conseguia colocar em palavras os pensamentos que estavam escondidos no fundo da mente das pessoas, mas que ninguém nunca se atrevia a falar sobre; ninguém além dela.

- Tenho certeza de que se dará bem na escola se parar de se lamentar e começar a se alimentar direito - Marilla voltou ao assunto, quebrando o silêncio perplexo, e Anne deu uma mordida em sua torrada, sem manteiga, sem requeijão, sem nada! Que tipo de psicopata comia torrada pura? A morena conteve um arrepio.

Logo elas saíram e foram para a escola, Tania se desviando no meio do caminho para encontrar-se com Cole. Ela estava longe de se preocupar com a jovem Cuthbert, que havia passado todo o tempo em que andaram juntas falando com as árvores.

Na entrada, depois que todos, incluindo Cole e Tania, já estavam lá dentro, Anne respirou fundo, e entrou.

The Fairy Queen - AwaeOnde histórias criam vida. Descubra agora